As Vítimas-Algozes/II/I

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O homem deixa-se facilmente enlevar pelo encanto do maravilhoso, e é explorando este segredo da fraqueza humana que o charlatanismo abusa da simplicidade dos crédulos e à custa deles bate moeda na forja da impostura, ou sacrifica à sua corrupção as inocentes vítimas que loucamente espontâneas se precipitam nesse perigoso desvio da razão.

Esta observação incontestável pode-se aplicar com inteiro cabimento a todos os tempos e a todas as nações, qualquer que fosse ou seja o grau de sua civilização.

É inútil fazer falar a história, quando a ninguém lembraria pôr em dúvida fatos que ainda hoje em todo mundo atestam o poder do charlatanismo sobre a imaginação dos homens.

Os adivinhos, os cartomantes, os ledores do futuro, os curandeiros misteriosos multiplicam-se em Paris e em todas as cidades da Europa, onde a impostura desses exploradores da credulidade de muitos e da curiosidade de quase todos vai descendo na escala da rudeza, do ridículo e do grotesco à medida que toma freguesia no seio da população menos civilizada, e que se afasta da cidade para internar-se no campo.

Neste ponto a Europa não pode rir do Brasil; porque o excede muito as variedades brilhantes e sombrias dessa espécie de charlatanismo; mas também a capital do império do Brasil e nossas mais consideráveis cidades não podem rir do campo ou da roça, porque têm dentro de seus muros esse ­charlatanismo apurado e curioso que ainda não chegou à roça e o grotesco, e também maligno, que na roça é infelizmente muito comum.

Na cidade do Rio de Janeiro (e quanto mais nas outras do império!) ainda há casas de tomar fortuna, e com certeza pretendidos feiticeiros e curadores de feitiço que espantam pela extravagância, e grosseria de seus embustes.

A autoridade pública supõe perseguir; mas não persegue séria e ativa­mente esses embusteiros selvagens em cujas mãos de falsos curandeiros têm morrido não poucos infelizes.

E que os perseguisse zelosa e veemente, a autoridade pública não poderá acabar com os feiticeiros, nem porá termo ao feitiço, enquanto hou­verem no Brasil escravos, e ainda além da emancipação destes, os restos e os vestígios dos últimos africanos, a quem roubamos a liberdade, os restos e os vestígios da última geração escrava de quem hão de conservar muitos dos vícios aqueles que conviveram com ela em intimidade depravadora.

O feitiço, como a sífilis, veio d’África.

Ainda nisto o escravo africano, sem o pensar, vinga-se da violência tremenda da escravidão.