Escuta
Si para amar-te for myster martyrios,
Com que delirios saberei soffrer !
Si de altas glórias for myster a palma,
Talvez minha alma possa além colher.
Quebrar cadeias, conquistar um nome,
Que não consome o perpassar das eras ;
Arcar com a furia de fracundos nortes,
Soffrer mil mortes, sem morrer de veras ;
Nas proprias carnes apertar cilicios,
Nos sacrificios ter sereno o rosto ;
Pisar descalço sobre espinhos duros,
Com pés seguros, com signaes de gosto ;
Longe da patria, no paiz mais feio,
Do tedio em meio, para amar-te, irei
Viver embora sob a zona ardente,
E alli contente por te amar serei !…
E a ser amado, si é myster o incenso,
Que sóbe denso dos salões aos tectos ;
Serei altivo, mas não vou de rastos,
Com labios castos mendigar affectos !
E si me odeias, por não ir-me ás salas
Dizer-te as fallas de mendaz paixão,
E, aos olhos de outros, profanando extremos,
Dizer-te : amemos, e apertar-te a mão ;
Me odeia, e muito, que eu não sou da farça,
Que o mal desfarça, que desfructa e ri !
Me odeia, e sempre, que eu não desço ao nivel
Do pó terrivel, que se arraste ahi !
Dà-me o teu odio, pois não quero—escuta—
Beber cicuta, procurando mel.
Dá-me o teu odio, mas n’um gráo subido,
Embora ungido de amargoso fel !
Dá-me o teu odio por fatal sentença.
A indifferença me será peior.
Que um sentimento por mim sintas n’alma,
Dá-me essa palma de um soffrer melhor !