Anais da Ilha Terceira/III/III

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Ano de 1781[editar]

Foi provido juiz de fora da cidade de Angra o Dr. Jacinto Borges Leal, que tomou posse em 6 de Abril. Sem embargo das sentenças e provisões a favor da classe marítima da vila da Praia, não deixava a câmara, pelos seus almotacés, de lhe fazer violência, obrigando-a a pescar e vender o peixe, taxado pelos seus juízes; sobre o que se queixaram os mestres dos barcos à rainha, que atendendo às justas causas por eles alegadas, fez expedir o aviso de 10 de Janeiro, em que se lêem estas palavras — “que tendo aquele procedimento por estranho, e jamais praticado em parte alguma do reino e seus domínios”, recomendava ao corregedor o fizesse de uma vez cessar.

Concedeu a mesma rainha D. Maria I, em 6 de Junho, ao mestre de campo José Borges Leal Corte-Real, natural desta ilha Terceira, e de quem já falei , provisão de reunião dos vínculos que administrava ao de D. Izeu Corte-Real, o qual disse estar situado em 6 moios e 54 alqueires e meio de pasto em Santa Ana de Porta Alegre; e assim também lhe reuniu o anel oferecido pela mesma rainha, quando lhe foi beijar a mão ao palácio do Escorial (veja-se o ano de 1765 e 1769). E foi com efeito este o único fidalgo titular — morgado de Santa Ana — que por muitos anos esteve na ilha Terceira . Era pessoa mui estimável e aceite na Corte por suas qualidades e por seus ditos engraçados e sentenciosos.

Faleceu a rainha D. Mariana Vitória, que fora casada com el-rei D. José I, mas não achei documento algum nos arquivos das câmaras, que desse a menor notícia de sua morte para os efeitos do costume.

Da aclamação da nova rainha também não encontrei documento; parece que nisto houve bastante descuido; como porém tenho dado uma sucinta ideia dos acontecimentos políticos, da nova organização judiciária, e de outros estabelecimentos que tiveram princípio em tempo do finado rei D. José I, e do seu grande ministro, marquês de Pombal, pareceu-me a propósito copiar o que diz o autor da Folhinha da Terceira, impressa em Angra no ano de 1832, afim de suprir quanto me faltou dizer a este respeito: “Celebrado há-de ser sempre este reinado nos anais da nação portuguesa pelas muitas e grandes coisas que nele se fizeram: pela reforma geral da administração pública em todos os seus ramos; e pela organização ampla e sistemática que se deu à realeza no sentido do poder real absoluto. A agricultura, o comércio, a navegação, o exército, a instrução pública, tudo recebeu novas instituições, e em todas elas estava consignado o mesmo princípio do poder real absoluto: várias leis contra a amortização dos bens nas mãos do clero, ou da igreja, e contra as censuras fulminadas contra os ministros régios; outra contra as disposições testamentárias em favor da alma, e contra o cumprimento de bulas pontifícias sem precedente beneplácito régio; a criação de uma mesa censória para o exame e censura dos livros: e a elevação do conselho geral do santo ofício da inquisição a tribunal régio; a abateram e de todo aniquilaram os poucos restos do antigo poder do clero, submetendo-o para sempre à supremacia do poder real. A proibição de instituir novos vínculos, a abolição dos vínculos insignificantes: a derrogação da lei de Felipe II, incorporada nas ordenações do reino, que proibia a união de dois morgados em um só descendente; a lei das denúncias, e outras algumas sobre esta matéria asseguraram a decadência e extinção gradual da nobreza do reino, ao mesmo tempo que a nova organização, e regulamento do exército, a lei das confirmações, a abolição da hereditariedade nos ofícios e outras, lhe tiraram esse pouco poder que ela conservava ainda. As câmaras municipais tiveram a mesma sorte: tudo cedeu e ficou à discrição da realeza, e se alguém ou alguns ousaram resistir, bispos, grandes ou plebeus todos sofreram, pelo ministério de dóceis e submissos magistrados, a pena condigna de tamanha temeridade. Neste reinado foram reparados os horrorosos estragos cansados pelo terramotos de 1755; foi criado o erário régio, a junta do comércio, e a real fábrica das sedas; erigiram-se multiplicadas companhias de comércio; e derramou-se por toda a parte um princípio de vida e de actividade até ali desconhecido. A Universidade de Coimbra foi reformada, criaram-se aulas por todo o reino, e procurou prover-se aos meios da sua futura manutenção. A justiça pede que ao nome do monarca em cujo reinado foram obrados tantos prodígios ande sempre associado o nome do grande ministro por cujas mãos se obraram; este foi o imperioso Pombal: infelizmente, porém, o poder real absoluto e a centralização de toda a administração nas mãos de um só trazem consigo o gérmen da destruição: o homem morre e as coisas ficam após dele: fundar as coisas sobre as qualidades pessoais de um homem é pior do que edificar um palácio sobre as areias que o vento amontoou. Morreu o rei, foi despedido do serviço o ministro; e começou a decadência. A D. José I sucedeu sua filha.”

