Carta de Joaquim Nabuco a Ruy Barbosa

Wikisource, a biblioteca livre

Rio, 14 de março de 1899

Meu caro Rui,

É-me grato, depois de tanto tempo de separação, ter que lhe agradecer o seu artigo de ontem, repassado da velha camaradagem que nos liga desde a adolescência, quando fazíamos parte do mesmo bando liberal da Academia. Os seus elogios não são outra coisa senão a munificiência do seu espírito, que pode fazer presentes destes sem despojar-se. Não aceitei o encargo que me era oferecido sem grave relutância e constrangimento, nem sem ter procurado de diversos modos afastar de mim o cálice. É para mim, com efeito, um penoso sacrifício e um grave compromisso esse de embrenhar-me intelectualmente durante anos pelo Tacutu e Rupunani, sobretudo tendo que me separar de minha mãe, que breve completa a idade perfeita dos antigos, os 81 anos, e cuja velhice feliz é hoje o meu maior empenho: consummatio tamem aetatis actae feliciter. Não escuto, porém, tratando-se de minhas crenças políticas, o obliviscere populum tuum et domum patris tui, que retinia aos ouvidos de Newman ao deixar Oxford e a religião anglicana. A monarquia só poderia voltar com vantagem para o país se os monarquistas se mostrassem mais patriotas do que os republicanos. Eu, pelo menos, é em duelo de patriotismo que queria ver a causa nobre e justamente decidida. Creia-me muito sinceramente convencido do que pratiquei à custa do maior dos sacrifícios, o de expor-me ao juízo dos Fariseus e dos Publicanos, em vez de acabar já agora, no refúgio meditativo da religião e das letras; mostro que, se morrer amanhã, não levo para o túmulo somente um espírito monarquista e liberal, levo também o coração brasileiro. Ninguém dirá que a política e a diplomacia brasileira pode ser hoje a mesma que era ontem, quando a Federação Americana ainda se conformava ao conselho dos seus fundadores de não ter colônias nem querer aliados.

Todas as altas posições e funções políticas entre nós, seja do Governo, seja da oposição, seja da imprensa, têm, pois, dora em diante, que ser aceitas sob a impressão do terror sagrado próprio dos que elaboram os destinos nacionais em uma época de crise e mutação. É este o tempo para todas as imaginações sugestivas e criadoras se aproximarem, para todas as dedicações e sacrifícios se produzirem se quisermos salvar a honra e os créditos da nossa geração, à qual veio a caber uma hora de tais responsabilidades. Eu repito o que dizia meu Pai em 1865: “Deus não permita que a história deplore a sorte de uma nação nova, cheia de recursos e de vida, mas infeliz por sua culpa.” Há um terreno superior ao das dissensões políticas em que espíritos de igual tolerância, de igual elastério, de igual patriotismo, podem e devem sempre colaborar uns com os outros, no interesse comum do país; esse terreno pertence a leaders de opinião, como Rui Barbosa, alargar cada vez mais, e dar-lhe a força e a consistência do granito. — Creia-me com todos os meus velhos sentimentos de confraternidade liberal, amizade e admiração.

Sempre seu, meu caro amigo,

Joaquim Nabuco