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Contos em verso/Contos maranhenses/Banhos de mar

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BANHOS DE MAR
 

Manoel Antonio de Carvalho Santos,
Negociante dos mais — acreditados,
Tinha, em sessenta e tantos,
Uma casa de seccos e molhados
Na rua do Trapiche. Toda a gente
— Gente alta e gente baixa —
O respeitava. Merecidamente:
A sua firma era dinheiro em caixa.

Rubicundo, roliço,
Era já outoniço,
Pois ha muito passára dos quarenta
E caminhava já para os cincoenta.
O bom Manoel Antonio
(Que assim era chamado),
Quando do amor o deus (Deus ou demonio,
Porque como um demonio os homens tenta,
Trazendo-os num cortado)
Fel-o gostar devéras
De uma menina que contava apenas
Dezoito primaveras,
E na candura de anjo
Causava inveja ás próprias assucenas.

Tinha a menina um namorodo, é certo;
Porém o pae, um madeireiro esperto,
Que no outro viu muito melhor arranjo,
Tratou de convencel-a
De que, aceitando a mão que lhe estendia
Manoel Antonio, a moça trocaria
De um vagalume a luz por uma estrella.

Ella era boa, compassiva, terna,
E havia feito ao moço o juramento
De que a sua affeição seria eterna;
Porém dobrou-se á logica paterna
Como uma planta se dobrára ao vento.

Sabia que seria
Tempo perdido protestar; sabia
Que, na opinião do pae, o casamento
Era um negocio e nada mais. Amava;
Sentia-se abrazada em chamma viva;
Mas... tinha-se na conta de uma escrava,
Esperando, passiva,
Que um marido qualquer lhe fosse imposto,
Contra o seu coração, contra o seu gosto.

Calou-se. Que argumento
Podia a planta contrapôr ao vento?

No dia em que a noticia
Do casamento se espalhou na praça,
A Praia-Grande inteira achou-lhe graça
E commentou-a com feroz malicia,

E na porta da Alfandega,
E no leilão do Basto
Outro caso não houve — era uma pandega!
Que ás linguas fornecesse melhor pasto
Durante uma semana, ou uma quinzena,
Pois em terra pequena
Nenhum assumpto é facilmente gasto,
E raramente um escandalo se pilha.

Quando um dizia: — A noiva do pateta
Podia muito bem ser sua filha,
Logo outro exagerava: — Ou sua neta!

O moço desdenhado,
Que na thesouraria era empregado,
E mettido a poeta,
Durante muito tempo andou de preto,
Co’a barba por fazer, muito abatido;
Mas, se a barba não fez, fez um soneto,
Em que chorava o seu amor perdido.

Do barbeiro esquecido
Só foi á loja, e vestiu roupa clara,
Depois que a virgem que elle tanto amára
Saiu da egreja ao braço do marido.

Pois, meus senhores, o Manoel Antonio
Jámais se arrependeu do matrimonio;
Mas, passados tres annos,
Sentiu que alguma coisa lhe faltava:

Não se realizava
O melhor dos seus planos.

Sim, faltava-lhe um filho, uma criança,
Na qual pudesse reviver contente,
E este sonho insistente,
E essa firme esperança
Fugiam lentamente,
A’ proporção que os dias e os trabalhos
Seus cabellos tornavam mais grizalhos.

Recorreu á sciencia:
Foi consultar um medico famoso,
De muita experiencia,
E este, num tom bondoso,
Lhe disse: — A medicina
Forçar não póde a natureza humana.
Se o contrario imagina,
Digo-lhe que se engana.

Manoel Antonio, logo entristecido,
Poz os olhos no chão; mas, decorrido
Um ligeiro intervallo,
O medico adduziu, para animal-o:
— Todavia, Verrier, se não me engano,
Diz que os banhos salgados
Dão bellos resultados...
Experimente o oceano! —

No mesmo dia o bom Manoel Antonio,
A’ vista de juizo tão idoneo,

Tinha casa alugada
Lá na Ponta d’Areia,
Praia de banhos muito frequentada,
Que está do porto á entrada
E o porto aformoseia.

Nessa praia, onde um forte
Do sec’lo dezesete
Tem tido varia sorte
E medo a ninguem mette;
Nessa praia, afamada
Pela revolta, logo suffocada
De um Manoel Joaquim Gomes,
Nome olvidado, como tantos nomes;
Nessa praia que... (Vide o diccionario
Do Doutor Cesar Marques) nessa praia,
Passou tres mezes o quinquagenario,
Com a esposa e uma aia.

Não sei se coincidencia
Ou proposito foi: o namorado
Que não tivera um dia a preferencia,
Maldade que tamanhos
Ais lhe arrancou do coração magoado,
Tambem se achava a banhos
Lá na Ponta d’Areia...

Creia, leitor, ou, se quizer, não creia:
Manoel Antonio nunca o viu; bem cedo,
Sem receio, sem medo

De deixar a senhora ali sósinha,
Para a cidade vinha
N’um escaler que havia contratado,
E voltava á tardinha.

Tempos depois — marido afortunado!
Viu que a senhora estava de esperanças...

Ella teve, de facto,
Duas bellas crianças,
E o bondoso doutor, estupefacto,
Um optimo presente,
Que o pagou larga e principescamente!

— Viva o banho de mar! ditoso banho!
Dizia, ardendo em jubilo, o marido.
— Eu pedia-lhe um filho, e dois apanho!
Doutor, meu bom doutor, agradecido!

Pouco tempo durou tanta ventura:
Fulminado por uma apoplexia,
Baixou Manoel Antonio á sepultura.

O desdenhado moço um bello dia
A viuva esposou, que lhe trazia
Amor, contos de réis e formosura.

E no leilão do Basto
Diziam todos os desoccupados
Que nunca houve padrasto
Mais carinhoso para os enteados.