Vítima da política da corte não foi só este grande homem contra quem se passou, além de outras ordens, o Decreto de 3 de Setembro de 1779, que achámos registado em algumas câmaras, determinando que ele se contivesse fora da corte em distância de 20 léguas! Tanto se temia ela que só hálito do marquês a empestasse! Porém, em 31 de Maio do referido ano de 1777 havia-se passado um aviso régio para ser revogada do presídio da África a estimável pessoa de José de Seabra da Silva. Sem embargo do que a decadência de Portugal caminhou a largos passos, depois daquele grande naufrágio em que perdeu a vida o rei, e apenas escapou o ministro, o qual parece não ter em Lisboa outro maior crime do que Aristides em Atenas.

Ano de 1782[editar]

Passou-se provisão em 19 de Maio, para que as religiosas de S. Gonçalo pudessem haver a si todos os bens, que intempestivamente haviam alienado, obrigadas pelo corregedor no ano de 1770, por causa da sinistra interpretação dada às leis de amortização na mesma provisão mencionadas. Mas para se lhe dar inteiro cumprimento foram intimados os tabeliães, a fim de que a trasladassem nos instrumentos que fizessem; e não escrevessem aforamentos de bens vinculados, ou de capelas, sem licença régia, como se evidencia pelo capítulo do corregedor — Sá — na respectiva correição.

Em 21 de Maio faleceu na ilha de S. Miguel o bispo desta diocese D. João Marcelino, e jaz na igreja matriz de Ponta Delgada.

Foi criada na vila de S. Sebastião a escola de primeiras letras, por alvará de 6 de Março, com ordenado de 50$000 réis anuais, sendo nela provido Sebastião Ferreira d’Ormonde, que poucos meses a serviu, por falecer logo; sucedeu-lhe Simão Machado, que a renunciou; e foi substitui-lo Francisco Machado d’Ormonde, irmão do primeiro nomeado (provisão em 23 de Janeiro de 1786), que mais de 30 anos serviu com muita satisfação pública, e aproveitamento da mocidade, a qual instruía nas letras, conforme a sua capacidade, e muito mais nos bons exemplos da sã moral, que sempre abraçou no largo espaço de sua vida. Por este mesmo tempo foi criada nesta vila a cadeira de gramática latina, com ordenado de 120$000 réis. Foi seu primeiro serventuário o padre António Miguel da Silveira, natural da ilha do Pico, com provisão régia datada em 15 de Junho de 1783, e segundo o padre António José Elias Tristão, natural da cidade de Angra, que a regeu até o ano de 1824, em que, por uma sinistra informação dos vereadores da câmara, a suprimiu o capitão-general Stockler.

Também parece que no ano de 1782 fora criada a cadeira de primeiras letras da vila da Praia, com ordenado de 60$000 réis anuais, sendo seu primeiro serventuário Manuel Ferreira — por apelido o Rabo Seco — o melhor paleógrafo que nesta ilha tem havido. Foi mui assíduo na sua ocupação, e nela faleceu já mui velho. Sucedeu-lhe o padre Francisco Ignácio Toledo, que a regeu por espaço de 40 anos, com muito proveito de seus alunos. Depois da morte destes primeiros professores tem-se notado, como fatalidade, o atrasamento das letras; ou seja devido às pessoas que regeram as aulas, ou ao método por que se tem ensinado até hoje, o que não ousamos decidir.

