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"Doida não!" Antes vítima/Aos ilustres clínicos que cooperaram no diagnóstico de loucura lúcida

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Aos ilustres clínicos
que cooperaram no diagnóstico
da loucura lúcida
 

 

Comentando o lapso clinico no caso de interdição da torturada vítima de uma imaginária demência, longe de mim agredir o brio pessoal, a fama e a reputação profissional de uma classe que tem prestado relevantes serviços á humanidade e à sciência, e de que faz parte o meu único filho que na sua auspiciosa carreira tem ao seu lado as simpatias, o apreço, a invulgar e unánime consideração de quasi todos os seus colegas. E não ha um ano que, em agonias de alma que só corações maternos avaliam, bemdisse com o enternecimento de todo o meu coração, a intervenção clínica dos Snrs. Dr. Júlio Cardoso, Dr. Pinto da Silva, Dr. Giraldes dos Santos e Dr. Teixeira Bastos, da Foz, que com tanta perícia e dedicação, salvaram a vida de meu filho ameaçado de morte eminente em virtude de um horrivel antraz que o ia levando á sepultura.

As fases mais assinaladas da minha vida, estão ligados os nomes de alguns afamados clinicos portugueses que me prestaram, com o eficaz e quasi milagroso concurso da sua bondade, os recursos valiosos da sua sciência.

Ocupam logar de honra nessa ilustre falange os Snrs. Dr. Egas Moniz e Dr. Antonio Fernandes, seu bondoso associado clínico, e aos quais devo muita dedicação, podendo classificar-me de ressuscitada depois que, aos beneficios de uma assistência moral carinhosamente prodigalisada, se juntou o efeito de um sábio tratamento electroterápico.

Ao Snr. Dr. Carlos de Azevedo Albuquerque, vítima do seu admiravel sacerdócio de médico altruista, consagro uma reverente veneração pelo desinteressado carinho com que me tratou numa prolongada crise de abalos físicos e morais.

Salvou-me da morte, nos transes da maternidade, o Dr. Luiz Lobato, de Vila Real, cujas mãos de clinico insigne foram o primeiro berço onde repousou o mimoso recem-nascido que seria o seu colega e amigo de hoje...

Admiro no Dr. Melo Breyner, o bom amigo, a capacidade médica de fama mundial e o humanissimo especialista da devastadora avariose. Rendo homenagem aos méritos psiquiátricos do Dr. Júlio de Matos, que em crise tormentosa me revelou um nobre coração.

Conto no número dos raros e bons amigos o Dr. João Pavão, de Abbaças do Douro, e o Dr. Azeredo Antas, esposo exemplar e médico humanitário. E sou emfim crédora de cativantes e generosas atenções ao Dr. Gonçalves de Azevedo e Dr. Luciano Cordeiro, de Matosinhos; Dr. Henrique Botelho e Dr. Antonio Sampaio, de Vila Real; Dr. Gomes de Araújo, Dr. Cerqueira Magro, Dr. Adriano Fontes, Dr. Tito Fontes, Dr. Morais Frias, Dr. Corrêa de Barros, do Porto; Dr. Aurélio da Costa Ferreira, o pedagogista emérito; Dr. Samuel Maia, o apóstolo da nova sciência de cura preventiva pela higiene moral e alimentar, de Lisboa; e Dr. Costa Lobo, o sábio astrólogo de notável capacidade intelectual, de Coimbra.

Mas quando a fé e o amor aos princípios que humanisam a vida colectiva em reacções de equidade é balisa de combate, abdica-se dos interesses individuais para defender conveniências sociais. E se ao topo de um calvário de dores se ergue uma cruz orvalhada de lágrimas que se tranformam em fel de agro martirio na vida das mulheres, chega-se ao fanatismo das ideias que alvorecem em esperança de melhores dias para as gerações que nos sucederem. Vai-se então aos extremos de sacrificar amigos, conveniências de familia, todos os interesses pessoais de posição, de saúde e de reputação, contanto que se atinja um fim generoso sem olhar aos meios banais. E se em legitima defeza de um nobre ideal que navega entre escolhos sem fim, fosse necessário julgar públicamente os actos de qualquer pessoa querida, sujeitos ao contágio impulsivo do século nevrótico, não hesitaria em separar a pessoa dos actos, o profissional da personificação para os justificar sem sacrificar o ideal, esclarecendo factos mal interpretados por multidões malévolas.

