Correio da Manhã/19 de fevereiro de 1928/Democracia

by Herbert George Wells

A democracia

 

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Como a vê e como a julga
o fino espirito de
H. G. Wells

A democracia fracassou? Continuará nos annos vindouros a conservar as suas caracteristicas actuaes? Irá transformar-se até ficar desconhecida, ou será posta á margem, como um processo decididamente mao para tratar os assumptos humanos?

Democracia é uma palavra com notavel variedade de significados. Vou empregal-a aqui no seu sentido mais usual e corrente, ou seja para exprimir o governo de um paiz por legisladores ou administradores designados pelo voto pupular: governo baseado na theoria de que, ultimamente, o povo é soberano; neste conceito a democracia envolve uma negação de todo o privilegio de casta, ou de classe, para assumir o poder ou qualquer posição publica importante, excepto nos casos e até onde o povo soberano consinta e permitta.

Até o mesmo rei se entendo que o é por consentimento popular e não por nenhum direito divino. O cerimonial da democracia, sua festa, sua grande funcção, se resume nas eleições. Por meio destas se constitue o poder e se suppõe que se manifesta a vontade publica.

Se não se define deste modo preciso a democracia, sua signicação cairá nas mais extranhas contradições. Deixando de parte especialismo e concreto sentido que se lhe deu no mundo antigo póde dizer-se que a concepção da democracia leva envolta uma centena de aspectos distinctos, desde que o grande movimento da revolução franceza poz em uso frequente tal palavra.

Representa-se a egualdade humana na frente de toda a sorte de privilegio e de dominio e ella tem significado o direito do individuo a affirmar sua personalidade, e desenvolver plenamente a sun actividade contra toda fórma de coacção. Tem acolhido e sustentado, portanto, o extremo socialismo e o mais extremado individualismo, e tem defendido, tambem, com egual facilidade o progresso illimitado e a reacção até a vida rural, segundo sua concepção liberal, ou sua concepção egualitaria tenham sido levadas até o ultimo extremo.

Temos visto na Europa a democracia socialista, a democracia christã e ainda a monarchia democratica, estreitando a mão a todo o mundo. Deixo de lado, neste escripto, todas as variantes paradoxaes e todas estas differentes interpretações, nem me referirei tão pouco, de modo algum, no partido democratico dos Estados Unidos.

Vou discutir simplesmente a democracia politica, isto é, o governo e a direcção dos negocios publicos, em geral, por pessoas eleitas mediante suffragio amplo, universal. Esta classe de democracia, pode-se assignalar, latente ou manifesta, através da historia na maior parte dos palzes da Europa.

A Suissa é uma antiga democracia e na Inglaterra e na Escossla, o espirito democratico latente quasi brotou á superficie no seculo XVII; porém, só quando surgiram as revoluções norte-americanas e francezas, no final do seculo XVIII, é quando aquelle espirito chegou a ser dominante e respeitado e no seculo XIX foi o credo do liberalismo em toda a parte.

Durante este ultimo seculo, Wesminster, a mãe dos parlamentos, creou filhos para a exportação e surgiram legislaturas e gabinetes responsaveis por todo o globo, desde o Japão até o Brasil.

O suffragio se propagou como uma epidemia e, actualmente, se tem estendido de tal sorte que até as monjas nos conventos da Inglaterra e as damas nos harens turcos têm direito ao voto. Na Africa do Sul o suffragio da população negra tem chegado a ser uma questão verdadeiramente grave.

Não ha duvida, de que tão extensa democratisação da humanidade tem tido muitas consequenciás beneficas, tem obrigado aos mais indifferentes a prestar uma attenção pelo menos provisoria aos assumptos da collectividade e tem sido o symbolo de um novo respeito, até mesmo entres as mulheres de outras classes, ás quaes se tem concedido o suffragio, assim como entre multas raças antes subjugadas.

Porém, hoje, se apresenta cada vez com maior opportunidade a questão de precisar, so a democracia é realmente um bom methodo, definitivo e permanente para encaminhar os assumptos da collectividade.

Vae continuar o mundo no mesmo caminho, ou está buscando novas e satisfatorias vias para seu desenvolvimento? Ou, falando de um modo mais correcto, até para o anno de 2027, as eleições geraes, as eleições municipaes e toda a sorte de eleições populares terão alguma importancia na resolução dos negocios publicos?

Accusa-se de muitas falhas a democracia politica; entretanto a principal, a mais essencial, é que tem produzido um typo especia e repulsivo de politico profissional (the politician), de caracteres peculiares, muito marcados. A theoria primitiva das eleições democraticas, era de que se solicitava de homens de grande capacidade e honradez, experimentados e de ideas bem definidas, que aceitassem os suffragios de sous concidadãos, e deste modo seriam eleitos em attenção aos seus dotes e ás suns virtudes. Mas, o assumpto das eleições resultou ser suscéptivel, de muito complicação e quasi, desde o principio, se viu que para assegurar o triumpho de um candidato, se necessitava alguma coisa mais quo seus dotes o que a reconhecida utilidade do seus serviços no povo.

Não era sufficiente para o novo Cincinato, que cultivasse bem seu jardim, era preciso que trabalhasse na sua eleição. O candidato a legislador, achou custoso o distrahir muita parte de seu tempo, para pôr-se em condições de assegurar sua eleição e teve que se collocar om intimas relações com outros individuos interessados em seu triumpho por communidade de idéas, convennienclas de partido, etc. etc., e já nos particulares dotes do candidato, seus meritos e serviços passaram immediatamente a occupar um logar secundario.

Seu interesse a respeito do que fosse bom para seu paiz e para a humanidade em geral, quedava a ficava effectivamente quedado, subordinado inteiramente no que possa servir para ganhar ou perder votos. Independencia de espirito, magnanimidade e grandeza em suas aspirações, são desvantagens positivas para o canditado. E desta sorte, encontramos que em todas as grandes nações democraticas, a direcção dos negocios tem passado ás mãos de homens que são grandes, notaveis, unicamente como politicos profissionaes, porém que não são pela sua intelligencia, superior e cultivada, pela nobreza, e excelsitude de suas creações.

Em grande numero de casos são notoriamente artificiosos e ambiguos, destros em suas estrategias politicas, inefficazes para a resolução dos grandes problemas que requerem conhecimentos, capacidade e estudo. Trate o leltor de apontar um só homem que seja verdadeiramente de primeira classe, moral e intellectualmente considerado, entro ns politicos britanicos, francezes, allemães ou norte-americanos de hoje em dia.

Com certo desalento comtemplamos esses homens, que nós mesmos temos eleito com o fim de que lograremos o surgimento de um mundo novo, e vemos directores que não dirigem, representantes que, em caso melhor, nos impressionam com humilhantes caricaturas do batalhador espirito da nossa raça. Damos conta de que o verdadeiro trabalho pelo porvir da humanidade se effectua independentemente do que constitue ostensivamente a gestão e marcha dos negocios publicos.