Registou-se nas câmaras o acórdão da relação de 9 de Setembro, por que se declarou que os juízes de fora deviam dar apelação de suas sentenças para os corregedores, o que até ali era duvidoso — Documento O —.

Ano de 1783[editar]

Serviu de corregedor e provedor dos resíduos o Dr. João Xavier da Costa Cardoso.

Faleceu na vila de S. Sebastião Maria da Conceição, viúva de Nicolau de Freitas, com idade de 95 anos; e no Porto Judeu uma Francisca do Rosário com 93; Josefa Maria com 85, e da mesma idade Pedro Vieira de Melo; Águeda de Santo António com 84 anos. Até o ano de1786 faleceram ali 6 pessoas de 80 a 90 anos de idade.

Em 16 de Abril morreu D. Maria Rosa Xavier de Ataíde, mulher do general Diniz Gregório de Melo e Castro; fizeram-se-lhe os ofícios fúnebres unicamente na cidade.

Ano de 1784[editar]

Em 23 de Julho faleceu, na vila de S. Sebastião, Bárbara da Conceição, viúva de Pascoal Valadão, em idade de 95 anos (L.º 2.º dos óbitos da igreja matriz). Por estes anos em diante morreram aqui diferentes pessoas excedendo 90 anos, mas nunca chegou a 100 anos; todavia com esta notícia, assim documentada, parece mostrar-se quanto mais se vive neste lugar do que nos mais da ilha.

Continuava nestes mares grande número de navios à pesca das baleias, o que foi causa do capitão-general suplicar à rainha, para sobre isto adoptar alguns meios em proveito da nação; porém teve o mesmo resultado que o seu antecessor, e até não recebeu resposta. Participou-lhe também que no dia 24 de Agosto apareceram sobre o porto da cidade e vila da Praia 72 velas postas em linha, sendo o número de toda a armada 102: em consequência do que fizera tocar a rebate, e guarnecer os postos para a defesa: que de sentia não poder manifestar o desgosto que lhe causara este sucesso, e a desconsolação com que se achava no seu governo; que a nau de guerra achando-se mais avançada, fizera sinal a uma embarcação mais pequena, e a expedira a terra com uma carta ao cônsul inglês, participando-lhe ser um comboio que ia para a Carolina meridional e New York, que haviam 42 dias tinha saído de Inglaterra a velha, e vinha muito carecida de água, não se podendo demorar aqui. Ainda que imediatamente se prontificaram todos os socorros, a violência dos ventos levou esta frota defronte da Praia, para onde logo marchou o sargento-mor João António Júdice, encarregado do comando daquela capitania, o qual também ali prontificou e repartiu todos os socorros, de tal forma que em dois dias e meio se proveram de água e mais víveres 38 embarcações, e seguiu em sua derrota. Contudo dali a dois dias apareceu grande número de embarcações, tornando a procurar a mesma baía da Praia, causando por isso os mesmos incómodos do rebate; e porque os ventos eram ponteiros não puderam aproximar-se da terra, e não se pôde saber se eram estas as mesmas ou outras embarcações.

Publicou-se nesta ilha a carta de lei de 6 de Outubro, pela qual se ocorreu aos abusos da tolerância e prática dos esponsais clandestinos, donde resultavam grandes males ao sossego público e às famílias. Por esta lei se prescreveram regras impreteríveis para terem validade e se julgarem procedentes em juízo, abolindo-se as leis que nas ordenações prescreviam as querelas dos estupros — por servirem já de meio abusivo para se procurar pelo crime ter direito ao matrimónio ou dote. Mandou-se publicar e registar em todas as respectivas administrações e tombos das câmaras o alvará de 28 de Fevereiro sobre a residência dos prebendados, assim no bispado do Funchal, como no dos Açores: — declarando-se que todos os benefícios das colegiadas eram curados, e obrigados a residência real e formal, como os párocos: e com outras mui sérias disposições sobre este importante objecto. (Cita L.º do registo da Câmara da Praia fl. 28). Assim por esta sábia lei se proveu e acautelou contra a inutilidade ou notória ociosidade da maior parte destes corpos colectivos, tão onerosos ao Estado!

