Contos Tradicionaes do Povo Portuguez/A matrona de Epheso

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184. A MATRONA DE EPHESO

Em Efezo havia huma matrona honestissima que, morrendo-lhe seu marido, fez por elle os mayores extremos de dôr que se podem considerar; e não se contentando com as ceremonias communs das outras viuvas, se foy á sepultura de seu marido (que antigamente se enterravam nos adros das Igrejas) e ali estava a chorar, sem querer comer, nem afastar-se d'aquelle logar. Aconteceu terem ali perto enforcado a huns facinorosos, para guarda dos quaes deixára a Justiça alguns soldados. Soube hum d'estes que estava junto da sepultura aquella matrona, e compadecido da sua magoa, lhe levou da sua cêa, e a obrigou a que comesse, por não morrer desesperada. Passou adiante, porque o mesmo que a convenceo a que comesse, a persuadiu tambem a que lhe desse seu corpo, com a qual cousa descuidando-se da sua obrigação, vieram os parentes de hum dos justiçados e o furtaram. Vindo depois o soldado, e não achando o corpo na forca, temendo o castigo, veyo dizel-o muy triste á viuva, a qual o consolou e remediou logo, tirando o corpo de seu marido defunto, pelo qual havia feito tantos extremos, e o puzeram na forca em lugar do justiçado.

(P. João Baptista de Castro, Hora de Recreyo nas ferias de mayores estudos, Centuria I, n.º 79. Lisboa, 1770.)

Notas[editar]

184. A matrona de Epheso. — Sobre esta tradição e sua fórma popular, vid. n.º 69 e nota correspondente.