Discurso do Presidente João Goulart no Palácio do Planalto (8 de setembro de 1961)

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Brasília, 8 de setembro de 1961.

No Palácio do Planalto, ao ser investido no cargo de Presidente da República.

Senhor Presidente Ranieri Mazzilli:

Ao receber de Vossa Excelência o cargo de Presidente da República dos Estados Unidos do Brasil, num dos instantes mais graves da sua história política, tenho perfeita consciência dos pesados encargos que me aguardam. Não me faltam, porém, a coragem e a fé nos destinos do Brasil.

Saídos de uma batalha pela legalidade, cabe-nos, agora, devotar-nos ao trabalho construtivo da Pátria, e para tanto convoco todos os brasileiros, sem discriminação de qualquer ordem. Ninguém deve esperar soluções milagrosas do Governo que hoje se instala. Inspirando-nos no empolgante movimento de unidade legalista do povo brasileiro, procuraremos mobilizar e harmonizar as diversas correntes representativas da Nação.

Vemos apenas um privilégio para o exercício dos cargos públicos: é o privilégio do mérito pessoal, da cultura e do trabalho a serviço da coletividade.

Convocado pelo povo brasileiro, que em todos os recantos do País clamava pela legalidade, cheguei ao Brasil, encontrando desde o meu Estado, onde desembarquei, uma população vibrante de patriotismo e exaltada nos seus sentimentos cívicos de defesa das instituições republicanas.

Apesar de profundamente sensibilizado pelas demonstrações de entusiasmo do povo, apaixonado nas exteriorizações do seu amor à liberdade, jamais tive outro pensamento que não fosse o de evitar que o País pudesse sofrer as desgraças de uma guerra entre irmãos. Minha primeira mensagem ao povo brasileiro foi de paz, de concórdia, de desarmamento dos espíritos e de compreensão, para defesa da ordem pública.

E, assim, aqui estou, Senhor Presidente, com a consciência tranquila de quem não faltou à sua pátria e aos seus deveres numa hora decisiva da nacionalidade.

Devemos todos rejubilar-nos por ter sido evitada uma luta fratricida, graças à atuação ordeira e patriótica do povo e à compreensão dos homens responsáveis pelo destino do Brasil, entre os quais destaco a atuação equilibrada de Vossa Excelência, Senhor Presidente Ranieri Mazzilli, nos momentos mais delicados da crise deflagrada.

Meu grande empenho continua sendo o da pacificação da família brasileira, e estou disposto a tudo fazer para apagar ressentimentos ou divergências, que não mais podem subsistir diante dos deveres que todos temos para com a pátria comum.

Sem embargo dos pronunciamentos presidencialistas de setores diversos da opinião pública, estou cumprindo e continuarei a cumprir, com rigoroso acatamento ao Congresso Nacional, as normas do sistema por ele instituído.

Em contato com as correntes políticas, através de seus chefes e líderes, entreguei, desde a minha chegada a Brasília, ao partido de maior representação no Parlamento, a Presidência do Conselho de Ministros, na pessoa do eminente Doutor Tancredo Neves, que teve a incumbência constitucional de organizar o Ministério de acordo com as demais agremiações partidárias, fazendo-o com o alto espírito público de que é dotado. Em consequência, formou-se um governo de coalizão, constituído de homens ilustres, devotados à causa pública e aos superiores interesses da Nação e que, faço votos, e disso estou certo, tudo envidarão para corresponder aos anseios do povo, de melhoria das condições de vida e de progresso nacional. Pela própria sistemática do parlamentarismo, O Governo deve contar com o apoio e a colaboração do Congresso Nacional.

A Nação registra e enaltece a atitude dos Senhores Membros do Congresso Nacional, que — sob a presidência de um bravo defensor da legalidade, o Senhor Senador Auro de Moura Andrade, e ao lado do ilustre Presidente da Câmara dos Deputados, Senhor Sérgio Magalhães, intransigente no cumprimento dos postulados constitucionais — souberam manter bem alto o prestígio e a dignidade do Parlamento.

Ao receber das mãos de Vossa Excelência, Senhor Presidente Ranieri Mazzilli, a faixa presidencial, invoco a proteção de Deus e peço ao povo brasileiro que não nos falte com a sua solidariedade nas árduas tarefas do novo Governo e para a realização dos destinos gloriosos da nossa pátria.