Ano de 1785[editar]

Publicou-se e fez-se registar e executar pontualmente nestas ilhas o alvará com força de lei de 5 de Março, para que os juízes de fora tivessem jurisdição extensiva às vilas que promiscuamente se subordinaram à inspecção de um só juiz de fora; e por ele se proibiu que os juízes ordinários despachassem com assessor — Documento P —. Tendo sido escassa a colheita dos cereais no ano próximo passado, muito mais o foi no presente, pela desigualdade das estações, porque, chovendo demasiadamente nos primeiros meses, houve tal seca nos meses de Maio e Junho, que muitas searas de trigo e cevada não espigaram, do que resultou ser o ano tão apertado de cereais, e mesmo de vinho, que por antonomásia se chamou — o ano da fome — e dela faleceram nesta e nas mais ilhas dos Açores muitas pessoas, não só por falta de pão, senão ainda pela má qualidade do que da raiz e soca de certas plantas se fabricava. O capitão general magoou-se extremamente com esta calamidade, e intentou socorrer-lhe, importando principalmente nesta ilha vários géneros de consumo; porém foram mui limitados, em razão da esterilidade ser geral nos outros países.

Recebeu participação da Secretaria de Estado, em 12 de Abril, a respeito do casamento do príncipe D. João, que depois foi rei de Portugal, com a infanta espanhola D. Carlota Joaquina; e da infanta D. Mariana Vitória com o infante de Espanha D. Gabriel: e por esta ocasião se concedeu indulto aos presos que se achavam nas cadeias destas ilhas, sem parte acusadora. Em consequência daquela participação ordenou o general em carta de 2 de Setembro — Documento R —, se fizesse na Sé catedral, e em todas as igrejas principais desta província, um solene Te-Deum por tão feliz sucesso, e ele mesmo assistiu com os oficiais da câmara e nobreza da cidade: “Aprontava-se — diz ele na carta de 10 de Outubro — depois um fogo de vista que teria lugar até 9 ou 10 de Outubro, para dar uma serenata na sua casa, e que convidaria todas as autoridades eclesiásticas, civis e militares, e tudo o que havia de melhor na cidade. — E concluía assim — Não posso assegurar mais; V. M. quererá bem aceitar desejos em lugar de obras”.

Desembarcou no porto da cidade de Angra, a 10 de Dezembro, o bispo desta diocese D. Frei José de Ave-Maria Leite da Costa e Silva, da ordem da Santíssima Trindade da Redenção dos Cativos. Serviu de corregedor Estevas Machado Toledo, que deu sentença contra os dizimeiros , pelo abuso na cobrança dos diferentes impostos dos animais — Documento S —.

Esta sentença que se registou nas câmaras, serviu de salvaguarda aos criadores dos gados até à extinção de tal dízimo.

Ano de 1786[editar]

Declarou a rainha, em 6 de Abril, ao juiz de fora da Praia como ele e seus sucessores deviam dar residência (— Documento T —).

Andara grande desordem nestas ilhas por falta de boa e corrente moeda desde o ano de 1772, sobre o que o general expôs a el-rei o seu parecer nos seguintes termos: “Há disputas, bulhas, e pancadas sobre o aceitar ou não aceitar o dinheiro. De um dizem que é novo, de outro dizem que é do Faial, fundido, amarelo; e finalmente sem um sinal certo, e característico da sua boa ou má qualidade; querem matar-se por isto, sustentando uns uma coisa, outros outra; e nem os louvados a que muitas vezes recorrem nestas disputas são melhores conhecedores; nem as suas decisões sem réplica. Tenho dado todas as providências de que é capaz a minha curta ideia para atalhar estas desordens; mas debalde. O mal é inveterado; o remédio é impassível. Cerceou-se sempre a moeda, não obstante não ter já que cercear. Vê-se dinheiro de novo sem se saber como, nem donde veio, por mais diligências que tenha feito por mim, e mandado fazer pelo corregedor, e juiz de fora, nada se tem descoberto. Crê-se contudo o introduziram os ingleses no Faial, e parte tem vindo de Holanda. É dizer bastante para V. Exa. se persuadir da necessidade que há de reformar esta moeda. O modo porém com que isto se deve fazer é que pede toda a atenção e melindre” . Expondo finalmente alguns meios para fazer cessar esta espécie de calamidade, pede em conclusão um novo cunho de moeda em trezentos mil cruzados: cem mil cruzados em prata, e duzentos mil em moeda de cobre.

