As Vítimas-Algozes/III/XXXIII

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Embora insuficiente e por demais fiada, a zelosa e nobre intervenção de Frederico no amor insensato ou pelo menos arriscado de Cândida, tinha provavelmente poupado a inconsiderada donzela a repreensíveis erros.

Cândida experimentava toda a veemência da saudade, que os recados e as cartas apaixonadas de Souvanel ativa e freqüentemente atiçavam; consolava-se, porém, esperando que os saraus e o teatro da cidade, lhe proporcionassem ternos encontros com o jovem francês.

A famosa namoradeira não cuidava mais em entreter os cultos de seus antigos adoradores; absorvida toda no amor de Souvanel, lembrava-o, desejava-o, e prelibava ansiosa a hora encantada e suavíssima, que lho mostrasse no teatro, ou que a aproximasse dele em algum sarau.

Mas o teatro se reabrira poucos dias depois da festa do Natal, uma sociedade de baile dera a sua primeira e brilhante reunião mensal, no novo ano, e Leonídia, queixando-se de sofrimentos e de alterações em sua saúde, se esquivara, e privara portanto sua filha de todos esses divertimentos.

Não escapou a Cândida a inexplicável indiferença de seu pai, que abandonava sem os socorros da ciência os padecimentos que sua mãe acusava.

Leonídia dizia-se doente, e Florêncio da Silva, marido extremoso, não se apressava a chamar médicos que regenerassem a saúde da esposa tão amada, que nem se ressentia desse descuido insólito.

Cândida não se iludiu.

– Enclausuram-me – pensou ela. – É um sistema de vida calculado e ajustado, que se me impõe. Meu pai, minha mãe, Liberato e Frederico estão e trabalham de acordo.

E ela por isso mesmo amou, ou supôs amar com ardor ainda mais vivo a Souvanel.

Os amorosos bilhetes do jovem francês a incendiavam.

Lucinda, desmoralizada e perversa, alimentava e atiçava o incêndio.

O suposto sistema de opressão excitava o ardimento da reação.

A primeira carta de Frederico chegou pelo correio a Cândida, que recebeu-a em família, e que, precatada, foi lê-la no seu quarto e reserva­damente, sem observação alguma de Leonídia ou de Liberato, que aliás tinham também recebido cartas.

– Como respeitam o segredo de minha correspondência com Frederico!... – disse consigo mesma Cândida ironicamente.

A carta de Frederico a sua irmã adotiva era rica de sábios conselhos; mas para Cândida o importante, o essencial, estava nas últimas linhas que diziam assim:

“Minha irmã, ainda não sei quem seja a pessoa, sobre quem tomo in­formações; mas posso já assegurar-te, que ou é outro o seu verdadeiro nome, ou não é, como se diz, proscrito político.

Cândida atirou com a carta sobre a mesa e disse:

– Mentira! Não hão de conseguir enganar-me.