Da França ao Japão/V

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CAPITULO V

 
O estreito de Malaca.— Os piratas malayos e chins.— Uma fragata disfarçada. — Os juncos chineses. — A cidade de Cincapura.— Seus habitantes, uzos e costumes. — Um consul que honra o Brazil. — Saigon, capital da Cochinchina franceza.— Suas bellezas. — As tribus selvagens da Cochinchina.— Partida de Saigon. — O encontro com um cyclone.
 


P EZAROSOS, pela pouca demora do Ava em ponta de Galles, o que não nos permittio percorrer a famosa ilha de Ceylão, deixamos este porto em uma bella manhã, quando os raios do sol apenas doiravam o pico de Adão, e, com brando calor, afagavão nossos membros enervados pelos incommodos de uma viagem nos mares abrasadores da África e em uma atmosphera saturada de humidade.

Na tarde do mesmo dia, passavamos em frente de Malaca, a antiga cidade rival de Goa, o Gibraltar dos mares da China, que durante muitos annos, foi disputada pelos Hollandezes aos Portuguezes, e posteriormente, á aquelles pelos Inglezes.

A sua situação explica o empenho com que tres potencias conquistadoras da Europa, e que successivamente predominaram dominarão na Asia, hostilisarão-se para possuírem a chave do estreito de Malaca.

Os desmantelados fortes e os vastos armazens em ruina, que ahi se vêm, nos mostrão que o commercio de Malaca foi importante e que sua importância, como praça forte, considerável. Hoje, ainda que sem a primitiva importancia, a cidade de Malaca, sob a dominação do seu novo senhor, é um dos emporios do commercio asiatico, porem, a sua vizinhança de Poulo-Penang e de Cincapura, tira-lhe toda importância e prejudica consideravelmente seu commercio.

Comtudo, o que mais difficulta suas transacções commerciaes com certas povoações do estreito e outras do continente, é a pouca segurança que offerece a navegação destes mares sempre infestados pelos piratas malayos e chins.

Ha alguns annos apenas, que a pirataria era a occupação preferida pelos malayos e chins, e muitas vezes navios do alto bordo forão atacados e tomados em abordagem pelos piratas malayos que, em numero de mais de mil, investião em suas piriches contra qualquer navio do commercio navegando á vela.

Em 1802, uma fragata ingleza balanceava-se em calmaria nas aguas do estreito do Malaca quando seu commandante vio um grande numero de piriches e outras pequenas embarcações de todos os lados se dirigirem ao navio, e progressivamente estreitarem o cerco para o abordar. Comprehendendo que os piratas julgavão o navio, sob seu commando, empregado no commercio, o commandante conservou as bordas falsas que occultavão a artilharia, em quanto se carregavão os canhões; ordenando somente arreial-as para desmascarar as peças e dar passagem á metralha, quando os malayos se achavão a tiro, querendo assim, enganar aos piratas pela apparencia socegada do navio e animal-os a approximarem-se.

De feito, já algumas piriches acostavão á fragata, quando as duas bandas de artilharia vomitarão metralha, mettendo a pique mais de sessenta embarcações escapando apenas algumas poderão alcançar as costas da ilha de Sumatra.

Posterior a esta severa repressão, ainda outros navios poderão sem grande vantagem dar caça a estes bandidos do mar, entretanto, foi preciso que um philantropo inglez se offerecesse ás grandes potências maritimas para ter n'estes mares em permanencia um navio armado em guerra, para que os pequenos navios de commercio podessem navegar pelo estreito.

Hoje, os piratas indianos desapparecerão d'estas paragens, porém, os juncos chinezes, que sob pretexto dos piratas, tem artilharia, exercem por sua vez o roubo e outros actos de pirataria, todas as vezes que se encontrão com embarcações mais fracas ou desarmadas. Entretanto, seria facil ao governo da China, proceder a rigorozo inquerito e empregar severas medidas repressivas e exemplares contra taes crimes, mas, ao contrario, depois de viverem sobre as aguas durante alguns annos a roubarem, os antigos piratas voltão impunemente, graças a venalidade dos mandarins, ás suas cidades para gozarem o fruto de suas pilhagens.

As autoridades os deixão viver em santa paz, uma vez que com ellas dividão os valores accumulados na lucrativa occupação.

Durante dois dias, navegamos pelo estreito, ora, entre grande numero de pequenas ilhas de luxuriante vegetação, e outras vezes entre as baixas costas de Sumatra e Malaca o que nos fazia crer acharmo-nos em largo pelago.

