Breve e verdadeira demonstração dos princípios e progressos do Governo que João António de Sá Pereira fez na Ilha da Madeira

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« O Senhor Rei D. José Primeiro que Deus tem em glória, sabendo com desgosto a inquietação a desordem que se havia perpetuado na Ilha da Madeira, na qual não só os Naturais sofriam os efeitos da Liberdade, a malevolência de uns contra os outros, mas ainda o Prelado Diocesano, os Ministros de S: Majestade ate o mesmo Governador eram precisados a figurar activa ou passivamente naquela desordem Sabendo igualmente que a boa inteligência a zelo do honrado Governador, que então governava naquela Ilha se achava ineficaz pela sua avançada, enferma a decrépita idade contra as forças que tinham adquirido os Naturais para lhes fazer outro benefício mais do que lamentar em tais circunstâncias a ruins, em que via aquela boa paste dos Domínios de S. Majestade : Mas conhecendo o mesmo Senhor perfeitamente a actividade militar a prudência económica, o Zelo de João António de Sá Pereira, não só por experiência própria mas também pelos créditos, que dele davam os seus Generais pelo pronto cumprimento das mais importantes diligências de que o encarregavam a pelas úteis a felizes providências que deu per si em benefício dos Povos do Alto-Douro no tempo da campanha, o faz passar do Posto de Coronel, que exercitava na Praça de Chaves para Governador e Capitão General da dita Ilha; prevenindo-o das mais significantes recomendações, para que averiguando a
raiz daquela desordem procurasse restabelecer a necessária sociedade civil, e a boa harmonia, que faz a estabilidade, e a felicidade de qualquer País; e para que ao mesmo tempo promovesse a Polícia, a Agricultura e o Comércio, como bases fundamentais de todo o bom governo.
A primeira das ditas recomendações era expressa no do seu Regimento nos termos seguintes: Que devia examinar primeiro que tudo o carácter comum dos Povos, que ia governar, para que as suas disposições se confrontassem com as proporções cios governados: E por isso logo em tempo oportuno, depois de chegar á dita Ilha, cuidou em espreitar as ideias comuns dos seus habitantes, e as particulares dos que faziam mais figura na desordem; e achou por uma parte, que pelo fundamento de uma educação preocupada de originais abusos, e de uma total ignorância dos principais deveres políticos, e cristãos; e pela outra parte, que pela mutua e quotidiana comunicação com os Ingleses, cujas máximas de liberdade Nacional insensivelmente arremedavam, ignorando o seu sistema, e igualmente o diferente espirito das Leis deste Reino, vinha tudo isto a produzir um Monstro informe de prepotência, e liberdade arbitrária, e sem sistema, a qual era mais visível, e mais perigosa na Nobreza animada da sua riqueza, e da sua vaidade.
Parece escusado individuar quais eram os frutos destas preocupações tão monstruosas, como lastimáveis; quais as opressões, que nuns faziam aos outros sem temor das Leis de Deus, e do Rei; e qual a aflição e angustia de quem era obrigado a governá-los, como Deus, e o Rei queriam : Basta só saber, que a intriga, a murmuração, o ódio a divisão, a prepotência e até o mesmo homicídio passavam por actos indiferentes e já como insensíveis no seu erro, e ignorância; pois chegava a ser comum entre eles : Que ali ninguém morria ou era castigado, por que enatasse ou revoltasse.
Isto assim o provavam com factos certos; como era por primeiro exemplo a Rebelião, que haviam feito no ano de 1644, contra o Governador Luís de Miranda Henriques; pois ainda que se quis ter procedimento contra o vereador Manoel Homem da Câmara, principal cabeça da dita Rebelião, este se refugiara na casa da Câmara, e aí matarão o Desembargador Gaspar Mouzinho Barba na presença do Governador sucessor Nuno Pereira Freire, porque quisera prender o dito vereador, sem que de tudo isto resultasse castigo, ou pena alguma; pois tudo se tinha serenado: Como era por segundo exemplo a outra Rebelião feita em Setembro do ano de 1668, contra o Governador D. Francisco de Mascarenhas, a quem os Naturais prenderão, nomeando, e pondo eles mesmos em seu lugar com o nome de novo Governador a um dos seus Potentados da Terra, chamado Aires de Ornelas e Vasconcelos; sem que disto se lhes seguisse incómodo considerável: E como era opor terceiro exemplo muitas mortes feitas por Fulanos em tais tempos, que individuavam, sem que nunca constasse, que por elas fossem mortos os seus agressores; pois que tudo se tinha remediado oportunamente.
Estas e outras muitas semelhantes eram as ideias daquela ignorante, e infeliz gente; e elas tinham tomado todo o vigor pela indicada ineficácia do dito Governador decrépito pito, que o era havia muitos anos, o qual por prescindir de toda a coacção, era por eles já tratado, como se não existisse, se não para o desprezo: E como as mesmas ideias se estendiam ao Sagrado, e achavam resistência, e correcção no Bispo dentro dos limites do seu caracter, e pastoral ofício, ele estava sendo o alvo de mil injurias è de mil injustiças, quando o dito João António de Sá Pereira foi governar tão lastimável terra.
