Guerra dos Mascates/II/X

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Enquanto se davam estas ocorrências, a magna questão da criação da vila do Recife não adiantava uma polegada nos conselhos de. D. Sebastião.

"Marcar o passo" - era a manobra favorita do novo Fábio, que dissipava o tempo em marchas e contramarchas, deixando-se no meio de suas irresoluções governar pelos acontecimentos, em vez de os governar, como devem e costumam os homens superiores.

Tinha Sebastião de Castro acenado aos nobres de Olinda com a protelação no cumprimento da carta régia que mandara criar a vila; e dessa política de inércia contou ele tirar dois proveitos: o de engodar os pernambucanos, arrefecendo-lhes os assomos de revolta; e o de trazer pelo cabresto aos mascates, que o cumulariam de bajulações, para terem-no a favor.

Ordenava a carta régia de 19 de novembro de 1709 que o governador da capitania com o ouvidor-geral fizessem o termo que entendessem podia caber ao distrito da vila. Essa intervenção do magistrado era um freio salutar que o Rei pusera ao arbítrio de Sebastião de Castro.

Este, porém, achou jeito de iludi-lo, como fazem modernamente os reis constitucionais com os parlamentos, que se não deixam corromper de rosto alegre pelas tetéias e boas propinas. Mandam-nos passear como importunos. Assim o fez D. Sebastião com o ouvidor, como veremos no decurso dos acontecimentos.

Servia então o cargo de ouvidor-geral da Capitania de Pernambuco, o Dr. José Inácio de Arouche, que os de Olinda encareciam por honradíssimo, de ânimo reto e mui imparcial; mas não vem fora de sazão advertir que o magistrado foi acérrimo sequaz dos pernambucanos.

Era o Dr. Arouche sujeito meão, seco, e teso de porte. Os ossos repuxavam-lhe a pele encarquilhada, porque desde moço que a inveja o mirrava. Não perdia ocasião de engramponar-se na sua integridade e longa prática, o que não o impedia de render-se às próprias paixões.

Não atendia a amigos, porque não os tinha, nem os egoístas sabem a significação dessa palavra, que para eles é apenas um sinônimo de criado. Mas costumava apaixonar-se de tal sorte nos feitos, que não era a sua consciência, senão a sua irritabilidade quem julgava.

Pouco tempo depois de recebida a carta régia, chamou Sebastião de Castro a palácio o ouvidor para ouvi-lo sobre a demarcação do novo termo. Pediu o Dr. Arouche tempo para meditar o assunto; e dias depois apresentou seu parecer, opinando que se não podia dar à vila maior termo do que do Forte do Brum à Ponta dos Afogados.

A antiga vila de Olinda, que então abrangia quase todo o território da atual província, se compunha de doze freguesias, das quais três urbanas. Ora, segundo o parecer do Dr. Arouche, vinha o Recife a criar-se em vila com sua única freguesia, o que não estava no espírito da carta régia, e menos no bem dos povos. Mas que se importava o ouvidor com os povos, desde que agradasse a seus amigos, os quais lhe conheciam o fraco e não se cansavam de proclamá-lo magistrado integérrimo, tipo e modelo de juizes?

Inteirado do parecer do ouvidor, e depois de o haver meditado em todas as suas partes, fez Sebastião de Castro ao magistrado esta observação:

— Noto que o senhor ouvidor-geral, pela demarcação que dá ao termo, deixa apenas aos povos do Recife o direito de apanhar mariscos em só metade do rio!

— Nem outro alvitre seria justo; pois também os povos de Olinda, que são tão bons como os povos do Recife e como eles comem mariscos, só ficam com o direito de o apanhar em a outra metade do rio.

O argumento era de estucha; mas D. Sebastião tinha sempre uma avenida por onde se espacava.

— O rio pertence ao Recife, senhor ouvidor.

— Pertencerá se lho derem, e não há de ser com o meu voto, que por ora pertence a Olinda, cujo deve ser em parte igual.

— Está bem. Ainda não tenho juízo assentado sobre este particular, que se carece mui estudado e refletido, como objeto que toca tão de perto à pobreza.

