Carta de Doação da capitania de Angra a João Vaz Corte Real

Wikisource, a biblioteca livre
"Eu a Iffanta D. Beatriz, tetor, e curador do Senhor Duque meu filho etc. Faço saber a quantos esta minha carta virem, que havendo eu por informação estar ora vaga a capitania da Ilha Terceira de Jesus Christo, do dito Senhor meu filho por se affirmar ser morto Jacome de Bruges, que até ora teve, do qual ha muito tempo que alguma nova se não ha, posto que já muitas vezes mandei sua mulher, que a verdade dello soubesse, e me certificasse, assignando-lhe para isso tempo dum anno, e depois mais; a qual em alguma maneira com todallas diligencias que nisso fizesse, me não trouve dello certidão alguma: pelo qual havendo eu por certo o que me assim é dito e esguardando o damno que é, a dita ilha estar assim sem capitão que haja de reger e manter em direito e justiça pelo dito Senhor,e como em ello pela dita causa se fazem algumas cousas que são pouco serviço de Deus, nem do dito Senhor meu filho; determinei prover a ello por descargo da minha consciencia e serviço do dito Senhor. E considerando eu d'outra parte os muitos e grandes serviços que João Vaz Corte Real, fidalgo da casa do dito Senhor meu filho, tem feitos ao Iffante meu Senhor e seu padre que Deus haja, e depois a mim e a elle, e confiando de sua bondade lealdade, e vendo sua disposição a qual é pera poder servir o dito Senhor, e seu entender a boa descripção pera a dita ilha governar e manter em direito e justiça, em galardão dos ditos serviços lhe fiz mercê da dita capitania da ilha Terceira, assim como a tinha o dito Jacome de Bruges, e lhe mandei dello dar sua carta antes desta. E por quanto da dita ilha não era partida amtre o dito João Vaz e o dito Alvaro Martins e a parti pela Ribeira Seca, que é aquem da Ribeira Fr. João, ficando a Ribeira de Frei João na parte d'Angra e da dita Ribeira Seca pella metade da dita ilha até outra banda, como se vai de Sueste ao Noroeste; e partida a dita ilha pela dita maneira, mandei ao dito João Vaz que escolhesse, e elle escolheu na parte d'Angra, e deixou a parte da Praia, em que o dito Jacome de Bruges tinha feito seu assento; e a mim prouve dello, e lhe ei por feito mercê da dita parte porque doutra mandei dar carta ao dito Alvaro Martins. E me praz que o dito João Vaz tenha por o dito Senhor a dita parte e a mantenha por elle em justiça e direito: e morrendo elle isso mesmo fique a seu filho primeiro ou segundo, se tal for que tenha o cargo pela guisa suso dita, e assim de descendente em descendente pela direita e sendo em tal idade o dito seu filho, que elle seja em edade para reger. Item me praz que elle tenha em a sobredita ilha a jurisdição pelo dito meu filho e em seu nome, do cível e crime, resalvando morte ou talhamento de membro que disto venha appelação ou agravo presente o dito Senhor; porem sem embargo da dita jurisdicção. a mim praz, que todos meus mandados, e correição sejam hy compridos, assy como em cousa propia do dito Senhor. Outro sim me praz que o dito João Vaz haja para si todos os moinhos de pão que houver na dita ilha de que asi dou cargo, e que ninguém não faça hi moinhos, somente elle, ou quem lhe aprouver, e isto não se entendam mó de braço, que a faça quem quizer, não moendo a outrem, nem atafonas não tenha outrem, somente elle ou quem lhe aprouver. Item me praz que haja de todas as serras d’agoa que se hi fizerem de cada to, como dito é. E em testemunho dello lhe mandei dar esta minha carta per mim asinada e asellada do meu sello. Dada em a cidade d’Evora a dous dias do mez de Abril, Rodrigo Alvarez a fez, anno de nosso Senhor Jesus Christo de mil quatrocentos setenta e quatro."

In: Archivo dos Açores, vol IV, p. 159-160

Confirmada esta carta pelo Duque de Viseu, D. Diogo, a 3 de Maio de 1483; e pelo Duque D. Manuel a 6 de Abril de 1488.