Constituição portuguesa de 1838/Título III: Dos Direitos e Garantias dos Portugueses

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Dos direitos e garantias dos Portugueses

CAPÍTULO ÚNICO


ARTIGO 9º — Ninguém pode ser obrigado a fazer ou deixar de fazer senão o que a Lei ordena ou proíbe.

ARTIGO 10º — A Lei é igual para todos.

ARTIGO 11º — Ninguém pode ser perseguido por motivos de Religião, contanto que respeite a do Estado.

ARTIGO 12º — Todo o cidadão pode conservar-se no Reino, ou sair dele e levar consigo os seus bens, uma vez que não infrinja os regulamentos de polícia, e salvo o prejuízo público ou particular.

ARTIGO 13º — Todo o cidadão pode comunicar os seus pensamentos pela Imprensa ou por qualquer outro modo, sem dependência de censura prévia.

§ 1.º — A Lei regulará o exercício deste direito; e determinará o modo de fazer efectiva a responsabilidade pelos abusos nele cometidos.
§ 2.º — Nos processos de liberdade de Imprensa, o conhecimento do facto e a qualificação do crime pertencerão exclusivamente aos Jurados.

ARTIGO 14º — Todos os cidadãos têm o direito de se associar na conformidade das Leis.

§ 1.º — São permitidas, sem dependência de autorização prévia, as reuniões feitas tranquilamente e sem armas.
§ 2.º — Quando, porém, se reunirem em lugar descoberto, os cidadãos darão previamente parte à autoridade competente.
§ 3.º — A força armada não poderá ser empregada para dissolver qualquer reunião, sem preceder intimação da autoridade competente.
§ 4.º — Uma Lei especial regulará, em quanto ao mais, o exercício deste direito.

ARTIGO 15º — É garantido o direito de petição. Todo o cidadão pode, não só apresentar aos Poderes do Estado reclamações, queixas e petições sobre objectos de interesse público ou particular, mas também expor quaisquer infracções da Constituição ou das Leis, e requerer a efectiva responsabilidade dos infractores.

ARTIGO 16º — A casa do cidadão é inviolável.

De noite somente se poderá entrar nela:

1.º — Por seu consentimento;
2.º — Em caso de reclamação feita de dentro;
3.º — Por necessidade de socorro;
4.º — Para aboletamento de tropa, feito por ordem da competente autoridade.
De dia somente se pode entrar na casa do cidadão nos casos e pelo modo que a Lei determinar.

ARTIGO 17º— Ninguém pode ser preso sem culpa formada, excepto nos casos declarados na Lei; e nestes, dentro de vinte e quatro horas contadas da entrada na prisão, sendo em lugar próximo da residência da respectiva autoridade e nos lugares remotos, dentro de um prazo razoável que a Lei marcará; a respectiva autoridade, por uma nota por ela assinada, fará constar ao réu o motivo da prisão, os nomes dos acusadores e os das testemunhas havendo-as.

§ 1.º — Ainda com culpa formada, ninguém será conduzido à prisão, ou nela conservado, se prestar fiança idónea nos casos em que a Lei a admita; e em geral, nos crimes que não tiverem maior pena que a de seis meses de prisão ou desterro, poderá o réu livrar-se solto.
§ 2.º — À excepção de flagrante delito, a prisão não pode ser executada senão por ordem escrita da autoridade competente. Se a ordem for arbitrária, a

autoridade que a deu será punida na conformidade das Leis.

§ 3.º — O que fica disposto acerca da prisão sem culpa formada, não é aplicável às Ordenanças Militares para a disciplina e recrutamento do Exército e Armada; nem compreende os casos em que a Lei determina a prisão de alguém por desobedecer à autoridade legítima, ou por não cumprir alguma obrigação dentro do prazo determinado.

ARTIGO 18º — Ninguém será julgado senão pela autoridade competente, nem punido senão por Lei anterior.

