A Caridade (Machado de Assis, 1864)

Wikisource, a biblioteca livre

A CARIDADE.

(1861.)


Ella tinha no rosto uma expressão tão calma
Como o somno innocente e primeiro de uma alma
Donde não se afastou ainda o olhar de Deus;
Uma serena graça, uma graça dos céus,
5Era-lhe o casto, o brando, o delicado andar,
E nas azas da brisa iam-lhe a ondear
Sobre o gracioso collo as delicadas tranças.

Levava pela mão duas gentis creanças.

Ia caminho. A um lado ouve magoado pranto.
10Parou. E na anciedade ainda o mesmo encanto


Descia-lhe ás feições. Procurou. Na calçada
Á chuva, ao ar, ao sol, despida, abandonada
A infancia lacrimosa, a infancia desvalida,
Pedia leito e pão, amparo, amor, guarida.

15E tu, ó Caridade, ó virgem do Senhor,
No amoroso seio as creanças tomaste,
E entre beijos — só teus — o pranto lhes seccaste
Dando-lhes pão, guarida, amparo, leito e amor.