Combate de Oscar e Dermid
COMBATE
DE
OSCAR E DERMID
![]() ![]() ![]() ![]() ![]() ![]() ![]() Vertido do francez para verso portuguez
POR
José Marcellino da Costa e Sa Filho
![]() ![]() ![]() ![]() ![]() ![]() ![]() Typ. J. B. Lombaerts. Rua dos Ouvires n. 17
Rio de Janeiro
1872
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Ao Illmo e Exmo Sr.
Sinto que meu nome nāo esteja no Panthéon da litteratura para que a sorpreza de V. Ex. fosse completa.
Tendo sido por demais singela comigo a nossa grande māe commum, —a natureza—é de facil intuiçāo a minha mesquinhez intellectual.
Portanto relere V. Ex. que, ao verter da prosa franceza para verso portuguez, um dos muitos bardos que abundāo nos poemas gaélicos de Ossian, eu nāo o tenha adornado de imagens bellas como sóem fazer aquelles a quem a chamma da intelligencia anima.
Inspiraçāo de um pensamento de amizade e gratidāo sāo as pobres paginas que acompanhāo este livro que tenho a distincta honra de offerecer e dedicar a V. Ex.
Offerecendo-o e dedicando-o a V. Ex. julgo-me altamente recompensado.
Confesso-me sinceramente
Amigo affeiçoado e criado
Rio de Janeiro, 10 de Dezembro de 1872.
Gorgeaban los dulces ruiseñores
El sol iluminaba mi alegria,
El aura sussurraba entre las flôres,
El bosque mansamente respondia,
Las fuentes murmurában sus amôres...
— Illusiones que llora el alma mia !
Oh ! quan süave resonó em mi oido
El bullicio del mundo y su ruido !
Espronceda.
COMBATE DE OSCAR E DERMID [1]
Para que me abres de novo a fonte
De meus prantos, ó filho de Alpino ?
E me perguntas de Oscar a morte ?
Minhas lagrimas outr՚ora tantas
Seccȧrāo-me os olhos; porém vive
Sempre em meu coraçāo
A recordação deste infortunio.
Sob o jugo dessa desventura
Como te poderei eu contar
A morte tāo funesta daquelle
Que fôra entre os heróes o primeiro ?
Tambem entre os guerreiros, o chefe ?
E nāo te verei mais
Será pois certo, Oscar, ó meu filho!
Ah ! sumiu-se como o astro da noite
Se some ao bramir da tempestade,
Ou como o sol quando entre os vapores
Que elevando-se do seio das ondas,
Envolvem as rochas de Ardanníder.
Abandonado e só
Neste triste retiro fiquei.
E de Mórven qual velho carvalho
Da frondente coma despojado
Pelos ventos, e que vacillante,
Se dobra ao menor sôpro do nórte
Tal qual me vou sentindo alquebrado.
E nāo te verei mais
Serȧ pois certo, Oscar, ó meu filho !
O homem valente, filho de Alpino,
Em sua quéda nunca desmerece
Qual desmaia dos campos o verdôr.
E’-lhe o ferro qual fouce da mórte
Quando o empunha. Derrubando vae
Antes de succumbir,
E devora innumeros combatentes.
Porém tu, querido Oscar, morreste
Sem que a gloria te coroasse a fronte
Em a tua hora extrema. Tua lanca
De sangue amigo roxeada estava !
Oscar e Dermid, coraçōes jovens,
Modelados n՚um só;
Firmes na amisade que os unia !
E quando o inimigo combatiāo
Como dois rochêdos semelhavāo
Da fronte do Arven a despenhar-se;
Mesmo aos mais intrépidos guerreiros
Os nomes seus empallideciāo.
Quem igualou Oscar.
Senāo Dermid ? e a este senāo Oscar ?
Ao valente Dargo a morte dérāo !
Sua filha era bella como a aurora
Que desponta em mága fantasía,
Doce qual flácido raio da lúa;
Seus olhos brilhávāo quaes estrellas
Scintillando atravéz
De opaca nuvem que tenue passa.
Da primavéra o sòpro do Zephyro
Menos brando era que nos seus labios,
Breves, a leve respiraçāo;
A neve que de novo cáe, se ergue
E se abate na selva undulosa
Menos alvura tinha
Que o ebúrneo cóllo da donzella.