Muito além, as altas montanhas da ilha de Bautam e as das outras ilhas mui próximas formão um hemyciclo que ao longe parecia uma cadeia de bem conchegadas montanhas.

Finalmente o Ava passou pela estreita passagem limitada pelos perigosos escolhos Rabbit e Coney e depois de ter encontrado a livre entrada do porto de Cincapura, praticada por entre os arrecifes que rodeão a ilha, chegou a esta cidade ao descambar do dia.

A vista da cidade de Cincapura não nos deo realmente, uma idéa do seo importante commercio e população.

O Ava acostou ao caes já tarde, e só podemos no dia da chegada, visitar as principaes ruas da cidade e irmos pernoitar em um hotel regular que ahi se encontra.

Apenas desembarcamos, tomamos um pequeno carrinho, puchado por dous briosos cavallos, para nos conduzir a cidade, a qual fica distante do desembarque de tres a quatro kilometros. Era então já noite e durante esta viagem um esplendido espectaculo se apresentou a nossos olhos: milhares de pyrilampos illuminavão por instantes e alternativamente o carrinho o tal era a quantidade que as arvores brilhavão em todos seos pontos, e fomos obrigados a abotoar nosso casaco afim de que estes insectos não penetrassem pelas dobras e aberturas das nossas vestes.

Nas noutes de calor, como as que passamos em Cincapura, observa-se este phenomeno em uma grande extensão desta região, porém estes insectos desapparecem em poucos dias desde que a temperatura refresca. Parece que sua existência só é compatível com uma temperatura mais ou menos constante e que a menor modificação causa-lhes a morte.

Cincapura é actualmente uma das cidades mais commerciaes da Asia e muito importante pelo seu commercio com alguns paizes dos mares do Sul.

É para ahi que afflue grande numero de navios de vela carregados com productos indigenas de Ceylão, Madrasta, Calcutá, Gôa, Pondechery, Bombay, Batavia, ilhas Phylippinas, Reino de Sião e de outros muitos pontos da Asia, comprehendidos os da China e Japão.

Cincapura é o grande armazem europeu na Asia; exporta os productos da Europa como sejão o ferro, zinco, pannos de lã, productos chimicos; e em troca, recebe a sêda, o charão, o papel da China, a camphora, a canela, a pimenta, o dente de elephante, o cravo da índia, as noses-moscadas, a tartaruga e mil outros objectos tanto da Asia como da Oceania.

A cidade de Cincapura foi fundada no começo deste século pelos hollandezes, que a cederão á Inglaterra por conveniencia de seus proprios interesses na Batavia. Comtudo, suscitarão-se duvidas sobre a legitimidade da concessão, emquanto que os inglezes considerando este negocio sob outro ponto de vista, fizerão valer um antigo direito sobre a ilha que um século antes, fora dada pelo rei de Johore ao capitão Hamilton.

CEYLÃO
 

Lith, Imperial A. Speltz

PELLOTIQUEIRO INDIANO

Finalmente em 1824 por commum accôrdo entre os herdeiros do sultão Mahomet, fallecido em 1810, e o governo inglez, foi reconhecida a ilha de Cincapura legitima propriedade da Inglaterra que por equidade paga uma certa renda annual aos prejudicados.

Em 1819, a população era toda malaya, contava apenas tresentos habitantes, e, segundo o Sr. Crawfurd, esta cidade já tinha em 1825 dose mil habitantes, em 1832 a população era superior a vinte mil almas.

Actualmente, Cincapura deve ter uma população superior a sessenta mil individuos, sendo uma quinta parte malaia e o resto chineza. A população europêa é diminuta, comtudo póde comprehender duas mil pessoas.

A cidade divide-se em tres districtos mais ou menos distinctos: o dos chins, dos malaios e o dos europeus.

A parte mais commercial da cidade, apresenta uma actividade tal que lhe dá semelhança com um campo de feira. Suas ruas são largas, porém a população chineza é muito densa. Assim, vimos em uma pequena casa habitarem mais de vinte pessoas sem se guardar as conveniências impostas pela differença dos sexos, idade e consanguinidade.

A parte occupada pelos malaios fica na margem direita do rio; as ruas são immundas e desprendem um tal cheiro de oleo de côco que atordoa o estrangeiro e causa-lhe agudas dores de cabeça.

As edificações europeas são de bella apparencia e rodeadas de jardins e situadas nos arrebaldes da cidade.

