As Vítimas-Algozes/III/XIV

Wikisource, a biblioteca livre

Cegos pelo amor, orgulhosos da educação que haviam dado a Cândi­da, desvanecidos da sua beleza e da impressão que ela causava onde quer que aparecesse, Florêncio da Silva e Leonídia não se apercebiam do con­denável proceder da filha.

A consideração e respeito que o honrado e rico negociante gozava era um escudo que livrava Cândida dos golpes de censuras francas: não havia quem se animasse a ofender Florêncio da Silva e sua digna esposa, negan­do ou poupando demonstrações de estima a sua filha, que, em atenção a eles, era mais lastimada que detraída nas sociedades.

Todavia Florêncio da Silva por mais de uma vez apesar do seu amor jul­gou ver desgostoso, no fácil e embora sempre dúbio acolhimento que Cândida concedia aos seus namorados, quebra da modéstia e do recato desta.

Nestes casos são os olhos dos pais que primeiro enxergam, como são os corações das mães os últimos que se convencem.

Florêncio dizia então tristemente a Leonídia:

– Tu não reparas em nossa filha; eu creio que ela começa a abusar do desejo de ser admirada... a vaidade a está perdendo...

– Que idéia!

– Não viste como a cercaram esta noite?... Eu detesto todos esses atrevidos que ousam aproximar-se de Cândida, falar-lhe a sorrir, olhá-la abrasados em fogo com tanta liberdade, e encontrando tanta tolerância...

– Querias que ela deitasse a correr, fugindo da sala?

– Queria que ela não encorajasse essa corte de... eu sei! talvez de na­morados.

– Em serem eles tantos a cortejá-la está a prova de que nossa filha não prefere, e não encoraja nenhum.

 – Mas faz mal ver... eu te juro.

– O único recurso é privá-la do teatro, e não levá-la a reuniões: formosa como é, onde aparecer, achará cultos e sem dúvida apaixonados.

– Entretanto Cândida podia conter a distância respeitosa esses moços que a não deixam um momento e que...

– Conservá-los a distância no baile, onde dançam e valsam com ela? Tu tens ciúmes de nossa filha, Florêncio; é natural: eu também os tenho...

– Aconselha-a, Leonídia

– Não me esqueço nunca de o fazer; mas nem é preciso; por ora Cândida é um anjo; cuida somente em divertir-se e brincar.

Florêncio da Silva respirava desafrontado, e de longe abençoava a filha a quem já supunha dormindo, e que no seu quarto, negligentemente meio deitada no leito com o cotovelo firmado na almofada, a face apoiada na mão, os cabelos em ondas a cobrir-lhe a espádua e o peito, referia à mucama, que em silêncio a invejava, os recentes gozos de sua noite de sarau, suas recentes conquistas, e todos os seus ardis, e todas as finezas e todos os desvarios e atrevimentos dos antigos e novos namorados.