ARTIGO 19º— Nenhuma autoridade pode avocar as causas pendentes, sustá-las, ou fazer reviver os processos findos.

ARTIGO 20º — Ficam abolidos todos os privilégios que não forem essencialmente fundados em utilidade pública.

§ Único — À excepção das causas que por sua natureza pertencerem a juízos particulares na conformidade das Leis, não haverá foro privilegiado nem

comissões especiais.

ARTIGO 21º — Ficam proibidos as açoutes, a tortura, a marca da ferro e todas as mais penas e tratos cruéis.

ARTIGO 22º — Nenhuma pena passará da pessoa do delinquente; não haverá em caso algum, confiscação de bens, nem a infâmia dos réus se transmitirá aos parentes.

ARTIGO 23º — É garantido o direito de propriedade. Contudo, se o bem público, legalmente verificado, exigir o emprego ou danificação de qualquer propriedade, será o proprietário previamente indemnizado. Nos casos de extrema e urgente necessidade, poderá o proprietário ser indemnizado depois da expropriação ou danificação.

§ 1.º — É garantida a dívida nacional.
§ 2.º — É irrevogável a venda dos Bens Nacionais feita na conformidade das Leis.
§ 3.º — É permitido todo o género de trabalho, cultura, indústria e comércio, salvas as restrições da Lei por utilidade pública.
§ 4.º — Garante-se aos inventores a propriedade de suas descobertas, e aos escritores a de seus escritos, pelo tempo e na forma que a Lei determinar.

ARTIGO 24º — Ninguém é isento de contribuir, em proporção de seus haveres, para as despesas do Estado.

ARTIGO 25º — É livre a todo o cidadão resistir a qualquer ordem que manifestamente violar as garantias individuais, se não estiverem legalmente suspensas.

ARTIGO 26º — Os empregados públicos são responsáveis por todo a abuso e omissão pessoal no exercício das suas funções, ou por não fazer efectiva a responsabilidade de seus subalternos. Haverá contra elas acção popular por suborno, peita, peculato ou concussão.

ARTIGO 27º — O segredo das cartas é inviolável.

ARTIGO 28º — A Constituição também garante:

1.º — A instrução primária e gratuita;
2.º — Estabelecimentos em que se ensinem as ciências, letras, e artes;
3.º — Os socorros públicos;
4.º — A nobreza hereditária, e suas regalias puramente honoríficas.

ARTIGO 29º — O ensino público é livre a todos os cidadãos, contanto que respondam, na conformidade da Lei, pelo abuso deste direito.

ARTIGO 30º — Todo o cidadão pode ser admitido nos cargos públicos, sem mais diferença que a do talento, mérito e virtudes.

ARTIGO 31º — É garantido o direito a recompensas por serviços feitos ao Estado, na forma das Leis.

ARTIGO 32º — As garantias individuais podem ser suspensas por acto do Poder Legislativo, nos casos de rebelião ou invasão de inimigo, e por tempo certo e determinado.

§ 1.º — Se as Cortes não estiverem reunidas, e se verificar algum dos casos acima mencionados, correndo a Pátria perigo iminente, poderá o Governo decretar provisoriamente a suspensão das garantias.
§ 2.º — O Decreto da suspensão incluirá no mesmo contexto a convocação das Cortes para se reunirem dentro de quarenta dias; sem o que, será nulo e de

nenhum efeito.

§ 3.º — O Governo revogará imediatamente a suspensão das garantias por ele decretada logo que cesse a necessidade urgente que a motivou.
§ 4.º — A lei ou Decreto que suspender as garantias designará expressamente as que ficam suspensas.
§ 5.º — Durante o período de eleições gerais para Deputados, em caso algum poderá o Governo suspender as garantias.
§ 6.º — Quando o Governo tiver suspendido as garantias, dará conta às Cortes, logo que se reunirem, do motivo da suspensão, e lhes apresentará um relatório documentado das medidas de prevenção que por esta ocasião tiver tomado.