Na nossa volta, encontramo-nos com um indivíduo que nos disse ser o consul do Brazil em Cincapura; porém, não sómente sua linguagem, como as ideas que apresentou sobre o melhor modo de facilitar a emigração chineza para o nosso paiz, nos impressionou bastante, vendo nellas retratado o traficante de carne humana, e perfeito compromettedor de nossos interesses, sem que seja necessario juntar outro encargo ao que lhe foi individamente confiado.

Comtudo, o nosso consul de Cincapura é importante negociante no lugar; e, como o mais antigo dos consules, os seus collegas estrangeiros lhe reservão o lugar de honra nas festas officiaes. Não sabemos como tal honra é correspondida, porém não é dubio que a etiqueta malaia é estrictamente observada.

Fomos recebido com natural agrado pelo Sr. consul, e durante a conversação que tivemos com o represente dos nossos interesses na cidade mais importante do commercio asiatico, nenhum outro incidente se deu que nos fizesse sahir da indifferença pela sua pessoa, a não ser o protesto que lhe fizemos contra a immoralidade do seu projecto de emigração chineza, que consistia mais ou menos em por força, astucia e falsas promessas, embarcar-se os chins em navios que empregassem-se neste novo trafico de importação de carne humana.

Infelizmente, parece que esta desastrada idéa, encontra apoio e decidida protecção por parte de alguns negociantes da capital do Imperio, os quaes, segundo o estulto consul de Cincapura, esperão obter apoio e protecção do governo imperial. Sem attendermos a nenhuma conveniencia, que neste caso seria fatal aos nossos interesses, denunciamos valorosamente estes factos que podem ser averiguados por quem competir; e, assim fazendo, temos a consciencia de que cumprimos um dever de patriotismo, ainda que por isso incorramos no desagrado e desaggravo de quem se julgar offendido.

Se para appropriarmos os braços estrangeiros á satisfação das necessidades da patria, fosse necessario depravar o minimo sentimento do nosso coração, preferiamos vel-a lutando com a miseria, de que nós, pelos nossos erros e nenhum patriotismo, somos os unicos culpados; e conservar illeso para melhores tempos, o estro racional e moral da nossa sociedade.

Não é esta, a parte deste livro a mais appropriada para fallarmos das vantagens e inconvenientes da emigração chineza para nosso paiz, deixaremos esta questão para quando tratarmos da China e de seus habitantes.

Os chins de Cincapura dividem-se em diversas classes conforme suas profissões; os mais estimados são os naturaes de Fo-Kien, que se distinguem pelos seus costumes e usos dos demais, e se empregam no commercio mais importante da ilha; alguns, são negociantes e commissarios do importante commercio de exportação para alguns paizes da Europa.

Encontram-se na ilha excellentes madeiras de construcção, as larangeiras, as mangueiras, os excellentes magostões [1], e outras arvores fructiferas, todos os legumes das zonas equatoriaes e raizes farinaceas.

O reino animal é representado pelos macacos de diversas especies, o gato selvagem, a lontra, o porco espinho, o tigre, o leopardo e uma variedade de reptis entre os quaes, a serpente, conta mais de quarenta especies. Os passaros tambem são numerosos e alguns possuem uma bella e vistosa plumagem.

As especiarias das Indias são todas exportadas para Europa de Cincapura, e a maior quantidade vai directamente para Inglaterra em saccos ou em granel, no fundo dos navios, onde depois de accondicionada é importada nos paizes da América do Sul, e, em geral em todos que não dispõem de um commercio maritimo de longo curso. Só as transacções que ahi se fazem de pimenta, cravo, canella, sagú e camphora importão mensalmente em milhares de libras esterlinas.

No hotel onde nos hospedamos, durante a demora do Ava em Cincapura, vimos negociantes malayos que offerecião aos viajantes alguns objectos fabricados no paiz. Estes individuos só se occupão no commercio volante, ora á espera de estrangeiros para venderem curiosidades da ilha, ora vão pelas casas dos residentes europêos offerecerem certos objectos de uso domestico.

Entre outros objectos vimos bem trabalhados cestos de palha, trabalhos em marfim, representando elephantes e estatuas dos deoses indianos, lenços de seda muito apreciados pelos tomadores de rapé, e bengalas feitas com junco da India e artisticamente esculpidas.

Os mais perfeitos juncos se encontrão em Cincapura e seo preço é algumas vezes elevado.

