"Doida não!" Antes vítima/O que pensam alguns notáveis médicos franceses ácêrca dos direitos das mulheres
O Dr. Georges Surbled, autor do livro «L'Amour, et L'Amour malade », referindo-se ao papel do marido na familia, diz:
«O homem, para ser o chefe da mulher e da família, deve para isso ser exemplo e modelo, sob pena de ferir o plano providencial e desorientar e arruinar a própria familia. Mas não póde manter a sua supremacia, nem o seu poder terá razão de existir senão sustentando-se na altura dos seus deveres. Porque os seus direitos não podem consumar-se sem que se torne digno deles. No dia em que a paixão o domine e o governe, perderá de um só golpe, a razão, o prestigio, a consideração e o respeito e cairá num nivel moral que o colocará muito mais abaixo do que todos aqueles que devia dirigir, tornando-se um miserável escravo de si mesmo.
Será então um mundo de inversões que nos dará o triste espectáculo dos ménages onde as paixões são lei, e o verdadeiro amor não reinará mais. O marido continuará a pretender ser o senhor, sendo apenas o escravo dos sentidos, escravisando a mulher e a família.»
Neste capítulo estão resumidas as regras quasi gerais que presidem á maior parte dos códigos familiares. Conservam-se tradições seculares que conferem ao marido direitos de senhor. Mas violam-se todos os deveres que são justificação e fundamento dêsses direitos. De forma que as honras de patriarcado, que na própria significação do termo exige virtudes de dignidade integra, respeito pela moralidade própria e doméstica, só existem com capa de realeza que cobre andrajos de corrupção.
Que sucede frequentemente? A prática dos mais degradantes abusos que estão convertendo o ambiente familiar em verdadeiro serralho.
Ouvi ha dias mencionar nada menos de seis casos de relações amorosas de cunhados com cunhadas no próprio domicílio conjugal. Um deles é revoltante. Á esposa, prefere o marido uma irmã desta.
Emquanto a irma, casada tambem, vítima da luxúria e dos instintos voluptuosos que suplantam o coração - se entretem com o cunhado, a irmã é encerrada violentamente num quarto e castigada com pancadas, se se queixa. Como é branda e teme escândalos, ou receia ficar sem recursos, remorde em silêncio todo este revoltante esmagamento dos seus direitos morais. Que filhos saem dêsta mãe? Num estado de depressão horrível, só gera abortos stigmatisados de neuroses. O pai, lúbricamente exaltado, imprimirá a cada filho o seu estado degenerado. E além de tais condições, o caso atinge o rubro da imoralidade porque os amantes praticam scenas indecorosas, sem precauções, dando aos filhitos dêste esposo e pai modêlo exemplos aviltantes.
Estes casos são hoje lugar comum na sociedade de lama em que vivemos. No capítulo de serviçais, é um horror. É frequente o homem que exerce a poligamia com as creadas, com as empregadas ao seu serviço, tanto casadas como solteiras. Daqui se geram os infanticidios. Depois veem então esses chefes de familia honestos reclamar honra, blasfemar contra o adultério. E condenam aos mais duros maus tratos as esposas e os filhos, sugeitando-os a privações para sustentar as amantes. Contribuem para a imoralidade da raça por formas diversas, sem leis de punição que tenham execução saneadora.
Ora eu teria nos recursos de meu próprio raciocínio argumentos assaz eloquentes e irrefutaveis para discutir os pontos capitais da razão porque os actos que se apontam como loucura ignominiosa na mulher são justificados atravez de uma tolerância máxima que é afinal corruptora, tratando-se dos desatinos degradantes do sexo forte.
-Mas para tornar mais sólidos esses argumentos, prefiro dar a palavra aos médicos que se ocupam dos problemas relacionados com a reconstituição da sociedade e da familia e os direitos de individualidade humana das mulheres.
Citarei, pois, algumas opiniões de um livro do Dr. Mi- chel Bourgas, intitulado «Le Droit à l'Amour pour la Femme».
Diz o insigne sociólogo que estuda clínicamente o problema dos sexos: «Toda a união que não tem por base o amor, é imoral e anti-social. Ela está condenada a dissolver-se num tempo mais ou menos próximo. É impossivel evitar a catástrofe, porque, entre esposos que se não amam, as aproximações conjugais, longe de serem um motivo de aliança, convertem-se em corrente de irritações e ódio.»
Os consortes, hoje contendores, já ha muito eram intimamente desunidos. E nem a sua união foi verdadeiramente fundada no amor, nem esse amor alimentado segundo as regras do casamento.
Nesse caso reside uma das razões do extemporaneo recrudescimento dos instintos, que é a razão que serve de base principal aos atestados patológicos da imaginária demência da Snr. D. Maria Adelaide.