Por aviso da Secretaria de Estado, em 25 de Maio, soube o general ser falecido naquele mesmo dia el-rei D. Pedro III, pelas duas horas e meia da madrugada, o que ele imediatamente participou ao corregedor, e às câmaras das ilhas, em ofício datado a 10 de Julho, ordenando se fizessem todas as honras fúnebres, que se costumavam praticar em semelhantes ocasiões; declarando ser o luto que tomava a rainha — 6 meses rigoroso, e 6 meses aliviado — Documento U —. Eis aqui a forma do luto que pelas câmaras se mandou trajar: “Em observância do que mandamos a todas e quaisquer pessoas de um e outro sexo pratiquem o sobredito luto a saber: os homens. com fumos nos chapéus, e nas gorras, e as mulheres usarão de mantilhas pretas e toalhas lisas, e todos de fivelas cobertas, pelo espaço do dito tempo, com pena de 6$000 réis e 30 dias de cadeia. E para que venha à notícia de todos...” Para isto se dispensou na pragmática de 1749: e também se ordenou que as mesas dos tribunais se cobrissem de luto. Nada mais consta se fizesse na ilha por esta ocasião.

Ano de 1787[editar]

Não se limitou o ilustrado governo do general Diniz Gregório de Melo a olhar somente pelos melhoramentos materiais deste país, olhou mui de perto pelo progresso das letras. Houve então a lembrança de se estabelecer em Angra um seminário; e já sobre isto se tinham feito as necessárias participações à Secretaria de Estado, até que por aviso de 30 de Julho fez o general exame ao colégio dos extintos jesuítas, com assistência do bispo da diocese, concluindo-se que para este edifício ficar servindo de seminário, carecia de outras obras, pois que sempre no interior conservava a perspectiva de convento, e com pouca diferença nas paredes exteriores; e que para entretenimento deste novo seminário se careciam 97 moios de trigo, e a dinheiro 2:356$000 réis, a renda dos benefícios simples, e o subsídio literário imposto aos povos; e que as lições deveriam ser públicas a todos os que quisessem aprender.

Quanto ao fim deste seminário era formar um sacerdócio, hábil, que assim no púlpito como no confessionário pudesse exercer dignamente as funções do seu ministério; que houvesse nele professor da língua latina, de retórica, de ética, metafísica, e um de teologia moral; que esses benefícios símplices fossem aplicados ao seminário, e ficasse este com obrigação de reparar a igreja. Propunham também o general e o bispo se incorporassem ali os rendimentos das colegiadas da Conceição dos clérigos, da matriz da Praia, Vila de S. Sebastião, Santa Bárbara e Vila Nova; e assim as das ilhas de baixo , excepto as colegiadas de S. Sebastião em Ponta Delgada, por ser uma cidade, e na ilha de Santa Maria, por ser de uma comenda; e que esta medida não fosse extensiva às Flores e Corvo, onde não haviam semelhantes benefícios.

Sem embargo de parecer mui útil esta proposta ao fim que se meditava, talvez por envolver um exemplo, que poderia ter grande seguimento no reino, ou, o que era mais de supor, algum funesto resultado, por aniquilar essas antigas instituições eclesiásticas: o certo é que ela foi rejeitada; servindo-se o governo somente da sua lembrança para criar algumas cadeiras das diferentes faculdades nas ilhas. A respeito desta inovação, e suas consequências, trata um nosso patrício nos seguintes termos, que oferecemos à consideração do leitor: “Como quer que seja, é muito certo que o Sr. Rei D. José I, achando decaída a nobreza em todo o Portugal, e naquelas ilhas, procurou elevá-la abrindo caminho às letras, e às armas, a que deu um grande impulso, prometendo adiantar a mesma nobreza logo que por qualquer destes caminhos ela o merecesse. Foi quando criou o Governo das ilhas dos Açores, e é preciso confessá-lo, que essa reforma não sortiu tão bom efeito, como na Universidade de Coimbra; antes foi em muito maior decadência a instrução pública nas mesmas ilhas, já porque foram os habitantes do país excluídos dos lugares de letras, como de juízes ordinários, dos órfãos, de alfândega, e provedoria dos resíduos, e já porque sendo os Generais, e os Bispos os directores dos estudos, raras vezes (se alguma houve) se combinaram a esse respeito”.