Sahimos á tarde do dia seguinte ao da chegada á esta cidade, e quando o Ava descia o rio vimos sobre as margens alguns crocodilos de um a dois metros de comprimento, que ahi andão aos bandos e se reproduzem de um modo espantoso.

Quando entramos no Oceano os ultimos raios do sol douravão as altas Costas de Malacca, e horas depois, um céo estrellado e sereno nos fez lembrar do que cobre o solo patrio. Estavamos apenas dois gráos acima do equador; até então, o Ava dirigira sua marcha para o Sul, agora, mudando de rumo, dirigia-se a Saïgon, capital da Cochinchina franceza.

Em menos de tres dias ganhamos a entrada do rio Saïgon, em cuja margem esquerda eleva-se a aristocratica capital da colonia.

É muito pittoresca a capital da possessão franceza e as suas modernas edificações, espalhadas nos arrabaldes da cidade com grandes chacaras e bellos jardins, parecem-se com as villas italianas, pelo gosto de sua architectura e conforto interior.

Ao desembarcarmos entramos em um largo boulevard com suas casas de commercio europeo e chinez, e onde encontramos um pequeno restaurant, que foi immediatamente invadido pelos passageiros do Ava.

As ruas transversaes são occupadas pelo commercio chinez e habitadas por alguns annamitas, que são aborigenes desta região.

Encontra se nesta cidade toda sorte de objectos de uso europêo, e as lojas ou armazens os vendem por preços relativamente baratos.

Ahi se encontrão charutarias, padarias, açougues, cafés, etc.

Entre os mais modernos edificios sobresahe, pela importancia da sua architectura e custosos trabalhos de ornamento, o palacio que serve de residencia ao governador, e a cathedral que ainda se achava em construcção. Mui bellos e vistosos chalets e casas de campo se encontrão distribuidos com certo criterio pelos arredores da cidade, e cada uma destas edificações é rodeada por bem ornados jardins ou chacaras.

Tudo que ahi vimos lembra o espirito social do povo francez, sabendo com gosto reunir o util ao agradavel, sem comtudo contrahir onerosos compromissos, ou sacrificar sem utilidade correspondente, grandes sommas de dinheiro.

Em Saïgon, os francezes souberão reunir todas as insignificancias que pouco custão, mas que, entretanto, tornão uma cidade commoda para viver-se.

Em breve tempo, Saigon será um dos emporios importantes do commercio asiatico, e as condições, para que se realise nossas previsões, não pódem ser desconhecidas por qualquer pessoa que tenha visitado a possessão francesa.

A cultura do café tem provado bem, e na épocha da nossa chegada a esta região soubemos que, por instrucção do governo francez, o governador tratava de animar esta cultura, já mandando distribuir sementes como fazendo certas concessões e vantagens aos agricultores d'este estimado producto, que faz a riqueza do nosso paiz.

Em Saïgon, tivemos a honra e o prazer de conversar com o almirante Krantz, então governador desta colonia, e por cujos esforços a lavoura tem-se desenvolvido de um modo extraordinario em quasi todo o territorio da concessão.

Sua Excellencia honrou a commissão com uma interessante soirée no seu palacio, durante a qual o espirito francez sustentou com distincção a fama de que goza em todos os paizes.

A festa foi completa, concorrida por grande numero de officiaes, algumas senhoras francezas e outras crioulas, isto é, filhas de francezes mas naturaes de Cochinchina.

A administração militar n'esta colonia, é a que mais convem aos interesses da França. Algumas tribus selvagens habitando ao norte de Saïgon perturbão em suas excursões o socego da colonia e torna-se então necessário repellil-as, para as suas brenhas, pelas armas.

Ultimamente, poude o governador convencel-os de que devião cultivar o rico solo d'esta região, e com effeito, plantão e cultivão actualmente o arroz, o algodão, o fumo, a canna de assucar e o trigo da Turquia; comtudo, o trabalho da lavoura é mal feito e as colheitas se perdem muitas vezes por falta de cuidado ou indolencia d'estes selvagens.

As tribus principaes são: as dos Ba-hnars, dos Se-danz, dos Ro-ngão, dos Ia-raï e dos Ha-long, que aborigenes como os annamitas differem entretanto d'estes, pelos costumes e pelos dialectos que fallão.

Os Se-danz habitão as montanhas ricas em minerios de cobre e de ferro, e occupam-se, em geral, do fabrico de ferramentas e instrumentos agricolas.

