As Vítimas-Algozes/III/LIII

Wikisource, a biblioteca livre

Para onde corria Cândida em fúria e aflição desesperada?... Ela não poderia dizê-lo; mas arrebatada, já com os cabelos soltos e caídos, esbarrando aqui e ali nas pessoas que encontrava, arrojou-se além do portão, sem ver ou sem lhe importar alguns soldados que ali se tinham postado, e impetuosa avançou pela rua...

– É uma mulher doida – diziam uns.

– É alguma mulher dissoluta que o amante espancou e pôs fora de casa – diziam outros.

– É talvez uma pobre mãe que vai buscar o médico para ver-lhe o filhinho que lhe morre – diziam os mais compassivos.

Mas para onde corria Cândida?

A mucama escrava a arrancara do branco céu da inocência e a fizera em menina sábia precoce da ciência pudenda da mulher.

A mucama escrava amesquinhara-lhe o pudor, distanciara-a do recato, impelira-a para vãos e aviltantes namoros.

A mucama escrava a atraiçoara duas vezes com Dermany, protegendo perversa um amor fingido e funestíssimo, e tornando-se amante infame do suposto noivo de sua senhora.

A mucama escrava depois de tentar debalde arrastá-la para as garras de Dermany, abrira a este a porta do quarto de sua senhora, e a abandonara quase desmaiada ao algoz.

A mucama escrava dera-lhe doses repetidas de uma substância vomitiva, para aluciná-la com a convicção de um estado, que patentearia o seu opróbrio.

A mucama escrava finalmente, inventando ainda aterradoras notícias, conseguira arrancá-la da nobre e respeitada casa de seus pais, para levá-la de rastos pelo braço de um miserável para o escuro recanto de um cortiço.

O mais, a infidelidade, a ingratidão, a torpeza, a fria perversidade da mucama escrava e de Dermany eram o castigo da Providência imposto à moça que se rebaixara, e tanto ofendera a seus pais, ao dever e à socie­dade.

Mas para onde corria Cândida?

Fugida da casa paterna, não ousando nem sabendo lá tornar, escapan­do a Lucinda, a Dermany, ao cortiço, nodoada, desonrada, perdida, para onde poderia ela correr, senão para os braços do primeiro libertino que re­parasse em sua beleza?

E depois do primeiro, o segundo senhor e dono, e, depois vencidos, desfeitos os últimos vexames, a extrema degradação...

Era portanto ainda a mucama escrava que fatal empurrava implacavel­mente sua senhora para a prostituição e o alcouce...

Oh! Como a escravidão é veneno e peste!

E Cândida corria sempre sem saber para onde, com os cabelos e os vestidos em desordem, corria insensata, delirante, e levando no turbilhão desconcertado, e horrível de mil idéias obscuras, negras, uma só idéia dis­tinta, mas lúgubre... era encontrar o mar...

E corria sempre surda e cega, quando de súbito duas mãos a agarraram, e uma voz amiga exclamou:

– Minha irmã!

Cândida reconheceu Frederico, exalou um gemido de agonia, e seu corpo sem vida dobrou-se inerte nos braços do mancebo.

– Que seja um desmaio, meu Deus! – disse Frederico, sustendo Cândida.

Seja antes a morte – disse Liberato, afastando-se apressado.

– Ajuda-me a socorrer nossa irmã!...

Liberato em vez de responder ou voltar, seguiu, rugindo de raiva, para o cortiço.