Congratulação brasileira pela ratificação do tratado da independencia do Brasil
D. PEDRO I.
HE pensamento de hum Sabio ,
que — serie de prodigios impossibilita
panegyrico , por ser mais objecto de
admiração , que de eloquencia.
O Decreto do nosso Augusto Imperador o Senhor D. PEDRO I. de dez de Abril do corrente anno, publicado no Dia de Beija Māo de 16 do mesmo mez, em que o mesmo Augusto Senhor Houve por bem Solemnisar o Jubilo Publico pela Participaçāo Diplomatica de Faustissimo Successo , que o mesmo Decreto annuncîa, he tāo admiravel Compendio de portentos civis , que se póde , em pureza de verdade , dizer , que encerra hum Milagre Politico , sem parallelo nos Annaes da Sociedade.
Fazer elogio do Seu Author , o Marco Aurelio Brasileiro, que se mostra o claro Instrumento da Providencia para completar tāo Magestosa Obra , que cifra em breves linhas a chronica da Revoluçāo de cinco annos , e a miniatura do Quadro da Prosperidade dos Seculos porvir ao nosso abençoado paiz, apenas seria dado á quem tivesse o espirito duplicado do feliz Genio , e inclyto Consul, Salvador de Roma, que exterminou a Facçāo Catilinaria, e que , posto fosse victima da guerra civil , ainda depois da morte , á despeito da inveja e intriga , teve o elogio do Supplantador da Anarchia , o Fundador do Imperio Romano—Foi o constante amigo da Patria. —
Em quanto nāo surge entre nós alguma Sombra do Grande Nome , para descrever , com decoro e esplendor , a Magnitude do Novo Astro ascendente no Horisonte Social , pela Imperial Ratificaçāo do Tratado entre as Coroas do Brasil e Portugal , que no dito Decreto se promulga , seja-me relevado pelos benignos Compatriotas dar á luz estes rudes traços de mal aparada e timida penna sobre o objecto de Extase Nacional , que ora absorve os elevados Espiritos Brasileiros , enlevados com o sublime Prospecto da Fortuna do Imperio do Brasil , vendo findar as suas ancias , e realisar-se o Maravilhoso Evento, que, sendo de Commum Voto, era de expectaçāo incerta , pelas difficuldades immensas , que , no começo e curso da mais ardua das Emprezas , pareciāo insuperaveis , ainda sob os auspicios do Genio de Harmonia , o Heróe do seculo decimo nono , á vista do contraste de Opiniōes Contradictorias sobre organisaçāo de Governos do Antigo e Novo Mundo , aspirantes á Optimismo Politico , por vias tāo oppostas como o Polo Arctico e Antarctico; e muito mais pela vertiginosa turbulencia de Perturbadores Publicos.
Antes de fazer simples paraphrase do Decreto reférente ao Tratado assignado no Gabinete da Boa-Vista em 30 de Agosto de 1825 , que he o Espelho da Piedade Filial do Nosso Imperador á seo Augusto Pai , perfeitamente conciliada com o supremo Dever da Salvaçāo e Honra dos respectivos Estados , espero nāo pareça desapropositado , mas opportuno , trazer á memoria dos Concidadāos as seguintes clausulas do Primordial Decreto de sempre grata recordaçāo , de ElRei de Portugal , o Senhor D. João VI., quando na Resoluçāo de seu Regresso ao original Patrimonio da Monarchia Portugueza, Constituio ao Senhor D. Pedro Regente do Brasil e seu Lugar-Tenente.
“ Hei por bem e Me Praz Encarregar o Governo Geral , e inteira Administraçāo de todo o Reino do Brasil, ad meo muito Amado e Presado Filho, D. Pedro de Alcantara, Constituindo-o Regente e Meo Lugar Tenente ; para que com tāo preeminente Titulo , e segundo as Instrucçōes , que accompanhāo a este Decreto , e vāo por Mim assignadas , governe na Minha ausencia todo este Reino com sabedoria e amor dos Povos. Pelo alto conceito que Formo de sua Prudencia e mais virtudes, Vou certo de que nas cousas do Governo, firmando a Publica Segurança e tranquillidade , promovendo a prosperidade geral , e correspondendo por todos os modos ás minhas esperanças, se haverá como Bom Principe e Pai destes Povos &c. Palacio da Boa Vista em 22 de Abril de 1821.
