Esaú e Jacó/VI

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A princípio, vieram calados. Quando muito, Natividade queixou-se da igreja, que lhe sujara o vestido.

— Venho cheia de pulgas, continuou ela; por que não fomos a São Francisco de Paula ou à Glória, que estão mais perto, e são limpas?

Santos trocou as mãos à conversa, e falou das ruas mal calçadas, que faziam dar solavancos ao carro. Com certeza, quebravam-lhe as molas.

Natividade não replicou, mergulhou no silêncio, como naquele outro capítulo, vinte meses depois, quando tornava do Castelo com a irmã. Os olhos não tinham a nota de deslumbramento que trariam então; iam parados e sombrios, como de manhã e na véspera. Santos, que já reparara nisso, perguntou-lhe o que é que tinha; ela não sei se lhe respondeu de palavra; se alguma disse, foi tão breve e surda que inteiramente se perdeu. Talvez não passasse de um simples gesto de olhos, um suspiro, ou coisa assim. Fosse o que fosse, quando o coupé chegou ao meio do Catete, os dois levavam as mãos presas, e a expressão do rosto era de abençoados. Não davam sequer pela gente das ruas; não davam talvez por si mesmos.

Leitor, não é muito que percebas a causa daquela expressão e desses dedos abotoados. Já lá ficou dita atrás, quando era melhor deixar que a adivinhasses; mas provavelmente não a adivinharias, não que tenhas o entendimento curto ou escuro, mas porque o homem varia do homem, e tu talvez ficasses com igual expressão, simplesmente por saber que ias dançar sábado. Santos não dançava; preferia o voltarete, como distração. A causa era virtuosa, como sabes; Natividade estava grávida, acabava de o dizer ao marido.

Aos trinta anos não era cedo nem tarde; era imprevisto. Santos sentiu mais que ela o prazer da vida nova. Eis aí vinha a realidade do sonho de dez anos, uma criatura tirada da coxa de Abraão, como diziam aqueles bons judeus, que a gente queimou mais tarde, e agora empresta generosamente o seu dinheiro às companhias e às nações. Levam juro por ele; mas os hebraísmos são dados de graça. Aquele é desses. Santos, que só conhecia a parte do empréstimo, sentia inconscientemente a do hebraísmo, e deleitava-se com ele. A emoção atava-lhe a língua; os olhos que estendia à esposa e a cobriam eram de patriarca; o sorriso parecia chover luz sobre a pessoa amada, abençoada e formosa entre as formosas.

Natividade não foi logo, logo, assim; a pouco e pouco é que veio sendo vencida e tinha já a expressão da esperança e da maternidade. Nos primeiros dias, os sintomas desconcertaram a nossa amiga. É duro dizê-lo, mas é verdade. Lá se iam bailes e festas, lá ia a liberdade e a folga. Natividade andava já na alta roda do tempo; acabou de entrar por ela, com tal arte que parecia haver ali nascido. Carteava-se com grandes damas, era familiar de muitas, tuteava algumas. Nem tinha só esta casa de Botafogo, mas também outra em Petrópolis; nem só carro, mas também camarote no Teatro Lírico, não contando os bailes do Cassino Fluminense, os das amigas e os seus; todo o repertório, em suma, da vida elegante. Era nomeada nas gazetas, pertencia àquela dúzia de nomes planetários que figuram no meio da plebe de estrelas. O marido era capitalista e diretor de um banco.

No meio disso, a que vinha agora uma criança deformá-la por meses, obrigá-la a recolher-se, pedir-lhe as noites, adoecer dos dentes e o resto? Tal foi a primeira sensação da mãe, e o primeiro ímpeto foi esmagar o gérmen. Criou raiva ao marido. A segunda sensação foi melhor. A maternidade, chegando ao meio-dia, era como uma aurora nova e fresca. Natividade viu a figura do filho ou filha brincando na relva da chácara ou no regaço da aia, com três anos de idade, e este quadro daria aos trinta e quatro anos que teria então um aspecto de vinte e poucos...

Foi o que a reconciliou com o marido. Não exagero; também não quero mal a esta senhora. Algumas teriam medo, a maior parte amor. A conclusão é que, por uma ou por outra porta, amor ou vaidade, o que o embrião quer é entrar na vida. César ou João Fernandes, tudo é viver, assegurar a dinastia e sair do mundo o mais tarde que puder.

O casal ia calado. Ao desembocar na Praia de Botafogo, a enseada trouxe o gosto de costume. A casa descobria-se a distância, magnífica; Santos deleitou-se de a ver, mirou-se nela, cresceu com ela, subiu por ela. A estatueta de Narciso, no meio do jardim, sorriu à entrada deles, a areia fez-se relva, duas andorinhas cruzaram por cima do repuxo, figurando no ar a alegria de ambos. A mesma cerimônia à descida. Santos ainda parou alguns instantes para ver o coupé dar a volta, sair e tornar à cocheira; depois seguiu a mulher que entrava no saguão.