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Contos Populares do Brazil/Dona Pinta

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XII


Dona Pinta


(Sergipe)


Uma vez havia um rei que tinha seu palacio defronte de uma casa onde morava um velho que tinha tres filhas bonitas. A mais bonita de todas chamava-se Dona Pinta e o rei se apaixonou por ella.

Uma vez estando elle na varanda a querer namoral-a, ella, que estava brincando com um gatinho arribou-lhe o rabinho, e mostrou-lhe o boeiro… O rei ficou muito zangado e quiz arranjar um meio de entender-se com a moça livremente para vingar-se. Mandou chamar o pobre do velho e lhe disse que precisava que elle fosse vencer umas guerras. O velho se desculpou muito, e disse que ia fallar com suas filhas para vêr o que ellas diziam. D. Pinta lhe disse que prometesse ao rei ir, mas pedisse uma espera de alguns dias. Esta espera era para dar tempo a ella para fazer um alçapão na casa.

Passados os dias, o velho seguiu para as guerras, deixando a cada uma das filhas uma rosa, dizendo: «Quando eu voltar, cada uma ha de me apresentar a sua rosa aberta e fresca, que é o signal de sua virgindade; aquella cuja rosa estiver murcha terá o meu castigo.»

Depois, que o velho sahiu, o rei appareceu na sua casa, e D. Pinta o recebeu. Deixou-o na sala conversando com as irmãs, e foi para a sala de traz, e escondeu-se no seu subterraneo. O rei cançou de esperar, e, ficando tarde, foi-se embora muito zangado. No dia seguinte tornou a vir, e D. Pinta fez o mesmo; no terceiro dia a mesma cousa. Ahi fez mal ás duas suas irmãs, que appareceram pejadas, e cujas rosas ficaram murchas. O rei cada vez foi tomando mais raiva de D. Pinta, ao passo que mais se accendia o seu desejo, quanto mais ella o enganava.

Um dia ella se vestiu de moleque, e foi buscar favas na horta do rei, o qual a viu, mas não a conheceu, e, quando o soube, ainda mais desesperado ficou. Passou-se tempos e sempre o rei a ajuando.

Uma vez ella foi buscar lenha e o rei a encontrou no matto. Ahi ella disse: «Oh! como vem rei meu senhor tão cançado e tão suado! deite-se aqui, rei meu senhor!» E sentou-se no capim, fez collo e o rei deitou-se, e ella se poz a catar-lhe piolhos. Foi indo, foi indo até que o rei pegou no somno. Ahi ella, bem devagarinho, levantou-se, botou a cabeça do rei n'uma trouxa que fez com o chalé, e largou-se, foi-se embora a toda a pressa. Quando o rei acordou, que olhou em roda e não viu ninguem, ficou desesperado da vida. Passou-se. As irmãs de D. Pinta ficaram em ponto de dar à luz e deram. Ella, com medo de que o pai descobrisse a falta das irmãs, resolveu-se a ir engeitar os meninos no palacio do proprio rei.

Um dia, antes do pae chegar das guerras, preparou-se de negra com taboleiro na cabeça e os dous meninos dentro, fingindo eram flores, e foi vender no palacio. O rei, sem saber quem era, foi vêr as flores, e, quando descobriu o taboleiro, deu com os seus dous filhinhos. A negra disse: «Ahi ficam que são seus!…» E largou-se de escada abaixo e foi-se embora. O rei então conheceu tudo, e dizia: «D. Pinta, D. Pinta!… um dia eu hei de vingar-me.»

Tempos depois, chegou o pai das tres moças das guerras. As duas filhas deshonradas ficaram mais mortas do que vivàs para irem tomar a benção ao pai, porque não tinham mais a sua rosa viva! D. Pinta as valeu, dizendo a uma d'ellas: «Tome a minha rosa, mana, vá primeiro você, e ao depois vá fulana, e depois eu.» Assim fizeram, e enganaram o velho que de nada soube.

Depois d'isto, andava o rei uma vez passeando embarcado no mar e encontrou D. Pinta n'um bote tambem passeando. Ella, quando o avistou, o convidou para ir para o seu barco, e passearem juntos. Na occasião do rei entrar, ella o atirou no lodo da maré e elle ficou todo emporcalhado. Ficou vendendo azeite ás canadas, e procurando um meio de se vingar. Não achando nenhum, fez o plano de a pedir em casamento, e matal-a depois de casados. Fez o pedido, e a moça não aceitou. Afinal tanto instou que a moça disse ao pai: «Está bom, meu pai, diga á elle que eu o aceito, mas ha de me dar seis mezes de espera.» 0 velho foi dizer ao rei que a filha aceitava, mas pedia uma espera. Isto era tempo que D. Pinta pedia para poder preparar uma boneca, e parecida com ella, para enganar ao rei.

No fim de seis mezes não estava prompta ainda a boneca, e o rei tendo mandado marcar o dia do casamento, D. Pinta respondeu que só se casaria se o rei mandasse fazer um palacio novo. O rei concordou, e mandou fazer o palacio. Quando já estava a obra quasi prompta, D. Pinta não tinha ainda a boneca preparada, e, então, uma noite foi ao palacio velho ás escondidas, furtou a roupa do rei, metteu-se n'ella e foi ter com o mestre da obra, e fingindo que era o rei, e muito zangado dizia: «Isto não é obra; quero já que me botem tudo abaixo e façam tudo de novo.» Isto era de noite; o mestre da obra mandou logo chamar todos os trabalhadores e deitaram o palacio abaixo para levantar outro de novo. Afinal ficou prompta a boneca de D. Pinta, e tambem o palacio do rei. Marcou-se o dia do casamento. D. Pinta, quando foi para o quarto de dormir, levou a sua boneca, que era toda o retrato d'ella: botou-a assentada na cama com um favo de mel no seio, e se escondeu debaixo da cama, pegando n'um córdãosinho que a boneca tinha e que a fazia mover com a cabeça. O rei depois entrou e dirigiu-se á boneca, pensando que era D. Pinta, dizia: «D. Pinta, tu te alembras quando teu pai foi para a guerra que eu fui três dias á tua casa, e tu, p'ra caçoares commigo, te mettias lá p'ra dentro, e não me apparecias mais?…» A boneca bolia com a cabeça. Assim foi o rei repetindo todas as pirraças que a moça lhe tinha feito, e no fim cravou-lhe um punhal no seio. O mel espirrou e foi tocar nos beiços do rei, que, sentindo a doçura, disse: «Ah! minha mulher, si depois de morta estás tão dôce, que fará quando eras viva!» E poz-se a chorar. Ahi D. Pinta pulou de baixo e apresentou-se: «Aqui estou, meu amor!» Fizeram as pazes e ficaram vivendo muito bem.