Os Ba-hnars occupão-se na fabricação de um estofo que serve para cobertas, fabricão cachimbos esculpidos e explorão uma especie de caneleira das suas florestas cujo producto é muito estimado. Os Ha-long occupão-se em explorar os terrenos auriferos e finalmente os Ia-rai e os Ro-ngão são caçadores e vivem do commercio de marfim, chifres de rhinocerontes, etc.

O governo entre elles é patriarchal; cada aldeia é independente, forma uma republica separada e cujo chefe é um dos seus mais idosos habitantes.

Algumas vezes, estas aldeias se declarão guerra por qualquer motivo, e quando uma d'ellas é vencida, os vencedores escravisão seus habitantes e os vendem ás outras tribus.

Os seus costumes são simples e puros, o furto e o roubo são completamente desconhecidos n'estas tribus.

O suicidio é considerado acto covarde, e aquelles que voluntariamente se deixão morrer, são enterrados á parte e sua memória é detestada.

Conta um viajante que internou-se na Cochinchina, que quando algum habitante é accusado ou suspeitado de ter commettido um crime, é immediatamente sujeito a certas provas; as principaes são a da agua e as dos ovos quebrados.

As dos ovos consistem em os adevinhos tomarem um entre o pollegar e o index e apostropharem: «Se tem crime arrebente»; se o ovo não se quebra o accusado é innocente.

Muitas vezes o ovo arrebenta e a pessoa que é accusada de um crime supposto, apenas responde : «Foi, talvez durante o somno que fiz mal, eu o ignorava.» e se resignão a sua sorte.

Isto basta para que o accusado seja vendido aos Sàos como escravo.

Segundo informa o Padre Tournofond, uma missão foi fundada em 1848 entre estes selvagens, e os missionários tem obtido melhorar a sorte destes infelizes ensinando-lhes a cultivar o fertil solo de seu paiz.

O reino animal da Cochinchina é muito numeroso; encontra-se ahi o elephante, o rhinoceronte, o tigre, o lobo, o javali, o veado, e rebanhos de buffalos selvagens e muitos outros animaes que longo seria descrever.

Ultimamente, a França assignou um tratado de commercio com o rei de Annam, que permitte á todas as bandeiras a navegação do Kong-Kiang, e o commercio com Tong King.

Francisco Garnier não sacrificou sua vida inutilmente e este tratado de commercio é o fructo dos serios trabalhos do explorações a que elle procedeu no Indo-China.

Os productos deste paiz são riquissimos e muito variados.

Entre os metaes encontra-se em abundancia, o ferro, o minerio do estanho, os de zinco, os de cobre, os de arsenico, os de prata e finalmente os de ouro e de mercurio.

Já existem muitas destas minas em exploração; as de cobre são em numero superior a quarenta, e, uma dellas, a de Tang-Tan forneceu em um só anno 15 milhões de kilogrammas de metaes.

O chumbo é argentifero, e contem aproximadamente meio por cento do prata, o que é verdadeiramente rico.

Os principaes productos agricolas encontrão-se um Su-Tchmen e consiste em sedas fortes e resistentes, em algodão, em fumo, o qual póde ser comparado com o das ilhas Philippinas, o chá, principal producto de consumo na China, verniz e mil outras producções.

O Tong-King conta hoje para mais de quinhentos mil christãos em suas dezasete provincias, e, em breve tempo, este rico paiz será inteiramente christão, fazendo excepção com os demais situados também na Asia.

A Cochinchina muito ganhará com o novo tratado assignado pelo rei do Tong-King; será um posto avançado da França, que virá a adquirir a mesma importancia de que gosa Cincapura, como grande emporio do commercio inglez na Asia.

O almirante Krantz, já commandou a devisão franceza dos mares do sul; elle nos fallou do nosso paiz, do seu primeiro cidadão, da sua constituição, etc., forão alguns momentos de immenso prazer os que gastamos em conversar com este militar e habil administrador.

Como teríamos de visitar Hong-Kong, e na volta, a importante cidade de Shangai, deixamos de observar a população chineza de Saïgon e concentramos toda nossa attenção para os annamitas que ahi encontramos; e com alguns podemos conviver durante o tempo que o Ava demorou-se neste porto, graças ao prestimoso hotelleiro que ahi encontramos.

Os individuos annamitas com quem conversamos, erão de raça cochinchina, fallavão o francez e vierão de Húe, havia já alguns annos, em companhia de officiaes da marinha franceza.

