Contos Tradicionaes do Povo Portuguez/As barras de ouro

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74. AS BARRAS DE OURO

Trez irmãos estavam n'um monte fazendo carvão, e cada um guardava a borralheira, para que se não apagasse emquanto os outros dormiam. Coube a vez ao mais moço; mas não sei lá porque, elle descuidou-se e apagou-se a borralheira. Ficou muito apoquentado, e antes que os irmãos acordassem procurou modo de tornar a acender o fogo; viu lá longe uma luzinha, e lembrou-se de ir lá pedir fogo. Foi, andou, andou, até que chegou ao pé de uma grande borralheira em que estavam uns homens muito negros a fazer carvão. Pediu se lhe davam algumas brazas, que era para acender a sua borralheira, que se lhe tinha apagado, e vae elles disseram com má cara:

— Tire d'ahi um tição e leve-o.

O rapaz tirou o tição e botou a correr; ia para acender a sua borralheira, mas o tição apagou-se, e deitou-o para a banda. Tornou outra vez lá a pedir outro tição; disseram-lhe com a mesma catadura:

— Tire d'ahi um tição e leve-o.

Aconteceu o mesmo, apagou-se; teve coragem de tornar outra vez a ir pedir aos carvoeiros, e elles sempre lhe deram um tição, que se apagou como os outros dois. N'isto ia amanhecendo, os irmãos acordaram, e o rapaz contou-lhe tudo, e quando os irmãos olharam para os tições apagados, viram trez grossas barras de ouro. Pularam de contentes, e disseram:

— Deixa estar, que esta noite um de nós hade ir lá pedir mais tições.

Assim fizeram, e o irmão do meio trouxe de lá trez tições que eram, como já se sabe, trez barras de ouro. Á terceira noite foi lá o irmão mais velho, e tambem pediu os tições, e quando foi dia viram que eram das mesmas barras de ouro. Ficaram muito ricos e foram viver para a cidade; disse o mais velho:

— Havemos de mandar fazer um palacio para morarmos juntos.

Fez-se o palacio, que era muito rico, e depois de prompto metteram-se dentro. Passou um dia pela porta um mendigo e pediu-lhes esmola; mandaram-n'o entrar e deram-lhe de comer. Vae o velho assim que acaba de comer benzeu-se e começou a dar graças a Deus, e de repente todo o palacio se desfez como n'um sonho, e os trez irmãos e todos os que estavam com elles á meza acharam-se no meio da rua, como se n'aquelle logar nunca tivesse sido senão um monte de entulho.

(Arredores do Porto.)