Estes bens forāo logo impedidos pelos que por vezes fizerāo a impia, ainda que vā, Tentativa de esquartejarem a Terra Māi, oppondo-se á Vontade Nacional, e attacando a Integridade do Solio e Solo da America Meridional, demarcado pelas Māos da Natureza nas Extremas do Territorio da Santa Cruz , que , dando-lhe por Defesa Maritima o circumfuso Atlantico, tambem poz-lhe incorruptiveis e invictas Sentinellas nos Gigantes d՚ Agoas-Amazona e Prata.
Ainda Sua Magestade Fidelissima nāo havia partido desta Corte , quando no Sabbado d՚ Alleluia de 1821 , traidores occultos insurgirāo no Congresso dos Eleitores das Parochias ; e incutindo terror , forçarāo acclamar e jurar a Contituiçāo Hespanhola ; e tiverāo a ouzadia de expedir Ordem ás Fortalezas para nāo deixarem sahir a Esquadra prompta, sem se lhe tirarem os Cofres de dinheiro. Aquelle Soberano , á quem se intimou a nefaria Ordem , entāo vio com telescopio civil os perigos á que ficava exposto o Principe Real , e que horrido futuro o esperava. O seu Paternal Coraçāo fez-lhe a devida justiça na Proclamaçāo , que dirigio ao Povo e á Tropa , na data de 23 do mesmo mez , assim concluindo “ Confiai nos cuidados do Governo, na Benevolencia e Prudencia de Meu muito Amado e Prezado Filho &c.„
Nāo magoarei aqui as feridas da Patria , deixando ao Historiador a lugubre tarefa de narrar fielmente os successos , que , por irresistivel força das cousas , occasionarāo a Fundaçāo do Independente Imperio da Zona Torrida.
PEDRO PRIMEIRO, FUNDADOR
DO IMPERIO DO BRASIL.
Pelo Decreto de 16 do corrente Sua Magestade Imperial Creou esta Nova ORDEM , para Marcar de huma maneira distincta a Epocha , em que foi reconhecida a Independencia do mesmo Imperio. Esta Epocha na verdade Constituio Nova Era na America. Agora tudo he consumado ; e a gloria do Numen Tutelar dos Tropicos está pura e esplendida ; e com toda a razāo Elle alli disse = Tive a glo- ria de fundar o Imperio do Brasil, de que sou o Primeiro Imperador Constitucional. =
Os homens bons e pensadores tambem tem razāo de dizer: = o Augusto Pai de tāo Inclyto Filho participa igualmente desta gloria =; por se mostrar realçada a sua Bondade , e sā Politica , no Prudencial Juizo , com que reconheceo a impossibilidade da prolongaçāo da Dissidencia de Portugal e Brasil , sem cargo de males que iriāo além de todo o calculo , e com baldada porfia. Assim se mostrou mais justo que o Imperador Constantino Magno , que sacrificou a seo ausente e glorioso filho Herdeiro á Cabala da Corte ; e mais providente que o Imperador Valentiniano I, que, pela immensidade do Estado, associou Collega do Imperio , o que foi depois causa de discordia e calamidade. Reconheceo o Senhor D. Joāo VI., que o Principe do Brasil salvou, e engrandeceo o Paiz em que o deixou em abandono ; e que, sem a sua Prudencia, Fortaleza, e Energia, seria perdido para Si, para a Dynastia de Bragança, e para a sociedade civil, sendo assaltado, desde o regresso da Corte á Portugal, por turma de conspiradores d՚ aquem e d՚ além Mar , que derāo á Regiāo Solar movimento retrogrado para o Barbarismo.
