Contos Tradicionaes do Povo Portuguez/O coelho branco

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34. O COELHO BRANCO

Havia um rei que tinha uma filha já crescida, que gostava muito de se lavar no balcão, e pedia á aia que levasse a bacia e outRos preparos e uma bandeja para pôr os anneis. Vinha um coelhinho branco, furtava-lhe os anneis e fugia; a princeza gostava de vêr aquillo, não dizia nada, ia ao cofre e mettia outros nos dedos. Continuou o coelhinho a furtar, até que a princeza ficou sem nenhum annel. Antes tinha tão grande abundancia, que ella ficou muito triste e melancholica; o rei teve muita pena com isto, e até mandou pôr um edital para virem todas as pessoas antigas para contarem contos e historias para alegrarem a princeza. Vieram muitas pessoas, mas a princeza estava no mesmo; até que vieram duas velhas sem saberem o que haviam de contar. Pelo caminho encontraram um burro sem pés nem mãos, carregado de lenha; as velhas foram em seguimento do burro, viram-o chegar a umas casas, descarregar a lenha, e acarretal-a para dentro. Ellas então subiram e no patim em cima viram umas pucaras a ferver; uma das velhas metteu o dedo e provou, e n’este tempo ouviu uma voz a dizer-lhe:

— Não proves, que não é para ti.

E a velha olhou pelo buraco da chave e viu um coelho, que tirou a pelle, e tornou-se em um principe, e disse:

— Quem me déra vêr a dona dos anneis que tenho aqui.

As velhas partiram para o palacio, e lá contaram o que tinham visto á princeza. Isto, já se sabe, alegrou logo a princeza, e disse ao rei que queria vêr aquillo. Foram todos, velhas, princeza e rei. Viram o burro fazer o mesmo, e foram á dita casa. A princeza metteu o dedo e provou; n’este ponto ouviu dizer:

— Prova, que é para ti.

Elia foi vigiar (espreitar), e as portas abriram-se, e o coelho disse:

— Quem me déra vêr a dona dos anneis que tenho aqui!

A princeza respondeu:

— A dona sou eu.

O coelho tornou-se principe, porque aquellas palavras lhe quebraram o encantamento, e casaram, foram muito felizes, e as duas velhas ficaram damas de honra do paço.

(Ilha de S. Miguel — Açores.)


Notas[editar]

34. O coelhinho branco. — Em uma versão do Algarve, inedita, vinha o estribilho poetico:

Lenço, liga, cordão e cuidado,
Quem me déra vêr aqui
A dama do meu agrado!