As Doutoras/IV/IV

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Personagens: OS MESMOS e DOUTOR PEREIRA

DR. PEREIRA (Entrando.) — Venha cá, seu Luizinho... (Tira a criança dos braços de Praxedes.) Ainda não tomou hoje a bênção a seu papai. Como passou?

PRAXEDES — Não se pode estar aqui dois minutos com o menino.

MARIA — É verdade! Vem um puxa, vem outro pega, vem outra segura...

EULÁLIA — É a alegria desta casa, patroa!

DR. PEREIRA — O pior, é que ele já começa a ficar manhoso.

MARIA — Coitadinho.

DR. PEREIRA — E quem lhe está pondo as manhas é a senhora! (A Maria.) A senhora, sim! Por que é que ele quando está chorando no berço, cala a boca apenas o carregam ao colo? Por que é que quando está no colo chora e sossega logo que a pessoa que o está ninando começa a passear?

MARIA — Ora, isto é próprio de toda a criança!

DR. PEREIRA — Não é tal. É porque a senhora habituou-o a dormir no colo e passeando.

MARIA — São os avós que perdem sempre os netos.

LUÍSA — Neste ponto, minha mãe, o Pereira tem razão!

DR. PEREIRA — Hoje foi isto; amanhã há de ser outra coisa.

LUÍSA (Tomando a criança do colo de Pereira.) — Deixa-me levá-lo para o berço!

MARIA (Apontando para Luísa.) — Aquela que ali está foi educada por mim!

DR. PEREIRA — Aquela não era neta, era filha. É muito diferente.

MARIA — Quer dizer que agora sou sogra!

DR. PEREIRA — Não se zangue comigo, minha mamãezinha, mas creia que daria o mais solene cavaco se a senhora, carinhosa e desarrazoada, como são em geral todas as avós, começasse desde já a contrariar o programa da educação que imaginei para o meu rapaz.

PRAXEDES — Então tem um programa já feito?

DR. PEREIRA — Por que não?

PRAXEDES — Bravo! Bravo!... Muito bem! Eu também assim o entendo. De pequenino é que se torce o pepino. Olhe, se eu não me metesse, é verdade que já foi um pouco tarde, na educação de Luísa...

MARIA — Cala a boca, cala a boca, que é melhor!

EULÁLIA (Ao lado de Luísa, junto ao berço.) — Não acha que a cabecinha dele está um pouco alta? coitadito, é capaz de ficar com o pescoço torto. (Endireita o travesseiro.)

DR. PEREIRA — Enfim o meu programa é fazer deste rapaz um verdadeiro homem.

PRAXEDES — Foi o que eu fiz com a Luísa.

MARIA — Lá isso é verdade. Felizmente porém, a Divina Providência meteu-se no meio e ela hoje é uma mulher...

DR. PEREIRA — Veja se tenho ou não razão. A senhora co­meça a habituá-lo agora a dormir no calor do colo, mais tarde quando ele quiser saltar, pular, desenvolver-se, cumprir enfim as justas reclamações da natureza, há de dizer: — menino, fica quieto, menino, passa para aqui, há de amarrá-lo ao pé da mesa, prendê-lo na sala de costura. E não satisfeita com isto, incutir-lhe-á o medo do papão do quarto escuro, do pobre cego, do saci, do zumbi!... A criança educada nesta escola, onde, infelizmente, aliás, se tem formado muita gente, acabará por tornar-se um verdadeiro poltrão. Não quero isto. Meu filho há de ser um homem; mas um homem no rigor da palavra, preparado para as lutas físicas e morais da vida.

PRAXEDES — Sim, senhor!

EULÁLIA — Parece-me que ele quer mamar, senhora.

LUÍSA (Tirando-o do berço.) — Vamos dar um passeio. (Vai saindo com Eulália.)

DR. PEREIRA — Até logo.

LUÍSA — Vais sair já?

DR. PEREIRA — Tenho dois doentes na vizinhança!

LUÍSA (Falando para o menino.) — Dá um beijinho em papai!

DR. PEREIRA (Beijando-o.) — Adeus seu Luís, veja lá como se porta.

LUÍSA (Falando pelo menino.) — Deixe estar, papai, que eu hei de portar-me muito bem. Eu já sou um homem de juízo. (Pereira sai.)

EULÁLIA (Acompanhando Luísa, que vai a sair.) — Olhe como ele abre a boca! Está-se espreguiçando, coitadinho. (Saem.)