Dicionário de Cultura Básica/Freud

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FREUD (o pai da Psicanálise: libido; Jung e os "arquétipos") → PsiquêÉdipo

A arte é a trilha que leva de volta,
da fantasia à realidae.

Incalculável é a contribuição do famoso neurologista austríaco no tocante aos estudos sobre a formação da personalidade humana. Sigmund Freud (1856–1939) conseguiu acender luzes nas camadas mais profundas da psique humana: o inconsciente e o subconsciente. O século passado foi denominado o "século da Psicanálise", pois verdades existenciais foram vasculhadas por pesquisadores que se tornaram imortais, ligando seu nome ao séc. XX. O que Einstein foi para a Ciência, Picasso para a pintura e Proust para a literatura, Sigmund Freud representou para o conhecimento do inconsciente humano. Começou estudando casos clínicos de comportamentos anômalos ou patológicos, com a ajuda da hipnose e em colaboração com os colegas Joseph Breuer e Martin Charcot (Estudos sobre a histeria, 1895). Insatisfeito com os resultados obtidos pelo hipnotismo, inventou o método que até hoje é usado pela psicanálise: o das "livres associações" de idéias e de sentimentos, estimuladas pelo terapeuta por palavras dirigidas ao paciente com o fim de descobrir a fonte das perturbações mentais. Para este caminho de regresso às origens de um trauma, Freud se utilizou especialmente da linguagem onírica dos pacientes, considerando os sonhos como compensações dos desejos insatisfeitos na fase de vigília (A interpretação dos sonhos, 1899). Mas a grande novidade de Freud, que escandalizou o mundo cultural da época, foi a apresentação da tese de que toda neurose é de origem sexual. A "libido", ainda no período infantil, passando pela fase oral, anal e genital, marca profunda e inconscientemente a psique humana. A atração que o menino sente pela mãe (complexo de Édipo) e a menina pelo pai (complexo de Electra), se não superada pelo relacionamento afetivo com outras crianças, cria uma dependência tão forte a ponto de tornar-se traumática e provocar desvios de comportamento (Psicopatologia da vida cotidiana, 1904, e Três ensaios sobre a teoria da sexualidade, 1905). Quanto à estrutura da personalidade, Freud distingue três níveis de consciência: 1) o infra-ego, chamado também de id ou "isso", constituído pelas forças instintivas do inconsciente, onde se encontram localizados os nossos desejos inconfessáveis; 2) o super-ego, formado pela consciência moral, que é o conjunto de injunções éticas e religiosas que a sociedade aos poucos vai introjetando na nossa psique; 3) o ego ("eu"), o nível consciente, resultante da força disciplinadora e educadora do super-ego sobre o id. Devido ao dinamismo psíquico, o "eu" consciente está continuamente em luta, impulsionado pelas forças opostas do instinto e das convenções sociais. A essência de toda relação entre o superego, que está acima do eu, e o id, que está em baixo, reside numa "ambivalência" constante: sentimentos iguais e, ao mesmo tempo, misturados fluem e refluem, fecundando e secando, alternativamente, o ego sofredor. Os impulsos do id, especialmente a libido, a tendência à satisfação sexual, ou são "recalcados" ou são "sublimados". No primeiro caso, temos a formação do "complexo", quer dizer, um conjunto de desejos que, por não serem satisfeitos, gera uma sensação dolorosa de impotência. No segundo caso, temos um processo de compensação: dá-se a sublimação dos instintos quando o ser humano, consciente ou inconscientemente, consegue canalizar a força do id para objetivos socialmente mais nobres. O grande mérito de Freud foi ter ressaltado que a libido, que manifesta o instinto de perpetuação da espécie, junto com o apetite, sinal da conservação individual, são os dois eixos fundamentais para cuja satisfção se direciona qualquer atividade humana, animal ou vegetal.

A teoria psicanalítica, inventada por Freud, teve vários seguidores que tentaram aperfeiçoar técnicas e métodos, ora divergindo das teses fundamentais do mestre, ora estabelecendo relações profundas da psicanálise com outras disciplinas humanísticas: antropologia, sociologia e lingüística. Entre os mais importantes discípulos de Freud (Adler, Abraham, Mead, Flein, Horney, Lacan, Roheim), destacamos o psiquiatra suiço Carl Gustav Jung (1875–1961). Ele transformou a libido freudiana em "energia vital", algo que transcende o sexo. Ao inconsciente individual de Freud ele acrescentou o "inconsciente coletivo", denominando "arquétipos" as experiências milenares da humanidade, transmitidas pelos mitos e pelos contos populares. Os arquétipos seriam os tipos modelares, as imagens psíquicas do inconsciente coletivo, subajacentes ao nosso pensar, sentir e agir. Assim, dentro de nós, existiriam os arquétipos do amor, da guerra, da força, da beleza, da maternidade, da prepotência, da bondade etc., que se manifestam ocasionalmente, ao nível do fazer, em certos momentos e em espaços adequados.

Com relação à Literatura, as influências entre poesia e psicanálise são recíprocas. É sabido que Freud encontrou numa passagem da peça Edipo rei, do dramaturgo grego Sófocles, inspiração para a formulação da sua tese fundamental, transformando o mito de Édipo em complexo psicanalítico. A esposa Jocasta, para acalmar Édipo preocupado com o oráculo que lhe dizia ser predestinado a matar o pai e casar com a mãe, afirma:

Em sonho, todo menino gostaria de deitar-se com a mãe;
a não ser que fosse menina, caso em que desejaria o pai.

Em contrapartida, a teoria freudiana influenciou, direta ou indiretamente, muitos escritores que exploraram a psicologia profunda em seus personagens de ficção. E não somente Autores, mas também muitos estudiosos da Literatura e das outras Artes. Veja-se o enfoque psicanalítico da obra de arte, no verbete Crítica. Freud, como bom psicólogo, apresentou, em seus escritos, reflexões importantes sobre a alma humana e o comportamento social, muitas vezes usando o modo irônico. Como exemplo, reproduzimos uma historinha contada por ele:

Um príncipe, caminhando por seus domínios,
vê no meio da multidão um homem muito parecido consigo.
Ordena que se aproxime e pergunta:
"Sua mãe esteve empregada em meu palácio?"
-"Não, senhor – responde o homem, — mas meu pai, sim!"