Nesta conformidade resolveu Sebastião de Castro ouvir acerca da questão ao provedor da fazenda e outros ministros da capitania; porque era homem que se não decidia sem meter-se antes em uma barrela de conselho, para lavar da consciência todos os escrúpulos.

Opinaram os informantes que se formasse o novo termo com as quatro freguesias do Recife, Cabo, Moribeca e Ipojuca; mas não era a porção de território e a comodidade dos povos o que mais preocupava o ânimo do governador, e sim a magna questão do marisco.

Parecia que, sendo o marisco objeto de tamanha importância, era de justiça, como dizia o ouvidor, reparti-lo entre a pobreza das duas vilas; mas isso que se figurava tão simples, enredava-se com mil filigranas no espírito do governador a ponto de tornar-se um inextricável labirinto ou outro nó górdio impossível de desatar...

As consultas de tantos informantes consumiram os dez meses decorridos; para dar a última demão ao negócio chamara Sebastião de Castro os ministros e principais a conselho para rever a matéria e assentar-se definitivamente no melhor alvitre.

Mas, durante esse lapso de tempo, não dormia o governador sobre o caso.

Por ordem sua se lavraram às ocultas e de noite no Forte do Matos as pedras de cantaria para o novo pelourinho; de modo que, sendo preciso, se pudesse erigir a vila de um dia para outro.

Naquele tempo não se criavam cidades e vilas como hoje, com uma penada; era indispensável a picota, erguida na praça concelheira, às aclamações do povo, como padrão do governo da terra.

Com o seu peco de ingerir-se em tudo, ia o governador regularmente nos passeios da tarde ao Forte do Matos examinar o andamento da obra, e ai entendia com os canteiros sobre o corte das pedras, a ferramenta e outras minudências do ofício; pois foi ele um enciclopédico, que em tudo falava de Cadeira e dava quinau.

Esse negócio do pelourinho era um segredo que não passava do Secretário Barbosa de Lima, do Ajudante Negreiros, do almotacé, além dos canteiros, o. quais estavam prevenidos de que a menor indiscrição os lançaria nos subterrâneos das Cinco Pontas.

Sucedeu porém que na volta da casa do Viana, a Senhora Rufina, que vinha tinindo, disse para o marido:

— Fique com esta que lhe digo, Senhor Simão: que o tal governador é um papa-açorda.

A verdade histórica obriga-nos, bem a nosso pesar, a repetir as palavras descabeladas da virago recifense, sem que por isso deixemos de catar o respeito devido à memória de D. Sebastião.

O almotacé, que nem por sombra suspeitava do epigrama feito à perna cabeluda de sua cara-metade, ficou estupefato.

— São modos, senhola, de falal do excelentíssimo goveinadol, o blaço de El-Lei nesta capitania?

— Eu cá, tornou a matrona fincando o punho no quadril, não tenho papas na língua, o senhor bem sabe; nem estou mais para aturar as lérias do paspalhão de seu amo; que tão bom é um como o outro!

O Sr. Simão Ribas, zonzo com essa desenvoltura de língua, de que apenas damos a amostra, assentou de aplacar o fogacho que ameaçava perturbar a paz conjugal; e não achou melhor meio do que revelar à sua digna esposa o segredo do pelourinho, recomendando-lhe, porém, inviolável sigilo.

Ora, a Rufina, que ruminava no modo de atiçar o governador contra os olindenses, viu logo todo o partido que podia tirar do negócio do pelourinho, e no dia seguinte bem cedo aprontou-se para ir à Inacinha.

Tratava-se de levar a Olinda a notícia do que se estava fazendo no Forte do Matos. Era uma pedra que metia no sapato dos nobres, com a esperança de os instigar contra o governador e assim obrigar este a deixar-se de panos quentes.

Ao entrar na cadeirinha que a esperava no corredor, correu a menina Marta dizendo:

— Senhora mãe, veja uma cousa que agora mesmo atiraram da janela!

— Que é isto?

— Um papel, respondeu a menina mostrando. Veio assim embrulhado, e tem umas cousas escritas.