Era não só justa, e necessária, mas também expressamente ordenada aos Governadoresno seu Regimento, e em outras ordens existentes na Secretaria do Governo toda a boa harmonia, correlação e auxilio, que deviam prestar aos Bispos para a conservação do seu caracter e autoridade, e estas são também as ordens expressas em todos os Domínios Ultramarinos: Isto porém era violento àqueles Naturais da Ilha, porque sustinha o ímpeto da sua liberdade; e por isso entrarão a introduzir, e semear pela Família do dito novo Governador, e a tentar com sagacidade nas práticas com o mesmo Governador todos os meios termos, que podiam vir a ser tendentes a malquistalo com o dito Prelado; mas uma reflexão prudente e decisiva do Governador coibiu por uma parte estas tentativas, evitando per si em forma expressa, e proibindo á sua Família expressissimamente toda a semelhante audiência.; e evitar por outra parte que se procedesse em qualquer questão, que podesse entender-se ou alternativa ou mutua entre o Governador, e o Bispo, sem que primeiro particularmente conferissem, a ajustassem o melhor meio de se conservar o decoro de uma e outra Autoridade; e neste constância se conservou até ao fim do Governo.
Não foi menos constante contra os repetidos assaltos, com que os Naturais pretenderam perverter a boa harmonia, que viam ser sucessiva entre o Governador e os Ministros de S. Majestade naquela Ilha, com os quais, e com os seus sucessores até ao fim do governo cuidou sempre ter, e conseguiu o dito Governadora mais particular correlação e acordo, e que o houvesse entre enes mesmos, por entender, que este era um muro político o mais forte,, que se devia opor contra a intriga, e Liberdade dos Naturais, que só então se lisonjeariam de a praticar Li seu salvo, quando vissem desunidas estas principais colunas, que deviam exemplificar toda a tranquilidade, e coibir de comum acordo toda a perturbação.
Já se vê que tudo isto ia a fixar em um ponto claro de obediência, e sujeição as leis de Deus e do Rei, que os Poderosos daquela terra mal sofriam : E então se lhes fez mais insofrível, quando o dito Governador teve toda a mais rara indústria de descobrir estabelecida entre a principal parte dos ditos Poderosos a infame, a herética seita dos Pedreiros Livres que lastimosamente viu propagada entre eles, e alguns Estrangeiros, não só por provas externas dos seus procedimentos, mas sim principalmente pelo ocular descobrimento dos Estatutos da Seita, da secreta cifra da sua correspondência, dos instrumentos característicos da mesma Seita, como triângulos, folhas, luvas, aventais, etc. e pela expressa confissão de um Francês, que era o Mestre, ou Venerável da Sua Loja, que tudo remeteu, e se há de achar em Numa das Secretarias de Estado.
Ora era impossível, que tendo a prudência e o zelo do Governador reconhecido e tapado tantas portas da Libertinagem e Liberdade daquela gente, chegasse desde logo a concluir uma pura tranquilidade, que lhes era mais violenta á proporção que o seu orgulho deixasse de brotar alguns produtos contra os quais se fazia precisa a proporcionada coacção, sem a qual seriam ociosos todos os pontos de vista do dito Governador, a quem as Leis de Deus, e do Rei incumbiam a necessária providência.
A extrema ociosidade, e a igual ignorância daqueles Poderosos eram os dois pólos, em que a sua malícia activíssima fazia revolver todas as suas acções: A ociosidade os ajuntava quotidianamente em diferentes assembleias de uns em casa dos outros, e a sua ignorância e malícia não lhes podia fazer ter outros discursos, e procedimentos, que ainda sendo refreados, deixassem de produzir inquietação; mas vendo o Governador, que carregava excessivamente na sua consciência não refrear o mal que devia e podia evitar; e pensando que só alguma separação dos Chefes destas tristes assembleias podia mitigar o ardor da desordem, que multiplicavam, ainda assim os tratava com tal suavidade, que só os fazia passar alternadamente para algumas suas quintas, onde por divertimento
costumavam ir passar o verão; mas com tão bom acordo que logo que eles protestavam a emenda em poucos meses os mandava chamar, fazendo-lhes crer, que não tinha outro intento, nem o seu animo era mais do que, que eles vivessem
como Deus, e o Rei queriam ; pois em tudo o mais de que as suas casas e Famílias necessitassem da protecção do Governo, a achariam pronta, como eles
experimentavam.
