Até que afinal!...

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Seria preciso consultar todos os curiosos sabedores das coisas desta cidade, para ao certo se avaliar desde quando esta vasta e heróica São Sebastião clama e chora por melhoramentos, higiene, água, calçamento, etc., etc. Porquanto, aferindo pelo que temos ouvido durante a nossa curta existência, esses queixumes e lamentos devem datar dos seus inícios, mesmo talvez desde quando ali, pelas bandas do Pão de Açúcar, ela surgiu incipiente e tosca.

Julgamos até, pois tão forte é essa nossa suposição que, ao transferir dali para o morro de São Januário, o núcleo da cidade real, Mem de Sá solene e honesto, houvesse mandado pôr nos finais das sesmarias que ia concedendo, algumas to­cantes palavras de súplica à Nossa Senhora e ao Menino Jesus, implorando-lhes a graça e a ajuda para aqueles que viessem povoar os brejos que ele via se estender pela baixada afora e pra longe e muito longe.

De resto, ao depois dele, os outros que lhe sucederam - boa, leal e heróica gente portuguesa - andaram por estas terras a rezar a Deus-Todo-Poderoso para que ele desse aos homens bons da cidade, a doce esmola de alguns quartilhos d'água, a alentadora dádiva de duas ou três estradas razoá­veis, por onde pudessem vir as abóboras da Fazenda dos Pa­dres e os camarões de Iguaçu.

E assim foi por tão longo trato de tempo que faz crer que isso mais não fosse senão aquela lamurienta semente de Mem de Sá que germinou, cresceu e frutificou. Frutificando, frutificou bem, pois embora, por vezes, pela cidade e recôncavo além, lavrassem a bexiga, as sezões, a "carneirada" e o cólera, eles, os antigos, e nós, os modernos, continuamos em face de tais flagelos a rogar pacientemente a Deus, com alguma fé, e a pedir humildemente aos reis, com muito cepticismo, socorros e providências.

Mas, não é em vão que a água mole e plástica bate incessante no rochedo duro e forte: ela cai uma, duas, dez, mil vezes, amolga aqui, arranha ali, por fim.., fura. E, também, furou a indiferença dos deuses e dos reis, o nosso melífluo queixar de três séculos e meio. Deus e o Congresso Nacional nos deram o Conselho Municipal.

Ao dizermos que nos deram o Conselho Municipal - bem parece equivaler a afiançar que íamos receber água, cal­çamento, luz e o mais em abundância.

Se houver acaso quem tenha dúvidas, pese bem os relevantes serviços que esse conselho, cujo mandato começou já, vai prestando a esta cidade.

Ele trata com fervoroso carinho a nossa heróica metrópole, tanto assim que lhe impôs novos tributos; ele a estima tanto que quer provocar a sua decadência comercial e indus­trial; ele a ama tanto que só trata de despovoá-la com as suas posturas draconianas; ele adora tanto o povo da cidade que só se preocupa em encarecer-lhe a vida...

Todos vós que amastes esta cidade, Sá, Mem e Estácio, Vaía Monteiro - o Onça, Bobadela, Passos e outros - exultai porque afinal ela tem o que precisa: um Conselho Municipal que quer o seu total aniquilamento.

Para isso ser obtido, foi preciso que fossem procurar os seus vereadores em todo o Brasil, menos no Rio de Janeiro.

A.B.C., Rio, 2-2-1918.