“Não foi só esse mal que nos veio da inovação do governo, criado com o fim de felicitar as Ilhas, foi sim deixar de levantar-se um regimento insulano conforme as instruções dadas ao mesmo Governo aonde bem podia adiantar-se, ou antes preparar-se a mocidade para servir no Reino; e pior que tudo, há para lamentar a introdução do arbitrário que logo desgraçadamente se principiou a conhecer no primeiro Governo, sendo muito poucos dai para cá, que se podem exceptuar, porque muitos houve entre os nove Generais que desde aquele tempo governaram as Ilhas a quem os nossos Reis não puderam deixar de enviar Cartas Régias concebidas em termos bem amargos, quanto era o conhecimento que tinham dos seus serviços; mas quão pouco isso lhes importava, se assim mesmo lhes eram depois dados títulos de grandeza?”

“Com o andar dos tempos cada vez mais se foi conhecendo o atrasamento da mocidade, e quanto convinha remediar esses males por meio de um plano de estudos que pudesse servir para todas as Ilhas, e sempre no princípio de cada Bispado se faltava em uma nova organização de um seminário; e nossas esperanças seriam realizadas, se na boca dos Bispos tivessem aparecido sinceras as expressões com que a semelhante respeito procuravam adoçar a amargura dos pais de famílias; mas este fervor, e este conhecimento tem sempre desaparecido, e em troca dele com bastante mágoa nossa, não temos visto senão frutos de vaidade, e de avareza, com que deixaram de nos ser mandados Bispos, como o primeiro que tivemos, e muitos outros que virtuosamente seguiram o seu exemplo; porque eles entendiam bem ao pé da letra, e tinham presente o que a seu respeito disseram os Padres no sagrado concílio de Trento.— Ser formidável o seu peso até para ombros de Anjos. — Angelicis etiam humeris formidandum.”

Eis aqui o estado em que ainda no ano de 1834 se achava o importante ramo da educação pública, tendo-se por muito tempo cansado alguns governadores, e patriotas interessados pelo bem da religião e da sociedade, em apresentar semelhantes projectos, que todos ficaram por largos anos em completa nulidade.

A 9 de Maio tomou posse o juiz de fora de Angra, José de Matos Pereira Godinho, que fora despachado a 18 de Setembro do ano próximo passado: julgo que pouco tempo serviu.

Em 9 de Agosto apresentou-se, na vila da Praia o seu 2.º juiz de fora, José Marques da Costa, tendo-se procedido à suspensão do seu antecessor, em razão de abusos de poder com que inquietou vários moradores daquela capitania.

Olhava muito o governador pelo melhoramento da agricultura: ele mesmo fazia cultivar alguns campos, e criações de pastos que arrendou para fazer experiências de novas sementes, mandando também buscar gados de melhor casta, e ordenando às câmaras fizessem posturas para coercer e reprimir os danos que os animais causassem nos cereais, plantios, vinhas e hortas. Escreveu à câmara da Praia, em 22 de Agosto, determinando-lhe que provesse a ponto de que na freguesia dos Biscoitos, e mais vinhas do termo, se não vindimasse a uva senão bem sazonada e madura; e que ninguém entrasse nas mesmas vinhas sem licença de seus donos, e depois de vindimadas: para evitar as desordens que nasciam pelo abuso dos povos, entrando nelas a seu arbítrio, a título de rebusco.

Ano de 1788[editar]

Do ano de 1788 nada consta digna de memória.