Este era o suave modo de atrair os Pais, por que já não podiam ter outras ideias pelos seus fundamentos; aos Filhos porém tanto primogénitos, como segundos dos ditos chefes mais poderosos pensava, que não podia fazer maior beneficio do que promover-lhes outros conhecimentos, e instrução pelos alicerces, para que não imitassem cegamente as inclinações dos Pais; e por isso para que abrissem os olhos da necessária inteligência dos seus deveres, promoveu que S. Majestade mandasse passar-lhes os Alvarás dos seus Foros competentes, e que os que podiam ter subsistência no Colégio Real de Nobres, fossem nele admitidos, o que com efeito se verificou com muito agrado e aceitação Regia de S. Majestade a favor de uns seis dos ditos rapazes mais distintos; e que aos outros rapazes nobres, que não tinham a mesma subsistência permitisse o mesmo Senhor alguma vantagem de honra do seu Real serviço nas Partes da América, ou Ásia, para o que deu o mesmo Senhor o seu Beneplácito Régio, mandando uma Não da coroa com positivas ordens de comodidade, e distinção a favor dos que o Governador tivesse persuadido para aquele fim, e com promessas de interesses graduais á proporção dos anos, que servissem naquelas partes; e com efeito se aprontaram uns dez para aquele destino. Por estes alicerces de autoridade louvável, e de instrução concluiu o Governador, que já estes dezasseis rapazes nobres se costumassem a aborrecer a infâmia da ociosidade, e da ignorância, para que viessem a ser úteis á Pátria, fossem o incentivo de nobre emulação aos seus compatriotas: Mas ainda não pararão aqui as diligencias do Governador; por que via toda a mais restante Mocidade sem meios alguns da sua instrução; ' por isso por uma parte instou ao Presidente da Mesa Censora, e conseguiu peja mesma Mesa Mestres de ler e escrever e contar, que parece duro de acreditar, que não havia ao menos públicos; como também Professores de Gramática Latina, Retórica, e Filosofia, de que totalmente se carecia; e pela outra parte estabeleceu uma Aula de Geometria e Desenho; em que mandou ler um Sargento-Mór, e depois um Ajudante de Engenheiros, que em varias Actas publicas mostraram a sua aplicação, e desempenho, e não menos um dos Discípulos, que passando depois para a Universidade de Coimbra a concluir os seus estudos, é hoje um dos Lentes de Matemática da mesma Universidade.
Isto que assim acontecia na Ilha da Madeira, ainda assim não fazia paralelo algum com a extrema calamidade e miséria, a que estava reduzida a Ilha do Porto Santo; pois a distancia de dezoito Léguas por mar, a falta de comunicação estranha do País a esterilidade do terreno, a inacção e inabilidade dos Naturais, a pobreza e sobretudo isto a inacreditável soberba rústica deles, são casos estes, que não se podem bem referir, nem conhecer, se não sendo vistos: Aqueles miseráveis assim mesmo pobríssimos, e. na maior parte quase descalços, e atados com uma corda pela cintura, blasonavam ascendências muito nobres dos primeiros Povoadores, e que o trabalho era indigno deles: Numa sua Câmara composta deles mesmos era quem os governava havia muitos anos depois da morte do seu Donatário; e quase todas as terras da mesma Ilha eram possuídas pelos Naturais da Madeira, que só davam aos outros as meias do seu trabalho; e por isso em todos os anos era já como certo perecerem a fome, se da Madeira por lamentações da mesma Câmara, e das turmas, que vinham daqueles infelizes, não fossem socorridos pela Fazenda Real.
O dito Governador porém reflectindo de espaço sobre os princípios destas calamidades; sobre as lesões inevitáveis da Fazenda do Rei ; sobre o perigo próximo da deserção, ou morte daqueles infelizes; sobre o grave prejuízo da Coroa, em que a Ilha neste caso fosse por outra Nação ocupada; sobre a total falta de industria, e de artífices, até de. carpinteiro, pedreiro, sapateiro, alfaiate, ferreiro, sangrador e barbeiro de oficio; e finalmente sobre tudo o ponderável de providencia, e beneficio, se aplicou com todo o cuidado a instruir as suas informações para S. Majestade, mandando com elas á sua custa um dos vereadores daquela Câmara; e em consequência se expediu o providentíssimo Alvará de S. Majestade de 13 de outubro de 1770, que está incorporado em Direito. Mas o zelo, que o dito Governador tinha em tudo o que era do Real serviço, e interesse dos Povos, não se contentou com fazê-lo passar a dita Ilha do Porto Santo com os Ministros, Milícias e Engenheiros necessários, tudo á sua custa, a estabelecer as literais providencias do dito Alvará ; mas vendo que em ficar a sua consequente execução no poder e direcção da dita Câmara, nada podia
subsistir em boa regulação, deduziu do espirito do dito Alvará a Autoridade de trabalhar um extenso Regimento, que fez, chamado de Agricultura e nomeou para toda esta execução um Inspector Geral escolhido dos da Ilha da Madeira, ao qual arbitrou 400$000 rs. anuais de ordenado, que pagaria ã sua custa, se acaso todas estas Providencias não fossem, como foram aprovadas, e tidas em bom serviço por Decreto de 5 de Março de 1774, que se acha no Erário Régio. As felizes consequências destes desvelos foram não menos do que estabelecer-se naquela Ilha o próprio sistema de Agricultura; fazer-se esta por isso capaz de sustentar os seus habitantes por precisa obrigação do terreno, que habitavam;
fazer-lhes crer, que só seriam reputados Nobres, e dignos de empregos aqueles, que se ocupassem neste exercício ; plantarem as arvores frutíferas e silvestres, que com admiração ali nem para queimar se viam ; haverem mancebos ensinados em todos os ofícios que se fizeram vir aos pares aprender á Ilha da Madeira; e foram finalmente fazer subsistir com prazer uma Ilha dos Domínios de S. Majestade, que a fome e a miséria fazia abandonar.
