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Ás Mulheres Portuguêsas/A mulher de ha 30 annos e a mulher de hôje

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A mulher de ha trinta annos e a mulher de hôje.
 

 


SE perguntarmos aos que ora entram com desplante na vida, julgando que nada devem ao passado, que o presente é obra sua, e o futuro lhes pertence, o que era a ilustração da mulher portuguêsa de ha trinta annos, não haverá ahi rapaz ou rapariga de mediana educação que não solte uma gargalhada escarninha, ou que, ao menos, não franza a bôca num tregeitar de troça.

É que essa época de romantismo agudo avulta a nossos olhos a turba desgrenhada das jovens que recitavam ao piano, com os olhos no infinito; que dormiam de colete para adelgaçar a cinta, defumavam o rosto para obterem a palidez interessante que a moda reclamava ás heroinas tisicas, que sonhavam com o menestrel choroso que por noites luarentas as viria buscar para um eterno duo de amôr, na cabana ideal onde se vivia... do ar.

Essas eram as exageradas de todas as escolas, as desvairadas de todos os tempos. Mas ao lado dellas, as sãs, as ajuisadas, que liam os mesmos livros e conheciam as mesmas poesias, não se deixavam levar em excessos de romantismos piegas, mas amavam os seus poetas e comprehendiam a literatura do seu tempo.

Não ha por ahi senhora da geração de nossas mães, rudimentarmente educada que fosse, que não tenha chorado com os romances de Camillo, que não tenha discutido e amado Julio Diniz, que não conheça Garrett e Herculano, que se não lembre com saudade da Lua de Londres, que não tenha recitado Soares de Passos, Castilho, Palmeirim e Thomaz Ribeiro, que não tenha cantado essas poesias, que entraram no ouvido de todos em modilhas e cantatas, compostas por musicos ignorados.

Isto numa época em que a mulher não tinha, como a de hôje, facilidade em se instruir, em que a instrução por essas provincias fóra era um caso esporadico, em que os liceus lhe não eram franqueados e nas escolas superiores se falava do exemplo de Publia Hortensia de Castro, que cursou a Universidade vestida de homem, como dum caso fabuloso, porventura menos provavel do que a sabedoria de Minerva, a deusa mitologica da sciencia.

O que significa que a mulher joven ha trinta ou quarenta annos, sem ter a alta cultura duma grande dama da côrte brilhante de D. Manuel, era, sem dúvida, muito superior á de hôje, que não conhece os seus escriptores nem comprehende os seus poetas.

Se bem que a Arte, embora na sua fórma mais intelectual, — a literatura — não possa dar á mulher o grau de conhecimentos, a soma enorme de noções exatas da sciencia que são necessarias para constituir hôje a educação de qualquer criatura regularmente culta, é bem certo que eleva as almas e constitue um dos mais nobres ideais da existencia humana.

«A mulher desconhece os escriptores do seu tempo e deixou de se preocupar pela literatura, porque não temos romancistas que a interessem e os poetas deixaram de lhe falar ao coração... — costuma dizer-se para desculpar uma falta que todos reconhecem e da qual ninguem se confessa culpado.

Seguramente que a maior, se não a unica responsavel, é a mulher que assiste, sem comprehender, ao avançar victorioso da civilisação, que hade expulsar os ignorantes como párias inuteis numa sociedade que se encaminha para a luz.

Poetas e prosadores deixaram, é certo, a azinhaga florida do romantismo para seguirem pela estrada arejada de um novo ideal estético, para uma fórma mais verdadeira e humana.Mas porque os não seguem as mulheres? Porque se quedam numa indiferença que as distanceia do seu tempo, que as torna tão alheias a tudo quanto interessa o homem do seu paiz, da sua sociedade, do seu proprio lar?

Não lêr porque não ha quem escreva a seu gosto no nosso paiz é... apenas uma desculpa . Temos hôje, como sempre tivémos, quem escreva bem. Todos os annos, a par da grande alluvião de livros sem valôr que ficam nos depositos das casas editoras para serem vendidos ao peso do papel, ou dados como brinde a quem compra outros livros, publicam-se os bastantes para saciar a curiosidade vulgar em quem tem o habito da leitura.

O que falta não são os escriptores nem as suas obras.

Falta o público que dê no seu aplauso ou no seu desagrado o incitamento de que precisa todo o artista para fazer obra em que pônha toda a alma, toda a energia do seu espirito, na inspiração de progredir e vencer a concorrencia, que então se dá material e áspera, mas compensadora para os triunfantes.

Quem lê no nosso paiz? Uma minoria de intelectuaes, que preferem a literatura estrangeira, e que a maior parte das vezes não compram sequer os livros portuguêses, que poderão ler de emprestimo ou oferecidos.