Firma-se neste crédo, genuinamente humanitário, a árdua e arriscada tarefa que me impuz comentando o deshumano internato da simpática protagonista dêste drama. E não recuarei em acentuar as provas do lapso clinico numa publicação que se sucederá a esta, e com detalhes mais minuciosos.

Ha muito que dizer sôbre o que é a medicina paleativa de hoje e o que deverá ser a medicina preventiva de ámanhã.

Que dirá uma obscura leiga defrontando-se com uma legião de sábios de celebridade firmada em prestigioso renome?

Será o intrépido combate entre a intuição e a sciência, que, tendo muito de verdadeiro, tem pouco de positivo depois da descoberta do radium?

Como é arriscado o combate emquanto a sciência, no seu hiératico e olimpico desdem, for rebelde a todos os avisos da intuição!

O vôo humanitáriamente renovador da sciência que modificará o martirio da vida actual, está retida pela camada superficial da intangibilidade feita de orgulho e soberbia, como a crisálida dentro do espesso casulo. E um prejuizo para a sciência e para a humanidade, essa soberbia que mira com desdenhosa e rebelde indiferença a perspicácia da intuição, atraindo-se prejuízos e derrotas.

Vem a propósito citar um facto sucedido em Madrid comigo e com o célebre médico naturista Dr. Garamillo. Quando da nossa primeira entrevista, tais coisas leu na minha fisionomia o abalisado fisiognomista, que exclamou com entusiasmo de castellano culto e impetuoso: « Es usted una prevelegiada de el precioso don de la bondad, y de la intuition magnética, Y intuition vale más que sciencia. »

Mas um dia, vem hospedar-se na mesma pensão onde me instalára um simpático rapazinho, seu futuro cliente que vinha tentar a cura, porque muitas curas milagrosas justificavam realmente a fama do Dr. Garamillo.

Dissera-me comovidamente o afável pai de Pepe, ao retirar-se: « Maria: és usted muy buena y cariñosa. Recomendo Pepe a su corazon de madre ».

Puz-me a olhar o rapazinho como filho e com ternura de mãe. E vendo-o detinbar-se dia a dia por uma arriscada transição de medicina que ia de um extremo ao outro, tentei por o don precioso de la intuition ao lado da sciência do médico consagrado. Mas entre a intuition, o coração e a razão lógica dos factos, rabiava a serpente da soberba que renegaria as opiniões do humanista. E quando um dia suávemente me inclinára ao ouvido do Dr. Garamillo, surdo aos meus avisos clarividentes e lhe dissera: « Pepe se está muriendo, ló crea usted », o Dr. Garamillo, irado e fulminadôr replicou: « Pepe no se muere que yo lo salvare. No me dê usted consejos, porque yo soy médico, y el médico és sagrado. »

Com um pouco daquela subtil ironia que a mesquinhez do mundo vai inoculando nas almas destinadas á brandura, que acaba por ser revolta, perguntei um tanto sarcasticamente: « Quien lo ay sagrado a usted? »

Mas a pergunta de tão dificil resposta, só respondia o orgulho e a cólera irada do sábio que bradava ásperamente: « Yo soy sagrado, cy soy sagrado, no me dé usted consejos »...

Dr. Garamillo, sabe usted a razão porque cito êste caso? É para fulminar a soberba scientifica, inspirada no mesmo fim humanista que leva usted a fulminar intrépidamente os médicos e a medicina de hoje, nas suas magistrais conferências de El Atheneu. O pobre Pepe morreu. E talvez se pudera salvar, se a sciência caprichosa do médico se houvera inspirado no precioso don de la intuition. Muitos são os prejuízos causados pela tal lenda da intangibilidade scientifica. E se usted se sente prejudicado, evite os prejuízos sociais, aproveitando este caso para uma tése das suas mais humanisadoras conferências.