— Pois destrinça lá isso! ordenou a Senhora Rufina que estava com pressa; mas logo arrependendose estendeu a mão para tomar o papel. Não, que pode haver ai alguma brejeirada!

— Não tenha susto! respondeu Marta sorrindo.

— Então sabes o que está aí?

— Se eu já li! disse a maliciosa menina. Quer a senhora mãe ouvir?

E sem esperar resposta, leu a Marta desta vez com o maior desembaraço a redondilha que na véspera fizera o Lisardo.

— Da cá, da cá, menina! exclamou a Senhora Rufina nadando em júbilo. Agora é que as tais remelosas se vão esconjurar! Isso não passa de artes do Padre João da Costa. Ele não é trovista; mas anda metido com o Tunda-Cumbe que tem o seu jeito, o diacho do galego! Eu só estou imaginando a cara da tal Severa! A arrenegada então, que é mesmo um pau de virar tripas!

Meteu-se afinal a Rufina na cadeirinha que partiu levada por dois pretos carregadores; e pouco tempo depois parava à rótula da Inacinha. Quem acudiu ao bedelho foi o Cosme Borralho, que reconhecendo a mulher do almotacé, quis recolher-se; mas era tarde.

Felizmente veio tirá-lo dos apertos a prima, correndo a receber na porta a Senhora Rufina, enquanto o Pisca-Pisca à esconsa enfiava a garnacha que havia enforcado no garabato da candeia, e compunha um tanto a frescalhota, pois o nosso escrevente estava, com o devido respeito, de cuecas, e estas ornadas de dois rombos enormes nas partes mais rotundas do seu indivíduo.

Não escaparam à mulher do almotacé esses pormenores, que franziram-lhe a testa, afilando o nariz já de natureza pontudo e daquele molde que o povo na sua linguagem pitoresca chamou com muita propriedade nariz de sovela.

Vendo a Inacinha arriscada sua boa fama de viúva recatada, arranjou logo uma peta para explicar a presença do Cosme em sua casa àquela hora e com tamanha sem-cerimônia,

— Este é meu primo, que está de escrevente de cartório; e como chegou agora muito cansado lá do Monteiro, onde foi por uns papéis, e como estava pingando de suor, coitado!... Então eu lhe disse que tirasse a chimarra para refrescar.

Nesse momento não mentia a viúva, que o Pisca-Pisca suava deveras para acertar com a mão na manga direita, cuja cava lhe fugia quando cuidava acertar, tão atrapalhado estava ele com a presença da esposa do almotacé. Também de seu lado ele via perdida, não a fama, do que pouco se lhe dava, mas a prebenda que esperava alcançar dos mascates como prêmio de seus préstimos.

A Senhora Rufina ouvira de pescoço teso e ar empertigado a esfarrapada mentira que lhe pregara a viúva, sovelando com o canto do olho ao pobre do Cosme Borralho que estava em termos de desconjuntar o ombro e enfiar-se duma vez ele todo pela manga da garnacha, como o mais pronto meio de sumir-se!

— Senhora desavergonhada!... gritou afinal a Rufina crescendo para a viúva.

Desabava a borrasca, e bem o conheceu a Inacinha que, sem dar-se por achada do epíteto que a outra lhe acabava de pregar na bochecha, achou modos de arredar o temporal desfeito que vinha sobre ela.

Pondo-se na ponta dos pés, alcançou o ouvido da Rufina, que não teve tempo de afastar-se.

— Foi ele que trouxe o verso de ontem.

Operou-se na atitude da mulher do almotacé súbita mudança; não que ela desengatilhasse de todo o carão engravitado pela sua pudicícia arrufada; mas já não ameaçava disparar numa descalçadeira, como as sabia dar a matrona recifense.

— Então este sujeito tem partes com os de Olinda? perguntou em tom de juiz, que ela tinha mais que o marido almotacé.

— Pois se é escrevente do cartório! E também copia os papéis do licenciado, o Davi de Albuquerque, que é o trampolineiro-mor dos tais pés-rapados. A senhora não sabe?... O maldito do entrevado, que antes Nosso Senhor lhe tivesse mirrado a língua e encarquilhado a mão para não fazer o mal que está fazendo, e que o há de levar direitinho ao inferno. Oh! se há de!