Deixemos por agora a Ilha do Porto Santo no referido estado de Regulação, e Providencia, que com zelo eficaz promoveu o dito Governador, e passemos a continuar na relação dos seus úteis desvelos em beneficio da Ilha da Madeira, a favor da qual já ficam demonstrados os presíssimos fundamentos de instrução e tranquilidade, que o dito Governador solicitou, e que são as primeiras bases dá felicidade de qualquer estado: O certo é que no decurso de quase dez anos do seu governo ele experimentou ver os Povos desafogados da opressão e violência dos Poderosos; conterem-se estes um pouco mais ou com temor, ou talvez já com vontade dentro dos limites da razão; e viverem todos, uns á sombra e outros a impulsos os mais prudentes da justiça.
Destes princípios da maior ponderação passou a examinar os da subsistência e interesses daqueles Povos, e achando, Sue eles consistiam unicamente na colheita, condição, e comércio dos seus bons vinhos, e que o credito destes se ia arruinar nos domínios Ingleses, para onde era a sua principal extracção, como desde Londres lhe avisava o nosso então Embaixador, e agora Secretario de Estado, pelas lotações, que ou na colheita, ou no embarque faziam os traficantes, não houve desvelo, trabalho, eficácia que deixasse de pôr em remediar o credito, essencial fundamento da subsistência daqueles Povos: Ele repetiu as suas instancias pedindo a S. Majestade todas as ordens de Providencia: Ele na demora delas se viu precisado a trabalhar uma proporcionada intensa Regulação do que se devia praticar naquela matéria por toda a Ilha: Ele a mandou á censura, e aprovação de S. Majestade, e depois a publicou, e fez cumprir: Ele para o seu cumprimento acariciou gratuitamente os Agentes necessários em todas as Freguesias : Ele não só para instrução destes, mas também para credito nos Países Estrangeiros de que ali se cuidava eficazmente na pureza dos vinhos mandou trabalhar, e remeter grande quantidade de copias da dita Regulação : Ele finalmente conseguiu, que este principal, e quase único género de Comércio daquela terra recobrasse o credito perdido para felicidade delia., Vendo porém que o Comercio destes vinhos para a Ásia estava sendo como privativo, e muito interessante aos Estrangeiros, que todos os anos ião ali embarcar muitos centos de pipas de vinho, e que em Portugal se não tinha aprendido deles este útil ramo de Comércio, pediu e instou aos Comerciantes Portugueses do seu conhecimento em Lisboa, e rogou ao Ministro de Estado que influísse nelesmmandarem ao menos uma Nau da Índia uma vez a tentar a utilidade, que lhe provinha de algumas pipas, que ali fosse receber. Foi a primeira mandada por Inácio Pedro Quintella, e não foi precisa outra instancia ; pois se multiplicarão depois estes transportes, de sorte que depois disso tem havido ano, em que nas Nãos Portuguesas se tem extraído mais de duas mil pipas com interesse vantajoso tanto dos Naturais pela sua venda, e extracção, como dos Comerciantes a quem os seus lucros ensinam a continuação. E que utilidade é a que não tem resultado desta nova extracção Portuguesa aos Naturais da Madeira, desde quando pelas sucessivas, e diuturnas guerras novas das Potências beligerantes ficou em grande parte suspensa a extracção destes vinhos, que principalmente tiravam os Ingleses ? A quem deve a Madeira esta promoção de felicidade ? E a quem deve a Fazenda d,) Rei, que pela renovada boa regulação dos vinhos, e por toda a sua referida extracção receba na Alfândega daquela ilha cada ano acima de sem mil cruzados á proporção quase de dez mil pipas que se embarcam, pagando cada uma de direitos., quando pouco a 4$400 ? Certamente a ninguém o devem, se não ás diligencias, e desvelos, que o dito Governador tinha no serviço de S. Majestade e na felicidade dos Povos que governava. Ele para as Freguesias dentre Norte e Sul da Ilha capazes de admitir maior cultura,e pastagens trabalhou outra proporcionada Regulação sobre o modo, tempo e sítios que alternadamente deviam ser ocupadas de gados, em parte para o seu sustento, e em parte para o necessário estrume das terras, mas sempre debaixo de rigorosa assistência de Pastores contra o prejudicial costume da Ilha, onde a liberdade dos gados afrouxava o sistema da Agricultura, e causava inquietações de que não se dispensavam os prejudicados, ou uns o fossem pela devastação das suas searas; ou outros o fossem pela violenta morte das suas rezes danosas : 0 certo é que havendo numa grande penúria de carne fresca nos Açougues em o; primeiros tempo, em que o Governador ali chegou, valendo-se então os Naturais de carnes salgadas estrangeiras, foram tão úteis aquelas providencias, que ene poucos anos entrou a abundar a Ilha de toda a sorte de carnes frescas em forma, que sem violência suportava a grande extracção de refrescos respectivos, que frequentemente faziam ali as muitas Naus e Navios estrangeiros. Ainda muito mais fez reconhecer àqueles Povos o incessante cuidado, com que se desvelava na sua natural subsistência; a qual dependendo quase para tolo o latino de viveres dos Países estrangeiros em troca dos vinhos da terra, que fazem a principal Agricultura dela, tinha acontecido em quase todos os anos antecedentes, e aconteceu depois que aquele Governador se ausentou, chegar a repartir-se até pela justiça (para se evitarem tumultos) os poucos viveres, que havia; porém o dito Governador tendo na memória sempre em todos os anos o necessário calculo de multiplicação, ou diminuição dos habitantes da Ilha; mandando que pela Secretaria do Governo se tomasse relação de todos os viveres, que pelas únicas vias de mar chegavam á Ilha, sem cujo manifesto se não habilitavam os Navios a darem entrada na Alfândega; proporcionando a quantidade de viveres existentes com o numero dos habitantes, e promovendo que em caso de receio de