Segundo elles nos disserão, o governo de seo paiz é como o da China; também existem os mandarins que governão com o junco o povo e as famílias.

Os seos usos são simples, trabalhão somente para comer, e os indivíduos das classes inferiores não nutrem a esperança de tornarem-se ricos, mesmo, porque, nos disserão elles, os mandarins encontrarião meio de se apoderarem do fructo dos nossos trabalhos.

Os maridos exercem direito absoluto sobre a mulher exceptuando o de morte, comtudo, ellas entrão na caza do homem voluntariamente; a polygamia é permittida ainda que raros sejão os casos.

As jovens mulheres são inteiramente livres, ninguém póde estranhar sua conducta e nenhuma falta impede-lhes o casamento.

Ainda que um pouco indolentes estes individuos, gostão da lavoura e são sobrios nas suas paixões e nas suas refeições.

Relachados com a limpeza de seos corpos, elles deixão crescer os cabellos, quasi sempre cobertos de vermes, e por estas razões não são raras as molestias de pelle, de que os europeos tanto receião o contagio.

Algumas mulheres são entretanto lindas de rosto e seos membros são bem desenvolvidos, porém o pouco ou nenhum aceio com os seos corpos, as tornão nojentas e despresiveis.

Em outros pontos da Cochinchina, encontrão-se tribus laboriosas, vivendo em sociedade e facilmente susceptiveis de civilisação; são, especialmente, os kambodjianos e os annamitas, os mais intelligentes, mais vigorosos e os de mais alta estatura d'entre elles.

Sahimos de Saigon com bello tempo, porém, apenas sulcamos as aguas do Occeano um vento fresco e um mar agitado vierão emballar-nos no Ava, do que já tão facilmente nos tinhamos desacostumado.

No primeiro dia da nossa viagem, o sol não se mostrou, e as observações barometricas feitas a bordo nos indicarão mudança brusca de tempo. O commandante do Ava, o experiente 1° tenente da marinha franceza Sr. Fleuriais, desde logo conheceo a approximação de um cyclone. Com effeito, no dia seguinte, ás dez horas da manhã, o barometro marcava uma depressão de vinte millimetros de mercurio, o mar começou a engrossar, o vento soprava com violência e era acompanhado do chuviscos. O Sr. Fleuriais conheceo então, o que convinha fazer; as theorias do grande Maury forão observadas; o nosso fim era desviarmo-nos do centro da actividade do tufão. A marcha do cyclone era no sentido inverso a do Ava ficavamos na sua trajectoria e era impossível desviar tanto quanto deveriamos; os arrecifes da costa impedião ao Ava de manobrar livremente. Esperamos pois, resignados a tormenta que se approximava rapidamente se annunciando com violencia inaudita.

Ás quatro horas estavamos no circulo de acção da borrasca giratoria, as rajadas de vento ameaçavão tudo demolir, o Ava mergulhava nas altaneiras ondas para elevar-se bruscamente, estorcendo-se como o agonisante na hora fatal.

Ás cinco horas, ouvimos o estrepito produzido por uma vaga que invadindo a coberta, arrombou as portas de descida para o salão e ameaçava inundar o navio. Perdemos a esperança vendo que novas vagas sobrepujavão em altura ao navio e que um outro embate tão vigoroso, faria sossobrar o Ava.

Felizmente, a machina estava enxuta e o leme ainda governava dando direcção conveniente ao navio, de modo que o hábil commandante, entre o perigo de approximar-se da costa e o da violência das vagas, poude determinar uma direcção que sem entregal-o a mercê das vagas não o conduzisse fatalmente sobre os arrecifes da costa.

Diminuiu-se a marcha, contemporisamos com o cyclone e no fim de quatorze horas de enjôo e de perigo, durante os quaes, andamos sobre as vagas em vertiginosos movimentos, o vento amainou, o véo de nuvens rasgou-se como por encanto e o Sol dardejando seus raios sobre os vertices espumantes das vagas ainda enfurecidas, fazia brilhar como preciosas pedras os pingos d’agua que erão lançados no espaço.

No dia seguinte aportamos em Hong-Kong e o lançava ancora perto do Tanaís que era o navio destinado a nos conduzir ao Japão.

 
CEYLÃO
 

Lith, Imperial A. Speltz

NEGOCIANTE DE CEYLÃO
 


  1. Estes fructos são de saboroso gosto, devidem-se em gommos de côr alvissima sendo a côr de sua casca e o seu tamanho semelhante a de uma romã.