A Instituiçāo das Ordens de Cavalleria pelas Testas Coroadas , tem , nas de maior consideraçāo , sido consagrada , para fazer memoravel , até a ultima posteridade, a Epocha de algum feliz Successo Extraordinario , que dá ao Estado credito e esplendor. Os Monarchas , que em seo reinado tiverāo a fortuna de taes Epochas , crearāo por este motivo varias Ordens.
O nosso Augusto Imperador no Decreto do 1.° de Dezembro de 1822, em que Houve por bem crear a Honorifica Ordem Imperial do Cruzeiro , Dando por motivo o Dezejo de assignalar , por hum modo solemne e memoravel, a Epocha da Minha Acclamaçāo, Sagraçāo e Coroaçāo , como Imperador Constitucional do Brasil , e seu Perpetuo Defensor , menciona exemplos de Augustos Imperantes , e especialmente de seu Augusto Pai , o Senhor D. Joāo VI. Rei de Portugal , Restaurando a antiga Ordem da Torre e Espada pela sua feliz chegada ao Brasil , e a Ordem Militar da Conceiçāo pela Fausta Acclamaçāo em a Nova Corte do Rio de Janeiro.
Certo houve optima razāo para a creaçāo da Ordem Imperial do Cruzeiro : porém entāo ainda se achava a Lide Pendente, pela fratricida guerra e resistencia necessaria, á que o Governo Revolucionario de Portugal tinha forçado o Brasil sustentar , em Defensāo da sua vida e Honra , e Manutenção da Dignidade Suprema, á que o seu Augusto Principe Se havia Elevado pela Unanime Acclamaçāo dos Povos.
Este Inclyto Monarcha, pelo Regresso de seu Augusto Pai á Portugal , se vio na mais critica situaçāo , Desamparado da Nobreza da antiga Corte, Cercado de Democracias, Destituido de Allianças, Ultrajado por usurpadores da Auctoridade Suprema, e esteve até agora em Luta com as Phantasias do Seculo , Prejuizos das Potencias , Rivalidade de Visinhos , Machinaçōes de Demagogos , Desconfianças dos Suspicazes , Intrigas de Ambicioses. O desejo dos espiritos rectos era , que por sua Previdencia , e Feliz Estrella, fosse, quanto antes , guiado a entrar no Gremio dos Monarchas da Christandade. Chegou emfim o momento suspirado, marcado pela Providencia ( que tem na māo o coraçāo dos Reis ) para, com o Reconhecimento da Independencia do Imperio do Brasil e da Dignidade do seo acclamado Imperador , ter Complemento a Grande Obra do serio e solido Estabelecimento de Monarchia Constitucional na Magestosa Regiāo achada pelo bemaventurado — Pedro Lusitano , e exaltada á Imperio pelo — Immortal PEDRO Bragantino.
Em verdade Póde dizer com ufania : Estive Só : Arrostei em triplicado peito o turbilhāo dos tempos : Dirigi a Tormenta Revolucionaria com industria e prudencia de Alta Politica: Nāo ommitti expediente decoroso e necessario para o prospero exito do terrivel Conflicto , que era capaz de assustar e abater ainda o Herculeo Principe Britannico — Ricardo , Coraçāo de Leāo.
Nāo me recordo da Historia moderna outro Exemplar mais digno, e aproximado , do que o da celebrada Heroina Imperatriz d՚ Allemanha, que, depois de Triumphar de seus inimigos, creou a Ordem de Maria Theresa. Ella salvou os seus Estados Hereditarios só com a magnanimidade com que appellou para a lealdade dos Hungaros , tendo nos braços ao Imperial Infante, e dirigindo-lhes esta energica Falla:
“ Desamparada pelos meus ami-
“ gos, perseguida pelos meus inimigos,
“ attacada pelos meus intimos Consan-
“ guineos, nāo me resta outro recur-
“ so senāo a vossa fidelidade, cora-
“ gem, constancia entrego ás vossas
“ māos descendentes de Vossos
“ Reis; dellas depende a sua vida e
“ segurança. „
O Imperador do Brasil no parocismo das prepotencias das Cortes de Portugal , que até exterminarāo o seu Nome do Kalendario das Festas solemnes da Corte , só olhou para Deos , para o seu Decoro, e para o Timbre dos Leaes Brasileiros: o tempo mostrou que a sua Confiança foi bem posta nos habitantes da Terra da Santa Cruz.