sua abundância os Negociantes de maior correspondência dessem as ordens
oportunas para lhes chegarem as remessas necessárias conseguiu que em quase dês anos do seu governo houvesse toda a precisa subsistência, que até concorria ia para que os Povos fossem aliviados da carestia. Parece que todos estes eram os mais essenciais pontos de vista, que o dito Governador podia ter para felicidade e subsistência dos Povos do seu governo: e que será um manifesto abuso da razão, que assim se não reconheça :Mas ainda não parava nisto só o seu zelo eficaz, para desempenho dos créditos, que tinha perante o seu Rei, que o havia eleito, e mandado presidir a estes Povos; pois além destes projectos da sua subsistência, procurou afastar-lhes todo o mal em comum, e provê-los de remédio nas suas necessidades.
Gritavam os doentes ás portas do Hospital incumbido á Administração da Misericórdia, e não havia quem lhes abrisse as portas, contra o costume, e obrigação desde o estabelecimento do dito Hospital : Sabiam todos que esta administração havia anos estava toda em umas certas Personagens da Nobreza mais faltas de Cabedais, e que nelas caiam todos os anos as eleições de novas Mesas só com os nomes trocados de Mordomos para Escrivães ou Tesoureiros, ou pelo contrario: E murmuravam todos de que os rendimentos do Hospital tinham mil descaminhos todos sórdidos, e lucrosos para os indivíduos da Mesa. e assim o afirmavam com demonstrações de factos certos, que o dito Governador até por obrigação do seu Regimento examinou, e achou como uma prova provada; sendo estes os motivos, porque não só perto de trinta mil cruzados de rendimento antecedente para nada chegavam; mas também até os seus capitães estavam, em uma grande parte consumidos ou em se pagarem ás partes o valor de penhores de ouro, e prata, com que seguravam o dinheiro que pediam a juro; pois que estes penhores desapareciam do cofre, onde se guardavam; ou em se darem aos parentes dos Mesários sem segurança alguma.
Este mal era comum contra os miseráveis doentes, e necessitados; e por isso o Governador providenciou contra este mal rogando muito ao Bispo quisesse ser o Provedor daquela Mesa, e fez com que fossem escolhidos os mais oficiais dela entre as pessoas mais zelosas e honradas; e fazendo-lhes além disso efectiva toda a justa protecção do Governo para tudo o que ainda podesse remediar-se, conseguiu em poucos tempos ver a sua piedosa eficácia desempenhada com a caridade, a assistência, com que eram recebidos o tratados os miseráveis doentes, que àquela Santa Casa se acolhiam.
Ainda mais trabalho, e desvelo lhe foi preciso quando no ano de 1770 vendo arderem os campos da Ilha em uma arrebatada epidemia de moléstias, que a nenhum sexo ou idade perdoavam ; vendo que a infeliz pobreza era a que mais depressa, e em maior numero terminava os vitais alentos por falta de Medicina, de' sustento e de assistência ; e vendo finalmente que até a multiplicidade de enterros, e nas consequências por falta das cautelas necessárias, podiam inficionar, e corromper os ares daquela região ; entrou precisamente, desde logo que isto lhe constou, no mais eficaz e justo cuidado sobre o modo de remediar todos estes importantíssimos objectos ; e com efeito parte com mandar Médicos, e Cirurgiões, quanto cabia na possibilidade para todos os sítios da epidemia com instruções, que adquiriu do grande Medico Tomas Heberden ; parte com remeter para o sustento dos miseráveis os efeitos importantes da cai que ao seu zelo oferecerão o Prelado, os Negociantes e outras Pessoas pias, entre as quais não deixou o dito Governador de fazer uma principal figura; e parte em dar per si, e pelo mesmo Prelado todas as precauções necessárias ias nos enterros; com tudo isto assim obrado é certo que serenou a epidemia, convalescerão os doente, e ficou satisfeito o seu desvelo em beneficio do Estado que governava. Não foram estes só os efeitos do seu zelo em beneficio da saúde publica : Desabusou os Naturais da reocupação de conservarem nos seus quintais mesmo dentro da cidade capital a planta chamada Inhame, que a alguns servia de miserável sustento, mas não se cria senão mergulhada em agua, a qual sendo detida como era necessário em todo o ano nos ditos quintais, se corrompia com infalível prejuízo da saúde publica; podendo os ditos quintais produzir legumes, e hortaliças, como a experiência com satisfação lhes mostrou : Nos campos porém onde o curso das águas, e a liberdade do ar não ameaçavam o mesmo perigo, não teve duvida na livre conservação da dita planta. Além disto vedou totalmente a introdução, e venda