Ano de 1789[editar]

Também o general tinha mandado buscar diferentes qualidades de sementes, principalmente de trigo e milho, e assim de giesta até ali desconhecida na ilha, para suprir a falta de lenha que em muitas povoações havia já: e vendo quanto poderia aproveitar à classe do povo em comum a batata inglesa, lembrada em um aviso régio à câmara da Praia , escreveu às outras câmaras a 13 de Fevereiro para que obrigassem os lavradores a semeá-la, pois de antemão a mandara buscar, regulando-se por uma postura nos seguintes termos: “O lavrador que cultivar 5 alqueires de terra, será obrigado a semear uma quarta de terra de batatas; o que cultivar 10 alqueires, semeará meio alqueire e assim em proporção”; e que sobre a execução e cominação desta postura houvesse a maior vigilância, além das penas que lhes ficavam a seu arbítrio, parecendo-lhes (L.º do registo da mesma câmara, fl. 48).

Sem embargo de tão louvável projecto tiveram os lavradores bastante repugnância na cultura deste género de tal forma, e com tanto desprezo se houveram, que, ou semeavam as batatas no campo mais vil da propriedade; ou não faziam caso de que ali mesmo nascia, vegetava, e produzia a terra mui espontaneamente; servindo-lhes desde então, e quase exclusivamente, para o sustento dos porcos: e esta mesma negação tiveram em princípio os moradores das outras ilhas, em maior ou menor grau.

Porém este crassíssimo erro lá foi, por decurso do tempo, emendado, semeando-se em todas a batata inglesa, em tanta abundância, que já de nossos dias tem feito ela só, por assim dizer, a subsistência da classe jornaleira, existente no campo; contando por uma das grandes calamidades a falta que deste género tem havido, desde o ano de 1841, em que a sua cultura se diminuiu por causa da alforra que lhe dá, secando as folhas, e atempando a produção, que não cresce, e se definha, com especialidade depois do primeiro sacho.

Por este singular benefício aos povos açorianos não mereceu o general menor agradecimento, consideração e respeito, que entre os franceses o seu Parmentier, que primeiro lhes fez conhecer, há um século, essa vantagem. Também enviou às câmaras a carta régia dirigida ao corregedor de S. Miguel, facultando a livre exportação dos cereais para Lisboa, visto a falta que em toda a Europa se experimentara deles, entre as nações que os costumavam exportar para lá: determinando mui positivamente, que nem as câmaras, nem quaisquer pessoas, impedissem directa ou indirectamente; e que se as câmaras tivessem de representar sobre este objecto, o fizessem sem suspensão desta ordem. Vinham nela recomendadas muitas cautelas do bom acondicionamento do trigo e mais géneros; e que os navios não levassem líquido algum, em principal aguardente.

Parece que também houve alguma lei para que nestas ilhas as pipas fossem de padrão certo e invariável; porque o general mandou fazer posturas a este fim, lembrando as penas fulminadas na Lei de 20 de Dezembro de 1773: e na câmara da Praia estabeleceu-se que as pipas para fora da jurisdição fossem de 172 canadas medidas pelo novo padrão.

Pelas 11 horas e meia da noite de 8 de Março incendiou-se a igreja matriz de S Sebastião, onde servia de vigário o padre José António do Couto. Deu ocasião a este incêndio o descuido dos irmãos terceiros, que depois de se recolherem da sua devoção de pedir para as almas deixaram inadvertidamente lume em um lampião, que soltando-se sobre o altar da capela se ateou, e em pouco tempo subia à urna, e dali ao tecto de toda a igreja apesar do aturado e perigoso trabalho do povo em cortar as madeiras por onde caminhava o furioso incêndio. Ardeu em fim quase tudo que dentro se achava, salvando-se unicamente o sagrado Viático, algumas santas imagens, vasos sagrados e alfaias. Propôs-se todavia à reedificação o vigário com os beneficiados João Crisóstomo Souto Maior, António Jacinto Faleiro e com os cidadãos o alferes António Cardoso Vieira, José Machado Faleiro e Francisco Machado d’Ormonde, em tanto que, depois de 6 anos, nos quais se pediram e solicitaram materiais suficientes, conseguiram o acabar-se, ficando a igreja ainda mais segura do que era pela antiguidade das madeiras , e maneira de edificar. Serviu no entretanto de paroquial a igreja da Misericórdia, onde se fizeram então algumas obras e melhoramentos e a capela do Santo Cristo.

Ano de 1790[editar]

Publicou-se o novo regulamento dos salários dos oficiais de justiça, que serviu até ao ano de 1832; e serviu de corregedor Manuel Garcia da Rosa.