Eis a Justificadissima Razāo da Creaçāo da ORDEM de D. PEDRO PRIMEIRO , FUNDADOR DO IMPERIO DO BRASIL.
O celebrado Francisco Bacon , Visconde de S. Albano , ( Chanceller de Inglaterra no reinado de James I. ) que com o seu Novo Orgāo das Sciencias deo tāo espiritual sopro á Republica das Letras, mostrando tambem Penna de Mestre nos seus Ensaios Politicos , fez no Capitulo da Honra e Reputaçāo duas Escalas da Hierarchia Civil , pondo na Superior, em primeiro lugar da Honra Soberana, os Fundadores dos Imperios ; no segundo gráo , os Legisladores , que tambem se intitulāo os segundos fundadores , e Principes perpetuos , porque governāo por suas Leis as geraçōes futuras ; no terceiro gráo , os Libertadores ou Salvadores , por imporem termo ás miserias da guerra civil , ou livrarem os seus paizes de jugo e cativeiro de Estrangeiros , ou Tyrannos : em quarto gráo, os defensores e alargadores do Imperio , por defenderem os seus territorios de invasores , e extenderem os seus limites por guerras honrosas : no quinto gráo, os Pais da Patria , que reināo com justiça , e fazem bons os tempos em que vivem.[1]
Todos estes gráos de Honra se achāo no Diamantino Diadema e Grande de Pessoal Caracter do Imperador do Brasil. Tempo virá em que no agradecido Imperio se erga algum emue lo de Plinio , que faça no Senado o Panegyrico do novo Trajano, que, segundo diz Tacito, soube reunir o Principado com o Liberalismo.
Perdoe-se accrescentar na Primeira Escala os Soberanos Mediadores , que pacificāo com sua Amigavel Intervençāo os Belligerantes. O Plenipotenciario , que effeitúa a Concordia com Honra reciproca , como Representante do Real Arbitro , quasi está na linha proxima ás Testas Coroadas. Os Cooperadores unidos á tāo Grandes Objectos , e Transcendentes Interesses , tem na verdade , só por isso , Summa DISTINCÇÃO.
Que resta pois, concidadāos, senāo dar Parabem reciproco ; e , pondo o joelho em terra , e levando as māos ao Ceo , erguendo os coraçōes sobre consideraçōes vulgares, dar, cordial e submissamente , GRAÇAS ao Eterno Senhor dos Imperios , pelo Maximo Beneficio tāo supplicado , e tāo completamente concedido.
Rio 19 de Abril de 1926.
- ↑ The true marshalling of the degrees of sovereign
honour are these : in the first palace are “ conditores imperiorum, “ founders of states and commonwealths ; such as
were Romulus , Cyrus , Cæsar , Ottoman , Ismael : in the
second place are “ legislatores, “ lawgivers : which are also
called second founders , or “ perpetui principes , “ because
they govern by their ordinances after they are gone ; such
were Lycurgus, Solon, Justinian, Edgar, Alphonsus of Castile, the wise, that made the “ Siete partidas : “ in the third
place are “ liberatores , “ or “ salvatores; “ such as compound the long miseries of civil wars, or deliver their countries from servitude of strangers or tyrants ; as Augustus
Cæsar, Vespasianus, Aurelianus, Theodoricus, King Henry
the Seventh of England , King Henry the Fourth of France :
in the fourth place are “ propagatores, “ or “ propugnatores imperii, “ such as in honourable wars enlarge their territories, or make noble defence against invaders : and, in
the last place, are “ patres patriæ, “ which reign justly, and
make the times good wherein they live.✻ ✻ ✻

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