As Vítimas-Algozes/III/XXXIV

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A viagem de Frederico à cidade do Rio de Janeiro, com o fim preciso que ele tinha declarado a Cândida, inquietou Souvanel, que exigiu de sua amada a comunicação imediata de todas as informações que recebesse, e mostrou requintar de paixão, exagerando entretanto os seus temores do que chamava influência inqualificável de um rival que o aborrecia.

Por que se inquietara Souvanel? ... Arreceava-se dos embustes e das calúnias possíveis de Frederico?... Mas o amor de Cândida era tão fraco e frívolo, que por credulidade infantil cedesse às aleivosas imputações que fizessem ao escolhido do seu coração?... E Souvanel que teria conheci­mento dessas imputações, não saberia destruí-las, e, destruindo-as, não confundiria o aleivoso, e não se recomendaria muito mais, como vítima inocente de rancorosa intriga do rival? Além disso Frederico, tão querido e atendido pela família de Florêncio da Silva, não tinha meios poderosos para contrariar e combater esse amor, que apagara suas doces esperanças, sem abaixar-se ao vil e indigno recurso, que somente os miseráveis empre­gam?...

Por que se inquietara o jovem francês?

E amava ele realmente a Cândida?...

Se a amava, como resistia à ausência, e afora a sua visita de cortesia, nem uma só vez mais fora cumprimentar a família, que durante algu­mas semanas o hospedara?...

Se a amava, como se atrevia a propor, a pedir com instância à donzela uma conferência secreta, à noite, em lugar suspeito, isto é, como ousava, propor e exigir que a filha atraiçoasse ao amor dos pais, que a donzela afrontasse o seu recato, que a amada se aviltasse aos olhos do amante, que a noiva se nodoasse no conceito do noivo?... Há verdadeiro amor sem as delicadezas do respeito, que é o suave culto da estima?...

Se a amava, como torpemente ultrajava a Cândida, condenando-a a ter por ignorada rival a sua mucama?...

Souvanel não amava Cândida; explorava o infeliz amor da pobre moça; ambicionando enriquecer com o seu dote, e com a herança futura que lhe caberia por morte de seus pais; não esperava que Florêncio da Silva e Leonídia lhe dessem de boa vontade a filha em casamento; e, imoral e in­fame, planejava impor-se marido por triste necessidade de reabilitação de uma vítima.

Souvanel projetava seduzir Cândida, e procedia com implacável e fria maquinação.

Excitava incessante a paixão da donzela em cartas ardentes e não lhe aparecia para ser mais desejado, e tornar alguma vez aceitável a idéia da conferência particular: realizado o primeiro encontro secreto, seguro esta­va de outros.

Comprara a janela do quarto do escravo, do pajem fiel de Florêncio da Silva, e em desoras ali era recebido por Lucinda; porque sem Lucinda lhe seria talvez impossível chegar até Cândida.

Tendo sabido pela fatal mucama do dissimulado propósito com que Leonídia seqüestrava sua filha das assembléias e dos divertimentos públicos, exasperava Cândida, emprazando-a para se encontrarem em noites de teatro e de reuniões.

E finalmente interessava Lucinda no bom resultado da sua malvada trama, e não poupava instruções com que a escrava fosse pouco a pouco preparando a perdição da senhora.

O sedutor nem se descuidava, nem se precipitava.

A primeira informação mandada sobre sua pessoa, por Frederico, fez estremecer Souvanel.

– Demônio! – disse ele, machucando a carta que recebera de Cândi­da. – Demônio! É preciso andar depressa... Frederico é cão de caça...

Evidentemente, pois, o jovem francês trocara o seu verdadeiro nome pelo de Souvanel.

O sedutor escreveu a Cândida um bilhete de concisão refletida. “Cân­dida: – Morro por ver-te: amanhã à noite no teatro, ou depois d’amanhã à noite em indispensável entrevista, no quarto do pajem; se me ne­gas na entrevista a vida, ou no teatro a consolação, juro que não me verás mais sofrer: em qualquer canto do mundo te esquecerei, morrendo; ou no teatro, ou no quarto do pajem, ou adeus para sempre! – Souvanel.