Continua o Dr. Bourgas a argumentar: «É fóra de dúvida que a mulher tem todas as razões para ter uma personalidade humana. E forçoso é reconhecer-lhe, ipso facto, o direito legal do amor, do qual dependem todos os outros direitos. Por não haver cultivado essa justiça, o homem transforma a sua companheira em antagonista e inimiga e o amôr será substituido pelo ódio e pela aversão: inevitável justiça das coisas!...»
E logo acrescenta:
«Os transportes do amôr do homem indiferente à comparticipação do prazer da mulher, tem como inevitável consequência afastar a esposa do marido e tem ainda outra consequência desastrosa denunciada por todos os especialistas, de expor aquela que os sente a uma multidão de doenças e graves perturbações orgânicas.»
Não teremos aqui outra causa da perturbação que os médicos atribuiam à sua cliente? E agora conclue o Dr. Bourgas: O homem que queira conservar a sua mulher com saúde e o seu ménage em paz saberá cultivar na sua esposa a parte que lhe pertence em amôr. Mas em sua cega presunção de rel da creação, crê possivel tocar em instrumento sem conhecer-lhe o teclado, o doigté, o diapasão, nem ao menos a corda que é mister ferir.»
E acrescenta: «A maioria dos homens, ignoram a mulher na sua constituição fisica e no seu destino social.
Acusam a mulher de fantástica e querem que tenha méritos de que lhe não dão senão o exemplo em contrário.»
Repete ainda a frase de Mirabeau que disse «somos nós que fazemos a mulher e é por isso que ela vale menos».
E remata com esta opinião de Balzac: «As faltas das mulheres são outros tantos actos de acusação contra o egoismo, a inconsciência e a nulidade de marido. A mulher é para seu marido consoante seu marido a fez.»
Isto é dito por um médico e um homem.
«O mais extranho — clama por fim com dupla autoridade de psicólogo e de fisiologista — é que nós exigimos a virtude da mulher e tudo fazemos para dela a afastar.»
Que singulares paradoxos os de uma moral que classifica de frágil a mulher e lhe impõe resistência para manter a honestidade, quando tem contra si a hereditariedade, a falsa situação de deprimida no lar, a artimanha licenciosa dos sedutores e a péssima educação ministrada com uma inconsciência que apavora.
Além de tantos contras, ha o desprêso total pelos seus direitos de amôr a que se refere o Dr. Bourgas. Ha as doenças a que expõe a falta de higiene e as inversões sexuais exigidas por maridos avariados e degeneradamente libertinos. E rara é a mulher que hoje não sofre os estragos produzidos nos seus delicados orgãos, por um amor selvagem, que a agride impetuosamente no solene momento esponsálico continuado na função conjugal, e que assim descreve o médico illustre «quand la jeune fille revâit em dieu rayonant, el, voit l'acommetter une sorte de bête velue el trepidante, balbutiant des sons rauques, affamé de sa chair, alteré de son sang.»
Não terá alguma ligação com êsses efeitos o desenlace que os psiquiatras classificaram de loucura lúcida?
Diz ainda o Dr. Bourgas: «O marido brutal e libertino, prepara o triunfo do amante delicado». Quantos mistérios de alcôva, quantas solicitações repugnantes, quantas inversões que revoltam, justificam a repulsa que muitas mulheres de susceptibilidades delicadas veem um dia a sentir pelo consorte?
Depois, se muito bem the apraz, êsse consorte, indiferente aos deveres conjugais consome-se nos amores faceis.
E com longas intremitências e prolongadas negligências do amôr conjugal, consagra-se as amantes e pouco o preocupam as exigências fisiológicas que o casamento e a natureza estimulam na mulher. Veja-se o que a este respeito diz o livro «Doida, Não». E é de crer que le desapointement de la nature a que se refere o Dr. Bourgas, e que junto a tantas outras causas de ordem moral e fisica alteram o organismo da mulher influindo na transformação do caracter, hajam sido razões mais que suficientes e atenuantes do caso que discutimos e são causa da desafeição que separa tantos casais.
Que os médicos ilustres que deram o seu parecer bem pouco legal para a interdição da Snr. D. Maria Adelaide da Cunha se penitenciem da precipitação e do lapso, reparando os prejuizos recíprocos, causados á cliente e aos clínicos numa receptividade de lamentáveis inconvenientes, consagrando-se ao estudo destes detalhes para juntarem as formulas receituárias da farmacopeia paleativa os remédios radicais e preventivos das propagandas moralistas que diminuirão pela base os males causadores de tantos erros e de tantas vítimas.