Enquanto falava a Inacinha, o Cosme que afinal se havia composto, fazia-lhe do canto sinais de silêncio; mas ela ia por diante sem importar-se com os esgares do rapaz.

Quanto à mulher do almotacé, prestando à tagarelice da Inacinha ouças distraídas, estava ruminando no caso.

Era a Senhora Rufina um politicão de primeira força; basta que, não tendo nada de bonita, antes sendo sofrivelmente feia, conseguia meter o seu gadanho na governança por meio do marido. Assim no tráfego da sua quitanda entravam, com os coentros e repolhos da horta, uns oficiozinhos de justiça ou fazenda, e patentes das ordenanças.

A resulta das cogitações da matrona foi que não devia transtornar o seu plano por causa de uma pouca vergonha que lhe estava inchando os bofes, mas que ao cabo não lhe tocava de perto. Fez ela o que atualmente estão fazendo todos os dias os chefes de partido. que no interesse de sua ambição servem-se do talento prostituído de um insigne tratante, com quem se atrelam e convivem na maior familiaridade, como amigos e compadres.

Pensam eles que mais tarde, quando deitarem fora esse torpe instrumento, podem lavar a mão que o manejou; mas enganam-se, que essa lepra moral da corrução não há lixívia que lhe apague a mácula.

— Diz você, mulher, que foi o moço quem trouxe aquele desaforo da canalha de Olinda!

— E juro, senhora! Pelas chagas de Nosso Senhor Jesus Cristo, que, se não for verdade, eu não me arrede daqui! Ele está aí, que o diga!... terminou a viúva apontando para o Cosme, que encolheu-se como a ostra na casca.

— Estas cousas não se falam tão alto! observou o Pisca-Pisca em tom submisso, indo à rótula espreitar pelas reixas se alguém estava à escuta.

— Pois ele que trouxe o desaforo há de levar a resposta, tornou a Rufina. Caiu-me a sopa no mel. Eu vinha mesmo por este particular. Chegue cá, moço!

Aproximou-se o Cosme ainda sarapantado; mas sempre embiocado na ronha, que não o abandonava nos transes mais arriscados.

— Ora, exclamou a Senhora Rufina, é o Cosme Borralho, o moço do entrevado!

— O próprio. senhora de minha veneração.

— Pois melhor. Ouça cá!

Ouviu o Cosme sornamente o recado da Senhora Rufina.

— Eu... eu... Cos... Cosme Borralho, disse o escrevente que gaguejava quando lhe fazia conta; eu sou o mais humilde servo... servo dos servos... da Senhora D. Rufina, muito digna e excelente esposa do senhor juiz almotacé; e sempre que precise da insignificância do meu préstimo. me verá a seus pés, como o último de seus cativos para receber as ordens, que é uma honra servir a tão virtuosa dama.

Aqui o Cosme deu um torcicolo e fez uma caramunha de lástima:

— Mas veja a senhora que eu, que não tenho eira nem beira, vivo da rasa do cartório e mais de alguns magros vinténs que tiro de copista do licenciado. Ora, se lá desconfiam que eu ando metido nas contendas dos senhores mercadores com os pernambucanos, com certeza me põem na rua a ver navios, sem ter com que comprar um bocado para a boca.

— Não tenha medo, que não desconfiam, disse a Rufina.

— Eu também acho! acrescentou a Inacinha.

— Se já eles andam de orelha em pé por certas cousas!... Agora se... se a Senhora D. Rufina, senhora da minha maior veneração, que pode tudo por seu honrado esposo, o qual é pessoa principal da terra: se a minha rica senhora quisesse... quisesse ser madrinha deste pobre coitado, para lhe arranjar um dos ofícios da vila que se vai criar, então... então... já eu estava mais descansado e podia fazer as cousas com jeito.

— Está dito. Faça o que lhe mando, e conte com o oficio, que se há de arranjar.

Feita a avença, o Cosme Borralho recebeu as últimas recomendações da Senhora Rufina, e como fosse uma dessas a presteza, botou-se a rótula para ganhar a rua.

