Ícaro

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1859

Que queres tu que eu te peça?
Um olhar que não consola?
Podes guardar essa esmola
Para quem ta for pedir,
A um olhar de volúpia
Que ensina discreto espelho
Queres que eu curve o joelho,
E quebre todo um porvir?
 
É audaz o pensamento.
Não vês que um olhar é pouco?
Eu fora cobarde e louco
Se te aceitasse um olhar!
A flor da pálida face,
Esse raio luminoso,
É a esperança de um gozo
Que bem se pode evitar.
 
Este fogo que me impele
Para a esfera dos desejos
Cresce, vigora nos beijos
De uma boca de mulher;
Tem asas como as das águias;
Nem pousa sobre o granito;
Aspira para o infinito;
Pede tudo e tudo quer!
 
É ambição desmedida?
Prevejo tal pensamento:
A inclinação de um momento
Não me dá direito a mais.
A chama ainda indecisa
Uma hora alimentaste,
E agora que recuaste
Quebras os laços fatais.
 
Era tarde! As fibras todas
Já vão meio consumidas;
Perdi na vida — mil vidas
Que é preciso resgatar.
Bem vês que a perda foi grande.
Quero um preço equivalente;
Guarda o teu olhar ardente
Que não me paga um olhar.
 
Alma de fogo encerrada
Em livre, em audaz cabeça
Não pode crer na promessa
Que os olhos, que os olhos dão!
Talvez levada de orgulho
Com este amor insensato
Quer a verdade do fato
Para dá-la ao coração.
 
E sabes o que eu te dera?
Nem tu calculas o preço...
Olha bem se te mereço
Mais que um só olhar dos teus:
Dera-te todo um futuro
Quebrado a teus pés, quebrado,
Como um mundo derrocado
Caído das mãos de Deus!
 
Era uma troca por troca,
Ambos perdiam no abraço
Mas estreitava-se o espaço
Que nos separa talvez.
Foras um sonho que eu tive,
Uma esperança bem pura;
Foras meu céu de ventura
Em toda a sua nudez!
 
Que este fogo que me impele
Para a esfera dos desejos
Cresce, vigora nos beijos
De uma boca de mulher;
Tem asas como as das águias;
Nem pousa sobre o granito;
Aspira para o infinito,
Pede tudo e tudo quer!