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"Doida não!" Antes vítima/Para o coração do Manuel lêr ao coração da Mãe

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Para o coração do Manuel ler
ao coração da mãe[1]
 

 

O amor de mãe é o luzeiro vespertino de todos os amores, o sol de todas as bondades. Sorrisos e lágrimas, ternuras e beijos, inspirações e disvelos, são outras tantas flôres de beleza que despontam no seio das mães, como em ara santa as chamas iluminadoras dos holocaustos.

O Manuel é bom e sensível, porque tem uma mãe bondosa e terna. Disseram-me esta verdade a sua fisionomia e as suas palavras. Falta só que o contirme a nobreza dos seus actos.

Dirá o mundo que me engano a seu respeito? Pensarão que avalio romanticamente a sua pessoa e me excedo em demasias de aprece? Todo o aprêco é justo para julgar o que se nos afigura digno dele.

 

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Venho dizer-lhe palavras que farão vacilar o castelo encantado das suas esperanças. Mas a torre de oiro e sonho onde subiram alto aspirações de amôr e riqueza que o mantem cativo, como as mouras da lenda antiga agrilhoadas por amor em feudaes castelos roqueiros, está sujeita a desmoronar num mar de desilusões e angústias.

São de dôres, de felenias e Migrimas os alicerces. E em todo o alicerce mal cimentado, é infalivel a demolição do destino.

O Manuel estremece a sua mãe e é por ela estremecido. O coração de uma mãe é um sacrário de virtude e um poema de abnegação. E não ha melhor juiz, melhor advogado, melhor confidente, para julgar todos os actos de um filho dilecto. Imagine-se junto dêsse coração que pulsa no peito amante onde o seu coração se formou. Cinja em espirito o seio terno que destilou o leite da vida e do amôr nos seus rosados lábios de infante. Beije com unção aquelas mãos amorosas e solícitas que lhe ampararam os primeiros passos vacilantes. E com os olhos de alma fitos nos seus olhos lacrimosos e atlitos, que tanta lágrima tem feito chorar uma paixão ardente, diga-lhe contrito:

« Mãe! Puz muito alto os sonhos do meu coração. Deu-lhe o amôr, gerado num nobre impulso e bafejado de nobres compadecimentos, tamanhas e radiosas azas de esperanças, que, endoidecido e apartado de temores, subiu alto num céu de enebriamentos, para mergulhar em oceano revolto de fundas e amargas desditas. Mas para que o meu coração amasse, outros corações sofreram. Foi usurpador de outros afectos o amôr em que se abrazaram dois trageis corações, olvidados de deveres e de conveniências e perdidamente atraidos pela bondade.

Este amôr, roubou ao coração de uma mãe, o coração de um filho que, amando-a e respeitando-a, acabará por detestá-la, por olvidá-la e renegá-la. Poderão ser ditosos os amores e a vida que são ladrões de outros amores, e assentam a sua felicidade e a sua alegria na infelicidade e na mágua de outras vidas? Será digno do amor de uma mãe o filho que separou de uma mãe outro filho? Merecerá a consideração do mundo, e terá direito aos benefícios da sorte, a vida que conspirou. contra os direitos afectivos e o prestigio social de outras existências prestigiosas? »

E embora a mãe seja uma humilde filha do povo, uma inteligência obscura e inculta, ela possue um coração cheio de amor que é mais sábio do que os mais sábios filósofos, mais amante do que todas as paixões amantes, e tão puro nos seus afectos previdentes como a limpidez dos arroios ou as boninas dos montes.

E então, decerto, esse amor de mãe, responderá ao filho amado:

« Assim como não podia ser feliz a mãe que para te amar se apartou do filho e arrancou aos meus doridos braços os teus braços que eram o meu amparo e o meu carinho, tambem não pódes tu ser feliz, meu filho, porque usurpaste no coração de outra mãe o lugar que pertencia ao filho das suas entranhas.

Todo o amor puro é uma benção. Todo o amor pecaminoso é uma maldição.

Restitue a mãe ao filho, reconcilia os seus afectos para que tu sejas restituido à ternura da mãe que por ti chora e se lamenta. »

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— Se estas palavras penetraram na alma do Manuel como um perfume de sentimento nobre que vai ao encontro de outro nobre sentimento, essa alma é boa, é heroica e digna do alto aprêço que merece a virtude do sacrificio.

