A Luneta Mágica/II/II

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A frescura das auras matinais anunciou-me que se aproximava a aurora.

A janela do meu quarto se abre para o jardim e olha para o oriente; lancei-me para a janela abençoada e com a minha luneta na mão deixei-me ficar em pé, imóvel, contando nalma os instantes que iam passando vagarosos.

Eu respirava as exalações deleitosas das flores do jardim, e sentia nos meus cabelos e no meu rosto a doce impressão dos sopros da madrugada.

De súbito perguntei a mim mesmo em quem ou em que faria o ensaio, a experiência do encanto da minha luneta.

Embora eu tivesse acabado de recorrer à magia, o meu coração estava sempre e todo voltado para o céu.

Lembrou-me logo ver uma flor, que e símbolo de pureza; mas rejeitei esta idéia; porque a flor é apenas ornamento da terra.

Preferi ver a aurora que também é flor; mas é rosa do céu.

A aurora! eu nunca tinha visto a aurora! ouvira ler vinte, cem descrições da formosa precursora do sol, e chorara vinte, cem vezes por não poder admirar a diva matutina que recebe diário culto dos turíbulos das flores e da música dos passarinhos.

É a aurora, é a rosa do céu que, antes de tudo mais, quero ver... se puder ver; e a aurora que é pura, que é o sorrir do sol mandado de longe à terra, é a aurora que eu contemplarei por mais de três, por dez minutos sem temer a visão do mal: porque no seio e através da aurora só poderei ver o sol, que é majestade pela luz, vida pelo calor, providencia pela regulação do movimento dos planetas.