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"Doida não!" Antes vítima/A crítica moralista

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A crítica moralista
 

 

Quem luta com uma sociedade que cultiva a inconsciência, quási que chega a sentir orgulho e prazer em ser por ela atacado, para nunca ser vencido.

Antes que este livro seja publicado, muitas teem sido já as discussões que rebatem o seu texto.

Mas grande é tambem a maioria que o aprova.

E é curioso notar a incoerência de muitos comentadores, a afirmar uma triste leviandade de caracteres.

Quantos ha que hoje estão ao lado da acusada, e aparecem no dia seguinte a defender o marido acusador!

Onde existe a moral firme de critérios conscientes? Onde está a moral da honra autêntica?

Não vale a pena sacrificar-lhe as opiniões francas que encerram mais moral do que todos os fingidos escrupulos da moralidade convencional. E alguns dos perfis de críticos mais intransigentes salientarão a antitese dos seus princípios.

Confirmam-se nas linhas do primeiro dêstes perfis, as regras da sciência fisiognomónica, porque se assemelham as figuras estampadas no livro do Dr. Lombardino, intitulado «Leitura do caracter humano», nas páginas 36 com todos os sinais da Destrutividade, 37, indicando o caracter vingativo; e a páginas 28 indicando o «Mau esposo» por excesso de Amatividade[1], falho de Conjugalidade[2] e Filogenitura[3].

É materialista e conquistador na idade madura de meio século, artritico voluptuosamente gozador de prazeres alimentares e amorosos.

Desempenha funções de representação oficial que lhe garantem aprêço, prestígio e interesses.

É vaidoso, egoista, rispido, no dominio conjugal.

É amavel, cortez, poldo, na vida pública. É casado com uma adoravel e franzina creatura que amofina e oprime no seu jugo de déspota violento e calérico, disfarçado em aparente bizarria. Tem filhos debeis que frequentemente brutalisa e depaupera. E mantem relações ilícitas nada morais.

É por isso mesmo que condena este caso, que quer todo o rigor para os cuipados, e toda a censura para quem humanamente os justifica.

Representa a farça de indignação, invocando uma moral e uma honra que rouba e profana anonimamente noutros lares.

E este moralista, defensor de uma moral que como tantos outros não cumpre, é conivente na imoralidade social, primeiro, porque, perante a sua moral, cubiçou a mulher do próximo; segundo, parque usa o rigor com a esposa e com os filhos, contribuindo para a degenerecência da raça; terceiro, para defender as suas conveniências, exerce uma acção nefasta no ânimo de outras pessoas que a seu turno se desviam dos verdadeiros princípios da moral sã, baseada na sólida educação fisica e psiquica de tantos filhos debeis e tarados que produzirão a decadência mórbida da espécie.

Eis um tipo de moralista semelhante a muitos outros que formarão a corrente dos censores, porque se não conhecem a si mesmos e porque lhes convem iludir-se a seu respeito, iludindo o mundo de forma a manter em pé as honras e os proveitos da sua profissão e do seu despotismo doméstico.

Mas se falou a razão da minha revolta, fala agora a justiça da tolerância crista, afirmando que não lhe quero mal por me envolver nas malhas malevolas das suas criticas de vingança contra a verdade.

Porque ao lado dos seus defeitos, alguns valiosos méritos existem, a que se junta o de me dar ensejo a condenar o mal para realçar o bom.

 

  1. Faculdade elementar que faz amar o sexo oposto.
  2. Faculdade elementar que ama uma só pessoa do outro sexo.
  3. Faculdade elementar que ama as creancinhas.