do sal mineral, ainda menos pelos prejuízos políticos e pela irrisão de que tendo Portugal abundância de sal marinho salutífero, que até os Estrangeiros veta comprar e conduzir com vantagem deste Reino, estivessem aqueles néscios Naturais comprando o dito mineral desentranhado, e conduzido dos terrenos estrangeiros : O mais era ¡elos prejuízos da saúde publica, que pelas observações de diversos químicos que tem escrito sobre a sua qualidade, não como consequentes necessariamente. E para que enfim não houvesse incómodo, ou prejuízo algum de que o dito Governador como Pai vigilante não quisesse precaver aqueles Povos do seu Governo, foram muitas as ordens, que passou, com que por muitas vezes fez estar no mais exacto acordo a todos os Comandantes dos Portos, ou sítios de desembarque de toda a Ilha, para que por eles não se desse entrada a gente de navio algum pelo perigo de vir inficionada de, algum mal contagioso : Fez que os que vogavam, pela Cidade se contivessem dentro dos sítios a eles destinados fazendo-lhes prontamente mente assistir com o que lhes era devido: Proibido que nas tabernas se vendessem vinhos derramados, para cuja execução destinou, e fez cumprir vistorias nelas quase de oito, em oito dias: E teve finalmente toda a vigilância em que os Almotacés dessem repetidos
varejos pelas Lojas e graneis para vedarem que se vendessem frutos, arenques, e
carnes salgadas, que estivessem corruptas. Mas claro fica que todos estes diferentes ramos de providencias por um sistema sucessivo, fazem o distinto
caracter de um bom Governador.
Não havia além disso naquela Ilha caminhos alguns por onde sem um evidente perigo de vida, se podesse passar de umas para outras Freguesias, e ainda sair da
Cidade mais de meia légua para o que concorria a quase inacessível fragozidade
de montes, e vales em que consiste a sua superfície : Não haviam as pontes necessárias para a passagem além das muitas ribeiras caudalosas, que principalmente no inverno fazem horror, por entre os referidos montes: Finalmente era quase impossível a comunicação da Capital com às Vilas e Lugares de toda a Ilha que não fosse unicamente pelo mar, que no inverno é bravíssimo: Mas o zelo, o desvelo, o cuidado do dito Governador em persuadir pios Povos esta grande importância, e procurar todos os meios, cálculos, e arbítrios para tão útil, e necessário objecto, fez que sem violência, antes com satisfação se comunicassem as Freguesias do Norte com as do Sul, onde está a Capital da Ilha, e umas com outras Vilas, e Freguesias por estradas, e pontes que fez construir quanto era possível.
O certo é que o remédio oportuno a estas e outras semelhantes negligencias daqueles Naturais estava reservado para o incessante zelo do dito .Governador assim como para ele estava reservado o desabusar os ditos Povos até de preocupações as mais selvagens, que se podem sonhar em Terra de Cristãos, a que o Bispo não podia acudir por falta de precisa coacção.
Seja um abuso por exemplo o que praticavam nos vodos do Espirito Santo, como chamavam, pela Festa de Pentecostes com os seus chamados Impemos, que em cada rua da Cidade se ostentavam: A piedosa consideração da Ordem. do Livro 5 ° N.° 5, tinha permitido os ditos vodos certamente com o único motivo, como é a todas as mais puras luzes manifesto, de que neles se praticava a simples, e santa caridade dos fieis para com o próximo mais necessitado; mas porém as chamadas esmolas, que se extorquiam por sortes de grande valor; os sumptuosos Teatros públicos, que se erigiam ; as competências de luxo neles ; as guias ; as ebriedades; e as demasias, que até á noite do dia do Espirito Santo se cometiam, e até ,a concorrência de ambos os sexos, que em noites sucessivas vinham por entre sombras, e com muitas ofensas de Deus aplaudir a iluminação, e as orquestras de Musica naqueles Teatros da, vaidade; tudo isto foi regulado com, a proibição das lucrosas, e violentas sortes aceitando só as esmolas que os fieis quisessem dar por caridade, e com a única permissão das solenidades das Igrejas, e dos Teatros símplices, e decentes, em que os daquele dia não passassem de sopas, vaca, e arroz, e pão, e vinho, cai beneficio dos pobres que concorressem ; aplicando-se o restante, se o houvesse, para esmolas particulares de pessoas recolhidas, e necessitadas.
Seja outro abuso por exemplo o abominável, e já pela antiguidade como indiferentes costume de fugirem as mulheres ou furtarem-nas os homens com o seu consentimento de casa de seus pais e parentes para mutuamente casarem, antecipando a tão santo sacramento tantos escândalos, e tantas ofensas a Deus : Esta pratica era vulgar com poucas excepções entre a Nobreza, e já quanto se presumia que fulano queria casar com fulana, se tratava quando seria a noite da fugida ou do furto; o qual exemplo já miseravelmente tinha passado para os da segunda condição; porque a todos no seu modo de pensar o terreno era lucroso : Aos pais porque com alguns tempos de exterior sentimento que ordinariamente fingiam se isentavam de despesas; e aos filhos, porque interpretada a indiferença dós Pais pela igualdade das pessoas concluíam, antecipadamente o que de outra forma levaria muitos desvelos e muito tempo.
