Dicionário de Cultura Básica/Dafne

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DAFNE (e Dáfnis: o mito da virgindade glorificada e a origem do loureiro) → Mitologia

Em grego, a palavra dafne significa "louro" e, por ser uma planta que permanece verde no inverno europeu, passou a simbolizar a "imortalidade", adquirida pela "glória". Consagrada ao deus Apolo, suas folhagens eram usadas para coroar os heróis das guerras e dos esportes, os poetas e os sábios. Na origem das crenças e dos cerimoniais está o mito de Dafne, que teve várias versões, mas que, na sua essência, pode ser reduzido à seguinte história ficcional: uma jovem e bela ninfa consagra-se a Diana, deusa da virgindade, fazendo voto de renunciar ao amor e ao casamento. Mas o deus Apolo se apaixona por ela e a persegue, tentando convencê-la a ceder à paixão amorosa. Ela resiste, se esconde, foge, até que, quando está para ser violentada, Júpiter intervém e a transforma em loureiro. Triste e arrependido, Apolo consagra o vegetal ao seu culto. A lenda da jovem Dafne, na mitologia grega, tem um correspondente masculino: Dáfnis, um semideus siciliano, abandonado pela mãe num bosque de loureiros consagrado às ninfas. Estas ensinaram ao belo rapaz como pastorear, Apolo o instrui na arte de tocar flauta e a deusa Diana o treinou para a caça. Os mitos de Dafne e de Dáfnis estão entre os mais explorados, junto com os de Orfeu e de Édipo. Encontramo-los em várias manifestações artísticas da cultura ocidental: Literatura, Teatro, Dança, Artes plásticas, Cinema. A fábula de Dafne aparece na Grécia, documentada a partir do séc. III a.C. Uma das primeiras narrativas ficcionais em prosa da língua grega é o romance pastoral Dáfnis e Cloe, do escritor Longo. O poeta latino Virgílio faz várias referências ao mito de Dafne na Eneida e nas Bucólicas; mas é o lírico romano Ovídio, o poeta do amor, que, em suas Metamorfoses, melhor dramatiza a história de Dafne, dando-lhe inclusive alguns toques de volúpia: o vento levanta sua roupa durante a fuga, como que para mostrar melhor seus encantos ao perseguidor. A partir do fim da Idade Média, mas especialmente ao longo do Renascimento, Barroco e Arcadismo, a figura de Dafne é cristianizada, chegando a ser identificada com a Virgem Maria, fecundada por Deus e continuando Imaculada. Dafne é a eterna configuração do amor que, não sendo satisfatória sua realização ao nível carnal, se transfigura e atinge a imaterialidade, a eternidade. É a representação da mulher angelical que resiste ao assédio sexual, pois quer que o homem amado a deseje num outro nível, o espiritual. É a mulher sonhada pelos poetas provençais (→ Trovadorismo), é a Laura de Petrarca, a Beatriz de Dante, a Dulcinéia de Cervantes.