Marília de Dirceu/II/XXVIII

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Detém-te, vil humano;
Não espremas a cicuta
Para fazer-me dano.
O sumo, que ela dá, é pouco forte;
Procura outras bebidas,
Que apressem mais a morte.

Desce ao Reino profundo,
Ajunta aí venenos,
Que nunca visse o mundo:
Traze o negro licor, que têm nos dentes,
Nos dentes denegridos
As raivosas serpentes.

Cachopo levantado,
Que pôs a natureza
Dentro no mar salgado,
Não se abala no meio da tormenta;
Bem que uma onda, e outra onda
Sobre ele em flor rebenta.

Árvore, que na terra
As robustas raízes,
Buscando o centro, a ferra,
Não teme ao furacão mais violento,
E menos, se se deixa
Vergar do rijo vento.

Sou tronco, e rocha, ó Bela,
Que açoita o Sul, que brama,
E o mar, que se encapela:
Não temas que do rosto a cor se mude;
Vence as rochas, e os troncos
A sólida Virtude.

A maior desventura
É sempre a que nos lança
No horror da sepultura:
O covarde a morrer também caminha;
Com que males não pode
Uma alma como a minha?