E sustente o argumento de que ha casos em que intuition vale tanto como sciência, porque antes de usted o afirmar, já a sua imortal compatriota Santa Tereza de Jesus, iluminadora divina da espiritualidade espanhola, dissera: « Ay personas de flaca complexion, como somos las mujeres, que con la fuerza de el espirito, sobrepujan al natural mirando con los ojos del alma las cosas invisibles e sobrenaturales. »

É atravez dessa intuition que a minha alma distingue en usted o homem dos orgulhos bárbaros e seculares, do humanista, do sociólogo, do coração e do espírito que vivem sacrificados pelo ideal da perfectibilidade humana, e que daqui saúdo afectuosamente em homenagem de admiração, depois de haver atacado o homem e o sábio intangível sempre e ainda escravo das tradições de bárbara e máscula sobranceria.

 
 

Seria belo que todos os Excelentíssimos Clínicos que incorreram neste lapso de diagnósticos, mais como homens de convencionalismo do que como médicos, me ajudassem nesta tarefa de rehabilitação geral. Porque afinal hei-de demonstrar-lhes que classificaram de demência um direito humano, consoante o confirma o seu colega, o Dr. Bourgas.

Ora um outro seu colega, que foi um dos mais assombrosos sociólogos italianos do século XIX, o imortal pensador Paulo Mantgazza, pôz estas palavras na boca de um médico a que se refere no seu livro: « Uma página de Amor ».

«Na medicina não ha nada positivo, não ha nada seguro ».

Assim parece neste caso em que as luzes da sciência viram treva de loucura onde raia antes a alva precursora de um humano direito de amor que parte grilhetas de convenção para dispôr lógicamente da sua vida e do seu coração atrofiados em atmosfera conflituosa.

Já eram horas de reconhecer a necessidade de lança sobre a poeira bolorenta dos códigos antigos, a levedura de uma ampla remodelação.

Uma lei natural se impõe ás leis decrépitas dos homens que exercem o amôr livre a toda a hora, condenando o direito natural do amôr na mulher que ofendem e desprezam. Portanto neste erro de interpretação, errou mais a concepção dos homens do que a fórmula do diagnóstico scientifico. Depois, certas conveniências pessoais, políticas, profissionais tomando para septro a máscula propotência e os códigos para arma...

Emfim, não foram V. Ex.a quem errou, foram os símbolos...

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Portanto façamos pacto de solidariedade renovadora, derrubando os simbolismos prejudiciais á felicidade comum dos individuos e dos povos.

E para grandes males grandes remédios, para grandes culpas grande contrição.

Á medicina compete entrar em campo novo. Cada clínico deveria ser um apóstolo de principios que curam os males pela raiz. Com a receita paleativa, iria bem um conselho moralista e a indicação de livros que iluminam e transformam.

Atravez do Atlântico, navegado outróra pelas caravelas conquistadoras, nos envia o seu brado de redenção um eminente médico brazileiro, o Dr. Austregesilo, Professor Catedrático de Medicina, que exclama vibrantemente no seu livro « Pequenos Males » ao tratar dos « Erros do Pão e dos Erros do Amôr ».

« Pais, educadores, homens ricos e governantes, lembrai-vos dos nossos erros da adolescência, e procurai infundir no ânimo dos nossos filhos, ou subordinados, o amor á vida, a simpatia à colectividade, á metarfose util dos instintos para que o futuro homem não seja a fera bravia da cidade. Fazei do culto da eugenia, isto é, da boa geração humana, o vosso programa de moral scientifica porque a perfectibilidade absoluta não existe, é um mito, mas as melhoras progressivas da nossa espécie, poderão conduzir a humanidade á relativa fortuna social, e desaparecerá de muitas bôcas a ância da morte como epilogo de esperanças perdidas. Porque a vida é boa, afinal; os homens é que a fazem má. »

Que formoso arco-iris de aliança espiritual enlaçará e glorificará internacionalmente os destinos dos dois povos Luso-Brazileiro e engrandecerá a profissão médica de cá e de lá, se os ilustres clínicos portugueses consumarem no seu sacerdócio scientifico as doutrinas do abalisado camarada, pondo a seu precioso livro nas mãos de cada cliente!

Certa será então a conquista da sua nobre missão. E digno de ser felicitado atravez da imensidade cristalina do Oceano, o médico, glória da sua classe e que nos envia a luz do seu privilegiado espirito do florescente trecho do Universo que é a Necrópole privilegiada das inspirações espirituais, onde encontram espaço e felicidade de expansão as pessoas e as ideias que aspiram a um amplo e carinhoso ambiente para atingir a vitória dos seus ideals de glória, de altruismo e de riqueza.