A Água (Humberto de Campos)

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(Theodore de Bamville)

Nua como uma comédia da Escola do Bom Senso, mas, sem nenhuma comparação possível, infinitamente mais bela, Jacinta Margarida, os fulvos cabelos desatados, está deitada na sua vasta banheira de pórfiro vermelho, de bordas largas, que pertenceu, diz-se, à desventurada Popéa, e que seu amigo, o conde René de Leufroi, lhe trouxe de Capri, onde a encontrou entre os vinhedos. A linda rapariga brinca numa água transparente e límpida, — pois, em Paris, com muito dinheiro, se encontra até água pura! — e saboreia deliciadamente a frescura tépida, que lhe penetra por todos os poros da pele, admirando a onda suave que a embala, e que a envolve como um véu.

Mas tudo isto é um dado por um tomado; pois a água admira mais ainda o jovem corpo sem mácula que a ela se entrega, e é com amor que lhe acaricia o pescoço flexível, os braços heróicos, o colo níveo, os seios de botões cor de rosa, o ventre polido e direito como o de uma virgem, o torso altivo, as coxas, as pernas de caçadora, os pés de unhas transparentes. E quando a loura Jacinta se levanta a meio e quer chamar Marieta para a tirar do banho, a água freme como se lhe tivessem mergulhado um ferro candente, e, num marulho de tristeza e de saudade, murmura, indistintamente, com uma voz que é um soluço:

— Ainda não, Jacinta!...