Mostrará então que é bem digna do amor que viera de outra alma compassiva e boa, embriagar de esperanças e sonhos venturosos uma existência humilde e dedicada.

Em desvairada sede de afectos intensos, disse-lhe sentir veemente dessa alma necessitada de emoções violentas:

« Não há manicomios, não há cadeias, não há leis, não há homens que nos separem. »

Mas, vendo-o agora engrandecido e nobre, renunciar a todas as esperanças e a todos os amores, emolados á felicidade de outros sêres, escravo do dever e soberano da bondade, talvez lhe diga liberta da sua fraqueza, e redimida dos seus impulsos: « Parte, levando de mim apenas a recordação e a essência da bondade, que foi a semente pura dêste amor de perdição.

O mundo é vasto e a sorte protectora de quem é digno, bom, trabalhador e justo.

Abriu-se á luz da razão a treva do desvário que te aproximou do meu exilado e piedoso coração.

Em hora trágica e tormentosa, ouvi, entre punhais de remorso e angústia, o grito pungente de tua mãe que bradára em soluçante agonia quando dela te apartára a tragedia do nosso amor: « Nunca mais verei o meu filho![2]».

E preciso que ela te veja, que ela te abrace, que lhe sejas restituido livre, redimido de culpas, resgatado de fraquezas, de deshonrosas e indignas cubiças.

Recordas-te da scena de Roção[3], dos gritos das inocentes crianças ao apartarem-se do Pai[4], que com tanta franquez me recebera em sua casa, misturados com os soluços da mãe dêsses inocentes, ao roubarem-lhe o marido? Tenho sempre presente as meus olhos, o cantinho dessa casa, onde, em lágrimas banhada. uma outra mãe gemia ao ver que lhe levaram preso o seu amparo, o seu querido filho. E essa santa velhinha, que eu abracei chorando, pedindo-lhe perdão do mal que lhe fizera e que não leve, para me dizer, uma palavra ma, apertando-me nos seus braços, apenas entre pranto, soltou este lamento: ― « Não torno a ver o meu querido Manuel, e meu filhinho! ». E, entretanto, não era só o filho que eu the tinha tirado, era também o pão[5].

Vai Manuel; esquece-me; cria uma felicidade honesta, uma familia só tua, que não haja desfraudado o prestigio, a paz e os afectos de outra família.

Ficariam de permeio dêste amor remorsos, blasfêmias, vergonhas, queixas e ódios. Serei antes a monja de mais glorioso e alto misticismo. Renunciarei ao amor profano para enclausurar todas as exaltações corpóreas num peregrino e ardente ideal de beneficência. Que se apague o incêndio ardente de uma paixão funesta, no hálo puro dos amores ideais.

Parte, que o meu espirito velará o teu destino comu aquela estrêla de alva que, antes do rajar da aurora e do gorgear dos ninhos, guia em seu divino fulgôr a estrada sombria do peregrino para o conduzir ás almejadas paragens de uma verdadeira e rehabilitadôra felicidade.

E sôbre as cinzas purificadas da paixão que crepitou e arrebatou, florirá um germinal de flôres de altruismo que de longe te enviarão, com o perfume de uma saúdade para, o fluido sugestivo de uma virtude nobre.

Repercute-se no meu coração o grito de angústia da mater dolorosa que em soledade chora o filho encarcerado. Bem vês, sou tambem mãe. E dentro do coração ferido, do meu filho, tambem há lágrimas e saúdades pungitivas por aquela que lhe embalou o sono em pequenino e o ensinara a balbuciar rezas de pureza.

Ensinemos a humanidade a ser boa, generosa e nobre, sacrificando as suas paixões pelo bem dos seus semelhantes. Parte. Adeus!

Que a porta do cárcere se abra para deixar livre um homem de bem. »

Se estas palavras fôrem ditas e o Manuel as escutar, haverá raiado na sua existência a luz da verdadeira felicidade escudada na alegria da consciência.

 

  1. O Manuel está encarcerado por acusação de rapto e cárcere privado.
  2. Páginas 63 do livro « Doida Não! »
  3. Era o primo de Manuel.
  4. Este capitulo é transcrito do livro mencionado.
  5. Este capitulo refere-se ao episodio da captura da Snr.a D. Maria Adelaide e de Manuel quando se haviam refugindo em Roção em casa da familia do ultimo e que está descrita no livro da primeira, a páginas 40 e 41.