Lê o povo bastante, mas o povo das cidades, e principalmente os operarios, os livros dos propagandistas, as brochuras que os chamam á consciencia da sua grande miseria; ou lê os romances sensacionaes, ultimamente, e por felicidade, substituidos pelos grandes romances historicos ás cadernetas, ilustrados, que têm a enorme vantagem — quando não tenham outra — de ser portuguêses e não habituar o povo a dizer nomes disparatados e ridiculos que lhe servem nas traduções.

Não lê no nosso paiz, a grande maioria dos homens, porque não encontram para isso campo que lhes sobre dos seus afazeres ou da vida desgarrada por cafés e clubs, na conversa de conhecidos e amigos encontrados sempre nas horas de sobejo.

Não lêem as mulheres, o que é muito peor. Porque é em toda a parte o grande publico feminino quem lê os poetas e os romancistas, quem assigna os magasines e revistas, quem conhece as mais interessantes brochuras de viagens, quem discute os seus autores, quem faz, emfim, uma reputação literaria.

Entre nós, a não ser nos centros intelectuais de que as mulheres só raramente fazem parte, não se fala em literatura, não se conhecem os escriptores e não ha — o que é significativo — o menor desejo de os conhecer.

Para muitas senhoras que lêem e gostam de lêr é um facto desconsolador o pensarem que serão ridicularisadas e que os ignorantes as alcunharão de sabichonas e doutoras, se por acaso entram em conversa que transponha os limites literarios dos folhetins dos jornaes ou da secção das modas.

Mas será isto motivo bastante para se desinteressarem tão completamente pela literatura do seu paiz?

Fugindo do ridiculo com que f^ram tão cruelmente perseguidas as romanticas de ha vinte annos, as mulheres deixaram de lêr com receio de que as chamassem literatas — o epiteto mais desagradavel que podia ser dito a uma senhora que era vista com um livro na mão.

Pararam, indecisas, isto é retrogradaram, porque em civilisação não ha paragens que não sejam retrocessos.

E foi este o motivo porque se deu o afastamento cada vez mais pronunciado da mulher portuguêsa pela arte e pelos artistas do seu paiz e do seu tempo. É desolador este simptoma porque nos mostra como é feita sem elevação moral, nem intellectual, a educação das mulheres que hão de ser as educadoras das futuras gerações. Numas, as que se dizem educadas, os seus conhecimentos são apenas um mostruario vistoso de habilidades e conhecimentos superficiaes, que não iludem ninguem. Outras, conservam-se na mais boçal ignorancia, na mais completa indiferença pelas coisas do espirito.

Mas dando de barato que, por uma estranha repugnancia de espirito, os escriptores de hôje não agradem ás mulheres, porque despresam tudo quanto de grande e bello tinha a do tempo de nossas mães?

Por acaso deixaram os livros de Camillo de ser os mais humanos, os mais portuguêses, de quantos tem escripto e sentido um grande talento português? Por acaso já secaram, como fonte despresada em campo maninho, os lindos olhos das mulheres do nosso paiz, que já não se arrasam de lagrimas na partida de Simão Botelho para o desterro e na morte da linda Thereza e da tragica e simples Marianna?!

Tão perdido vai o seu gosto artistico, que já os seus labios se não abrem jocundos sobre as paginas de eterna graça, que o incomparavel escriptor espalhou por toda a sua grande obra?!

Tão adversas a preocupações de espirito, que se não familiarisem com todo esse mundo amoravel e risonho que nos deixou o romancista que deveria ser, por excellencia, o preferido das mulheres, Julio Diniz?!

Tão esquecida que já não leia toda essa pleiade brilhantissima de poetas e prosadores que foi a de Garrett e Herculano, até João de Deus, Anthero, Crespo, Eça, e tantos outros que a morte levou; sem falar nos que, por graça de Deus, ainda vivem e trabalham nesta Patria que devia ser o nosso orgulho e é o tormento de quem a ama e a vê tão outra do que devia ser?

Não, a falta não é dos escriptores, a falta é só da mulher que não está educada bastantemente (apesar de certos criticos acharem que o está já demais !..) para discernir e escolher o bom caminho que o mais vulgar senso commum lhe indica: uma educação séria e fundamentada, começando nas coisas práticas e uteis da vida, acabando na literatura e na arte em geral, que é por assim dizer a alma falante d'um povo.

É urgente que se convençam de que a mulher ignorante é o mais triste e aborrecido verbo de encher que a sociedade agasalha. Se é bonita, elegante, e veste bem, começa por ser um prazer para os olhos e acaba por se tornar um desprazer maior para o espirito, quando responde com o mutismo da ignorancia convicta, ou com a tagarelice da ignorancia atrevida, a uma simples conversa em que pessôas cultas jogam com ideias e conhecimentos como as crianças com as irisadas bolas de sabão que tanto as alegram.

Isto olhando-a pelo lado social, que na vida familiar os efeitos da ignorancia feminina são ainda de mais tristes e deleterias consequencias.