Carta de Euclides da Cunha a João Luís de 1º de abril de 1897
São Paulo, 1 de abril de 1897.
João Luís
Desejo-te saúde e felicidade — assim como a toda a família.
Recebi a tua carta e respondo-a prontamente — exemplo digno de ser seguido. É escusado dizer, considerando o assunto capital de que tratas — que estamos afinados pelo mesmo diapasão.
Compreendo a situação como a compreendes e alentam-me as mesmas esperanças. Entretanto assalta-me profunda tristeza: é ver sobre a débaclê material de tudo neste país, a débaclê gravíssima de coisas que em geral se conservam intactas no meio das maiores catástrofes. O que me impressiona não são as derrotas — são as derrotas sem combate — em que o chão fica vazio de mortos e o exército se transforma num bando de fugidos!
Nunca supus que fôssemos passíveis de desastres desta ordem! NUNCA!
Será possível que a nossa República tenha quadros de tal ordem, que lembram os últimos dias do Baixo Império? Descrente destas coisas, descrente desta terra — aonde lamento ter nascido — eu creio entretanto na vitalidade de um princípio. A República é imortal, e já que temos a felicidade de possuí-la, eu acredito que ela afinal galvanizará este povo agonizante e deprimido.
Aquele lamento acima escrito, não acredites seja apenas uma expressão sentimental — é um produto consciente, exprime realmente a mágoa mais profunda que tenho.
Acho, realmente, ridículo o título de filho desta terra depois da vasta série de escândalos de toda sorte com que ela tem desmoralizado a História!
Não digas isto ao Dr. Brandão — não desejo que ele saiba que me invadiu este depauperante pessimismo. Que tenham ao menos esperanças os velhos-moços conforme dizes bem, já que os moços envelheceram cedo, atravessando a selva oscura das nossas grandes misérias. Vou encerrar esta carta que está assumindo aspecto demasiado lúgubre. Para outra vez conversaremos mais longamente. Responda-me logo para a Rua Santa Isabel n° 2, aonde ainda estou.
A minha família recomenda-te à tua.
Abraça-te o am°
Euclides da Cunha