Ambos os heróes a contemplárāo,
Ambos elles desde logo a amárāo,
Ambos queriāo possuil-a ou morrer;
Porém o coraçāo da donzélla
Sentindo as chammas do amôr nascente
Só consagrára a Oscar
Tudo o que n՚alma de affecto tinha.
Esquecida da morte de Dargo
E na ventura de sua paixāo
Ella comprimíra a māo d՚aquelle
Que matára seu pai !
« Filho de Caruth, Dermid exclama,
A filha de Dargo amo; sim, amo-a
Do que minha vida mais, Oscar,
Que alento póde ter minha dôr
Se seu coraçāo é todo teu ?
Tem piedade de mim
Oscar, amigo meu, dá-me a morte. »
— « Que loucura a tua? Póde meu ferro
Ferir-te? Em teu sangue se embeber? »
— « Quem mais, Oscar, do que tu o pódes ?
Com prazer, com glória morrerei,
Amigo, morrendo por tua māo;
Ah! viver sem amôr
E՚ pois impossivel á minh՚alma. »
—«Pois bem, Dermid, empunha teu ferro
E defende-te; mas, ai de mim !
Ao menos possa eu cahir comtigo,
Possa eu morrer por tua mão, amigo ! »
E ambos se combater
Forāo perto à torrente de Branno.
Tingiu o sangue as ondas fugitivas
Bem assim o musgo que as margèa.
Dermid, ferido no coraçāo.
Cahiu mortalmente mas sorrindo
E a seu amigo afflicto estendendo
Desfallecida a māo....
—« Tu morres, ó filho de Diaran !
E é a māo de Oscar quem te feriu !
O՚ tu que jamais em os combates
Cedeste; é possivel pois que possa
Vêr-te, o amigo, perecer assim ? »
Partido o coraçāo
Vae, Oscar, ante o objecto de seu amôr.
Tristonho, a filha de Dargo o viu
E toda extremosa assim exclama :
« Oscar, que nuvem te escurece a alma ? »
—« Era eu famoso, respondeu Oscar,
Na destreza com que atirava o arco.
E no emtanto, ai de mim !
Hoje toda essa gloria perdi.
« O escudo do valente Gormúr
(A quem n՚um combate a morte dei)
N՚uma arvore dependurado estava
Do ribeiro, á beira, na collina.
Minhas settas quiz que o penetrassem,
Mas embalde ! perdí
O dia todo em inúteis esforços. »—
— « Pois bem, diz-lhe a bella, preludio
Agora tambem minha destreza;
Aprendèrāo tambem minhas māos
A dobrar o arco, que muitas vezes
E tantas deleitára meu pae
Em me vêr alcançar
O alvo sempre com certeira setta.... »
Ella disse e medindo a distancia,
A sua māo delicada o arco dobra
E ajusta a setta. Occulto, Oscar
Vae-se collocar detraz do escudo;
Sibíla no ar a setta fatal
E no alvo penetrando
Atravessa-lhe tambem o peito.
—« Feliz arco, exclama, māo querida !
Quem mais do que tu, filha de Dargo,
A morte poderia dar, a mim,
Ao filho de Caruth ? ! Sobre a terra
Em que o corpo do amigo repousa,
Amada minha, vem
A seu lado o meu corpo deitar. »
—« Oscar, Oscar ! a virgem exclama
Immersa em pranto; tenho de Dargo
A intrépida coragem; morrer posso
Com jubilo e findar minha angustia. »
E tendo assim dito, desembaínha
De seu amante o ferro;
Fere-se, vacillando cáe e morre.
E repousāo juntos do ribeiro
Perto da collina. A sombra errante
De um vidoeiro seus tumulos cobre:
Vem o gamo alí pascer a herva
Quando o sol devóra o firmamento,
E o silencio do céo
Vem adormecer as solidōes.
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- ↑ Caruth, pae de Oscar, conta a rivalidade e a morte de seu filho, e de Dermid, seu amigo. Necessario é nao confundir estes com os heroes do mesmo nome que formȧo o poema de Témora. Diz M. Mac-Pherson que nȧo assegura ser de Ossian este fragmento ; porém approxima-se das obras deste bardo pelo assumpto e maneira porque é formado. E՚ sob este titulo que M. Mac-Pherson lhe da lugar nas obras do bardo.

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