A Alma do Lázaro/II/XXIV

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Não mais voltarei àquele sítio! Não mais profanarei com a minha presença o olhar puro e santo do anjo que se comiserou de mim!

O mau espírito apoderou-se deste abjeto esqueleto, e fez dele um inferno. Revolvem-se em meu seio pensamentos que me enchem de pavor.

Quando há duas horas cheguei à praia, não vi Úrsula no lugar do costume, o que deu-me ânimo para aproximar-me bem perto do terraço, na impaciência de entrevê-la através da folhagem.

Ela que se tinha escondido para surpreender-me, logo se debruçou no gradil, e estendeu para mim uma rosa que tinha na mão.

Pus-me de joelhos para recebê-la como uma graça celeste. Mas Deus poupou-me a essa infâmia, abatendo sobre mim a sua cólera. Caí, prostrado ao chão, escondendo o rosto na poeira da terra.

E fugi como um louco!...

Como pôde esta miserável carcaça que me deu o Criador para repasto dos gusanos, como pôde conceber o vil desejo de tocar com a sua hediondez a mão pura e imaculada da formosa donzela?

Deus fez o homem do limo da terra; da sânie, só tirou as vespas. Mas o virulento inseto apenas destila veneno; e o meu contágio é mais do que a peste; porque não só mata o corpo, como também a alma. É o contágio da abjeção.

Ah! os felizes que morrem à vida levando a estima do mundo, não sabem o que é esse frio assassínio duma alma, que o mundo lapida, como se ela fora um perro danado, e cujo despojo lança-se ao monturo, e queima-se para não contaminar os ares!