Já estavam sendo tanto como naturais na ignorância, e insensibilidade daquelas gentes estes casamentos, que já passava por um rigoroso ditame de civilidade, que os futuros noivos no dia seguinte ao roubo se vestissem com asseio, e fossem ás casas das pessoas principais, e dos seus amigos dar parte que a sura Fulana tinha sabido de casa de seus pais, ou parentes para casar com ele: O primeiro, que era um dos ditos cavalheiros da terra, que foi dar uma semelhante parte no dito Governador, sabido o caso, não teve audiência alguma, mas antes o dito Governador lhe mandou com enfado, e dissabor a significante resposta, de que se a sua miséria, ou malícia o havia arrastado a obrar um tal absurdo contrario ás leis de Deus, e do Reino, se envergonhasse. dele, e não tivesse o atrevimento de ir dar-lhe semelhante parte, com a qual mais provocava o castigo competente: O certo é que com esta repulsa, e com as ameaças que ó dito Governador entrou a persuadir em outros semelhantes casos, serenou, e se fez mais conhecida a malícia daquele abominável costume.
Já se vê; que não houve objecto algum de providência necessária naquela terra, a que o dito Governador não se aplicasse com todo o zelo; mas ainda resta mostrar o que ele teve por arrecadação, segurança e economia da Fazenda Real que era um dos artigos da sua maior paixão, bem entendendo, que nela se estabelecem as forças do Estado, e o respeito do Reino: Será justo tocar de passagem, e trazer a memória os importantes Direitos, que renovou acima de cem mil cruzados consequentes da extracção, e comércio dos bem reputados vinhos, de que já neste papel se tratou, pagos na Alfândega da Ilha : Não será ocioso referir que a sua
Presidência a todos os actos de arrematações das Rendas Reais e Dízimos desde o principio do Governo, as fez pôr em toda a segurança, e boa arrecadação, desterrando muitos abusos, e as chamadas testas de jarro, cujos conluios e secretas negociações, vinham a ser prejudicialíssimas á Fazenda do Rei: Nem será insignificante declarar, que vendo o dito Governador que naquela Ilha não era reconhecido o Rei com direito algum de vassalagem, pois nem Sisas, nem Decimas nem outro algum Direito pagavam, não mais que um chamado Finto de nove mil cruzados, que nem no Erário entram, pois são aplicados para as Fortificações da mesma Ilha, e nem mesmo esta diminuta porão se arrecadava desde o anho de 1752: Ele logo desde o primeiro ano do seu Governo fez que entrasse a arrecadar-se desde o tempo vencido com tal suavidade dos Povos, que só ordenou para os anos sucessivos em cada ano a arrecadação de dois anos, cuja
importância vinha a ser dezoito mil cruzados anualmente ate chegar a extinção dos anos vencidos, para daí em diante se cobrar direito da obrigação.
Estes e outros muitos eram os ramos de que se compunha a proporcionada massa da Fazenda Real da mesma Ilha; mas ela por outros princípios estava padecendo importantes lesões e as estava também causando a uma grande quantidade de particulares desde o ano de 1711, sem haver quem soubesse, ou com zelo se aplicasse a informar a S. Majestade os prejuízos recíprocos a origem deles, e o modo de remedialos. Com efeito entrou o Governador neste exame, e averiguação, e concluiu, ser prejudissialissima, e até cruel a pratica de que todas as importâncias dos contratos, que se arrematavam por diversos Rendeiros, desde
logo se carregassem em debito aos Almoxarifes e Recebedores respectivos, sem
que estes houvessem, ou podessem, como claramente se vê, terem recebido as
ditas importâncias, . quando lhes eram carregadas.
Acontecia por isso, que acabando os ditos Almoxarifes ou Recebedores os seus triénios, ou falecendo eles, era pratica inalterável, que logo sobre a sua fazenda, e da dos ditos Rendeiros caía um violento sequestro, ainda que as suas contas estivessem per si, e pelos ditos Rendeiros quase correntes, ou de todo correntes; pois o Provedor da Fazenda, que era mandado ter ex officio estes procedimentos, não tinha autoridade alguma para aprovar as ditas contas, as quais só se devi-o aprovar nos primeiros tempos pelo Conselho da Fazenda, e depois pelo Erário Régio, vindo os Almoxarifes, e Recebedores ou seus herdeiros a gastar anhos, e cabedais em Lisboa primeiro que ficassem desembaraçados.
