Carta de Antonio Azeredo a Rui Barbosa
Agosto – 1909.
Meu caríssimo Ruy
Quisera felicitá-lo com toda a efusão de minha alma pela sua candidatura que há muitos anos me preocupa o pensamento, mas mentiria a minha consciência, faltando a minha lealdade política. Mentiria a minha consciência porque não acredito na probabilidade de êxito, e faltaria a minha lealdade pelo abandono dos meus compromissos políticos.
Há quatro anos que não tenho outra ambição política – senão a de ver na suprema magistratura tratura de minha pátria – o maior e o mais notável dos seus filhos, o glorioso vencedor da Haia.
Por amor aos princípios e ao meu querido amigo, manifestei-me desde logo contra a candidatura oficial, movendo-lhe a guerra mais franca e mais decidida, para derrubá-la.Nessa campanha que ambos sustentávamos com o fim de evitarmos a imposição do Catete, estávamos então dispostos a todas as concessões dignas e honestas e a irmos até a candidatura militar.
Mais impetuoso e mais comprometido na luta, não encontrei jamais barreira que me detivesse, transpondo todas as dificuldades para impedir a vitória da candidatura considerada impatriótica e prejudicial ao regime, e, no momento em que ela ruía por terra, não conseguindo fazer aquela que era a minha aspiração e o meu ideal, concorri para se fazer a daquele que havia, de alguma forma, auxiliado a queda do candidato oficial, e que reunia a maioria das vontades políticas.
Ninguém conhecia melhor a minha situação do que o meu caro amigo, que acompanhou todos os meus movimentos e todo o meu esforço, nesses seis longos meses de luta, durante os quais despendi toda a minha atividade e o melhor da minha inteligência, na esperança de ver na direção suprema do país aquele por quem tenho a mais sincera e desinteressada veneração. Não me foi possível conseguir o meu maior desejo e, no meio da campanha, quando me vi emaranhado nas teias da política, urdidas por mim também, era-me impossível sair delas, deixando-me prender por um sentimento nobre de gratidão e lealdade.
Bem sei que nem todos compreenderão a minha posição, fazendo justiça à pureza dos meus sentimentos e da minha dedicação para com quem tanto estremeço, mas que hei de eu fazer se não posso abrir o meu coração e expô-lo ao exame microscópico dos injustos e dos maldizentes?
Se não fosse a minha situação e a minha lealdade política, eu estaria altivamente ao lado do benemérito patriota a quem a Nação tanto deve, não olhando para sacrifício de espécie alguma, nem me detendo diante das consequências, de ordem moral, política ou material que daí me pudessem advir. Mas eu seria um desonrado e indigno de sua amizade, se abandonasse o rumo que tomei quando a nau em que navegava estava quase perdida, para seguir outro norte, embora eu veja ao leme o timoneiro da minha confiança e da minha predileção. Quis Deus que assim fosse,e Ele sabe o que faz.
Sigamos, pois, o nosso destino, mas que as nossas embarcações singrem serenas as águas desse mar revolto, até porto seguro, sem se chocarem nessa longa e dolorosa travessia, em que o meu coração oprimido por uma dor intensa sente a quebra dessa solidariedade política, que devia ser indefectível, mas que a fatalidade cruel veio estremecer, sem, entretanto, diminuir uma partícula sequer da minha amizade, do meu afeto desinteressado e da minha dedicação nunca excedida.
Tenho fé, porém, que a Providência nos fará encontrar mais adiante e muito breve, unindo nos pelos mesmos ideais, para nunca mais nos separarmos.
Creia-me, meu caro Ruy, o mais sincero e o mais dedicado dos seus amigos
Esta obra entrou em domínio público no contexto da Lei 5988/1973, Art. 42, que esteve vigente até junho de 1998.
Caso seja uma obra publicada pela primeira vez entre 1929 e 1977 certamente não estará em domínio público nos Estados Unidos da América.