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II


O almocreve assentou duas vigorosas pancadas no solido portão de castanho, deante do qual tinham parado.

As primeiras vozes, a responderem-lhe, foram as de dois cães, que acudiram de longe ao signal e vieram ladrar á porta com furia, que fez agourar mal a Henrique da cordialidade da recepção que o esperava. De facto as intenções dos quadrupedes não pareciam demasiado hospitaleiras. O almocreve divertia-se excitando-os de fóra com uma vara de vime, apesar de quantas recommendações de prudencia lhe fazia Henrique, não em demasia socegado.

A final ouviu-se uma voz aspera e rouca, chamando os cães á ordem, se é licito, sem irreverencia, empregar n’este caso a phrase consagrada para outro genero de algazarra.

Henrique ouviu rodar a chave, correr os ferrolhos, levantar a aldraba, gemerem os gonzos, e emfim um homem de lavoura alto e magro, trazendo em punho um lampeão de frouxissima luz, appareceu-lhes á porta e saudou-os com a fórmula do estylo:

― Ora Nosso Senhor lhes dê muito boas noites.

E, levantando a luz á altura do rosto de Henrique, poz-se a miral-o com a menos ceremoniosa curiosidade.

― É o sobrinho cá da senhora, não é verdade?

― Sou eu mesmo.

― Está um tempo muito azêdo. Eu já julgava que não vinham. Entre.

Henrique não se resolvia a acceitar o convite, porque lhe continuavam a impôr respeito os olhares ferinos e os rugidos surdos dos dois façanhosos