Por estes inconvenientes insuportáveis não se tinha liquidado conta alguma desde o dito nano de 1711 ; e por isso existi-o os ditos sequestros, que desde então se tinham feito, de sorte que as fazendas estavam perdidas; os herdeiros dos Almoxarifes e Recebedores estavam miseráveis e a Fazenda Real estava prejudicada em quase 4000 cruzados, que lhe devi-o, e não recebia: Avista de tudo o referido, que o dito Governador formalizou com a devida extensão, e verificou plenamente,. concluiu com o bom acordo de que S. Majestade devia prontamente fazer expedir á Ilha da Madeira desde o Erário Régio Oficiais competentes, e com autoridade de liquidarem todas as referidas contas, para que em consequência fosse paga a Fazenda Real, até onde chegassem os bens de uns, e se entregassem aos outros aqueles que ficassem livres.
Então é que S. Majestade foi servido criar, e mandar estabelecer debaixo da Presidência do dito Governador a Junta da Fazenda da dita Ilha não só com autoridade, Deputados, e Oficiais destinados aos ditos fins, mas lambem para sem dependência do Conselho da Fazenda continuar nos anhos sucessivos a providenciar per si os ditos respeitos; ficando por isso a Fazenda Real na mais pura, e perfeita arrecadação; e os seus exactores, rendeiros e recebedores sem a prejudicialissima violência acima referida, e devendo todos um tal beneficio ao conhecido zelo do dito Governador. Fica demonstrado que não houve efeito algum de providencia, que ocorresse ao dito Governador em beneficio de serviço
de S. Majestade, e em beneficio do comum, e particular da ]lha de seu governo, e da mesma Fazenda do Rei, em que estivesse ociosa a eficaz vontade, que o dito Governador tinha de satisfazer ás leis de Deus, ás do Rei e ás obrigações do seu oficio.
Tristes e por isso estranhas consequências deste louvável mas infeliz Governo. Tendo o dito Governador já excedido três triénios de Governo, sem lhe serem deferidas as suas instancias repetidas para lhe ciarem sucessor no mesmo Governo, e isto certamente por que S. Majestade se via bem servido, como era notório, subiu ao Trono a Rainha N. Senhora, e logo o mesmo Governador conseguiu licença regia, para partir a esta corte em navio, que desde logo mandou afretar á sua custa: Tal era ti vontade de não responder por mais tempo pelas significantes, e laboriosas obrigações de um Governo Ultramarino, as quais só pesam deveras sobre quem as conhece, e as deseja cumprir.
Embarcou o dito Governador com a sua família, e logo imediatamente a liberdade dos Poderosos, que havia estado sufocada pelo tempo do dito Governo; mas não extinta, porque as raízes eram as mais profundas, se soltou com ímpeto tão estrondoso, que á vista e á face do dito Governador demorado no Porto da Cidade por falta de vento parti o seu transporte se iluminaram as casas dos Rebeldes, se lançaram fogos de artificio, que em segredo tinham preparado, se levantarão clamores de injurias, e ditérios pelas ruas, e se fizeram assuadas as mais barbaras, e escandalosas contra o mesmo Governador, ou contra as obrigações de vassalos fieis ao Rei, em cujo nome ele os acabava de governar em sossego e em justiça. Já para ficarem impunes destes insultos horrorosos semelhantes aos que os seus Ascendentes tinham feito também impunemente contra o caracter do Governador Luís de Miranda Henriques; contra o respeito devido á presença do Governador sucessor Nuno Pereira Freire; e contra o caracter e pessoa de outro Governador, n. Francisco Mascarenhas se tinham eles prevenido com uma Capitulação clamorosa contra o Governador de quem se trata; e com tão bom sucesso, como eles industriosamente pensarão; pois á vista do estrondo, que fizeram com a Capitulação ficou a sua escandalosa rebelião, como se nunca tivera acontecido, assim como se Nade mostrar decisivamente no fim deste papel; e isto ainda quando o Triunvirato, que ficou governando na ausência do dito Governador na forma do Alvará Régio de I2 de dezembro de 1 7¡o, mandou pelas Justiças, e Milícias sossegar a assuada, e rebelião destrutiva de toda a autoridade publica dos Governadores; e isto não obstante também que o mesmo Triunvirato mandou devassar do caso, e remeteu a devassa com carta de ofício pela Secretaria de Estado dos Negócios do Reino por um oficial militar de graduação.
As retíssimas intenções de S. Majestade de fazer a todos justiça com igualdade padecerão então neste caso a mais rigorosa opressão e surrepção; pois sem duvida lhe foi oculta nos próprios termos aquela rebelião dos Poderosos da Ilha, cuja Capitulação, como de declarados inimigos por isso mesmo se fazia por Direito, ou inadmissível ou inconsiderável assim como sem tão manifestos fundamentos de inimizade acontecia com razão a favor de todos os outros Governadores Ultramarinos. igualmente capitulados, porque em beneficio deles valia a justa presunção do mesmo direito que não valeu ao Governador de quem se trata: e não se pode crer que só por que estes Capitulantes se ofereceram apagar tolas as despesas de toda a averiguação, e os outros Capitulantes talvez não fizeram o mesmo, uns só ficassem com os intentos da sua malícia, e os outros com os frutos dela; pois o sistema da Justiça, que devia constituir o único objecto não admite estas divisões.
O certo é que se entrou, e prosseguiu na averiguação dos Capítulos contra o Governador, sendo mandados Ministros a Ilha da Madeira, cuja eleição Deus sabe por quem, por que motivos, e meios foi promovida…».