— Espere lá, moço! E a trova? disse a mulher do almotacé.

— Pois a senhora não me deu para a levar? perguntou o escrevente espantado e metendo a mão no peito da garnacha onde guardara o papel.

— Dei, sim; mas é que a gente fica sem saber o verso, e depois, como se há de espalhar?

— Tira-se uma cópia.

Sacou o Pisca-Pisca do bolso da garnacha um desses tinteiros portáteis, feitos de chifre, como usavam então, e ainda se viam nas escolas pelos princípios deste século. Consistiam em uma boceta alta, que tinha no tampo um canudo onde se introduzia a pena para molhar-lhe os bicos.

Os outros petrechos de escrever, trazia-os também naquele bolso, que era uma carteira ambulante. Só a pena, aquela faceira pena com a rama matizada de várias cores, estava ali provisoriamente, pois o seu lugar era na orelha direita onde fazia as vezes de insígnia ou bandeira.

Mas tendo de pôr-se à fresca, segundo a versão da Inácia, ele acomodara a sua inseparável na algibeira.

Sentando-se no poial da janela, com a pena em cruz, e o joelho levantado para servir-lhe de banca, abriu o Cosme o papel que lhe dera a Rufina para o ler e copiar. Foi pôr-lhe os olhos e pestanejar de modo que bem justificava o apelido de Pisca-Pisca.

— O que é? perguntou a Rufina desconfiada.

— Não... não é... não é nada. Está engraçado o remoque!

— Não... acha? Elas vão arrenegar-se! É bem-feito! Para que se metem?... Repita lá para a Inacinha, que ainda não ouviu!

As duas aplaudiram e comentaram com muitas risadas os versos, enquanto os copiava o matreiro do Cosme, que tendo conhecido a letra do Lisardo, ficou-se com o original, dando à Rufina o traslado.

— Por que não leva o seu? perguntou a matrona.

— Podem conhecer-me a letra.

Esse receio não o tinha o Cosme porque dos três caracteres de letra que ele dava como seus, nenhum empregara na cópia, tendo ao contrário o cuidado de imitar o do nosso Lisardo, que mal sabia da tormenta que estava-se armando.

— Ah! outra cousa, moço!... disse de repente a Rufina atalhando a salda ao Cosme. Quem foi que fez o desaforo daquela trova que você trouxe?

— Quem... quem... quem... fe... fe... fez... a... a... qua... qua... qua...

— Sim, sim, a quadra! gritou a Senhora Rufina a quem estava agastando os nervos aquela amolação.

— Não... não sei!

— Por força que há de saber. Você que a trouxe.

— Eu... ju...ju... ju.... eu ju...

— Estou vendo, homem, que você não serve para escrivão; gagueja que não se entende! disse a Rufina em tom decidido.

— Eu não sei, tornou o Cosme, cuja língua desprendeu-se; mas ouvi dizer que foi um Lisardo de Albertim, um trovista, que é todo lá dos Cavalcantis.

— Lisardo?... É um camarada do Nuno?

— Isso mesmo!

— Conheço muito! acudiu a Inacinha. Um aluado que anda sempre a olhar as estrelas! Ele passa por aqui todos os dias com um gibão de veludo já muito surrado, que perdeu a cor; por sinal tem dois batoques nos cotovelos. Logo vi que havia de ser um cousa à-toa.

— Pois eu prometo-lhe fazer presente de um gibão novo, mas há de ser de veludo verde de cansanção, que é mais chibante.

— Ele não fez por mal! observou o Cosme. Tanto que os seus rendimentos são cá para o Recife, onde está a dama de seus afetos.

— E quem é esta buginica?

— Ele a chama em verso Belisa, que é o anagrama de Isabel.

— A filha da Rosaura do Viana? perguntou a Inacinha.

— Ah! ah!... É a minha afilhada. E ela tem dado confiança a esse malandro?... Diga-me, diga-me, que lhe quero já negar a bênção.

— Não; eu penso que ela nem sabe! retorquiu o Cosme apalpando no bolso o papel da redondilha.

E antes que viesse novo aperto, abriu a rótula, e pôs-se a trote.