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Contos paraenses/Poemetos em prosa/V

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V
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A Paulino de Brito
 

I

 

Não tens então no peito a minima raiva contra mim? — perguntei-lhe admirado, fitando-a todo commovido pelo prazer das recentes pazes.

— Não! confirmou a rir, sacudindo a loira cabecinha tentadora, onde os loucos anneis dos seus cabellos tremulavam faceiros, n’uma opulencia, n’uma prodigalidade de adoraveis effluvios fascinadores. E toda a sua pequenina pessoa, delicada e meiga, parecia desabrochar as florescencias gentis das suas graças, dos seus divinos dotes triumphantes em meio á pujança da invejavel mocidade!

— Pois bemdita sejas tu, candida e pura, amada e amante virgem, que tanta bondade tens n’alma, quantas são as seducções capitosas do teu bello rostinho, coroado d’esses loiros cabellos, cujos anneis, loucos e faceiros, tremulam opulentos, em adoravel prodigalidade de fascinadores effluvios! — retorqui arrebatado em grande enthusiasmo, attraíndo-a castamente para mim, n’um impulso de gratidão, ainda todo commovido pelo prazer das recentes pazes.

E assim ficou justificado e perdoado o meu primeiro atrevimento, que manifestara-se no roubo d’um beijo, — d’um pequenino beijo fugitivo, — áquella bemdita virgem, candida e pura, cujo delicado corpo como que desabrochava as divinas graças triumphaes em gentis florescencias de invejavel juventude pujante!

As rosas pareceram agitar-se nos verdes ramos, espreitar maliciosas esse enthusiasmo da minha amante virilidade em face das seducções capitosas de tão bello rostinho!..

II

 

Mas anoitecêra de todo. A latada que nos abrigava com os seus floridos jasmineiros rescendentes maior escuridão communicava á parte do jardim onde haviamos feito pazes, após o intemerato roubo de um beijo colhido nos rubros labios mádidos da minha pequenina amante fascinadora.

Um silencio embaraçador enleiava-nos em tíbia indecisão. A loira cabecinha d’ella descansava indolente no meu hombro, com os lindos anneis undiflavando-se-lhe tranquillos, concentrados, ao longo das correctissimas espaduas.

E uma tentação chegou-me a súbitas, sob a latada que abrigava-nos com seus rescendentes jasmineiros floridos, entre o silencio enleiando-nos embaraçadoramente em tíbia indecisão.

Já tinha-se curvado a minha fronte para a loira cabecinha a descançar-me no hombro, indolente e concentrada, e um desejo de intemerata relapsia assaltava-me poderoso, induzindo-me a colher novo beijo, — um fugitivo beijo pequenino e casto, — nos humidos labios da minha gentil e tentadora amante.

Ella, porém, de salto ergueu-se, vibrante e nervosa, rapida e precavida. Uma das mãos subiu-lhe célere á altura da cabeça, ameaçadoramente. Bateu o pésinho, n’uma expansão de enfado incipiente....

— Se reincidir, não perdôo mais! — exclamou, avisando-me, com a voz ainda repassada de toda a indolente volúpia de pouco antes e fugiu-me das mãos extendidas nervosamente, mais rapida que esses doces momentos de goso que me concedeu, emquanto descançava a fronte no meu hombro, com os formosos anneis da adoravel cabecinha louca undiflavando-se-lhe tranquillos pelas correctíssimas espáduas.

Deixei-me ficar, triste e concentrado, sob a perfumosa latada, em meio á escuridão, recordando o prazer das jubilosas pazes feitas após o roubo de um beijo, — do primeiro beijo, pequenino e casto, — aos ardentes labios mádidos da minha bemdita virgem.

E as rosas pareceram agitar-se nas verdes ramas invisiveis quasi, n’um recolhimento compadecido, lamentando a inutilidade da minha juventude em face do capricho d’aquella pequenina cabeça loira, de triumphantes graças capitosas, que só admittira e perdoara o meu primeiro atrevimento... ainda tão innocente e retrahido!...