A Divina Comédia (Xavier Pinheiro)/grafia atualizada/Inferno/I: diferenças entre revisões

Wikisource, a biblioteca livre
Conteúdo apagado Conteúdo adicionado
Ligia (discussão | contribs)
Sem resumo de edição
Ligia (discussão | contribs)
Sem resumo de edição
Linha 89: Linha 89:


Tanto que o vejo nesse grão deserto,<br/>
Tanto que o vejo nesse grão deserto,<br/>
— “Tem compaixão de mim” — bradei transido —<br/>
— “Tem compaixão de mim” — bradei transido — <br/>
“Quem quer que sejas, sombra ou homem certo!”<br/>
“Quem quer que sejas, sombra ou homem certo!”<br/>


Linha 100: Linha 100:
Quando em deuses havia a crença errada.<br/>
Quando em deuses havia a crença errada.<br/>


“Poeta, decantei feitos do justo<br/>
<li>Ich war Poet und sang Anchises´ Sohn,<br/>
Der Troja floh, besiegt durch Feindestuecke,<br/>
Filho de Anquíses, que de Tróia veio,<br/>
Depois que Ílion soberbo foi combusto.<br/>
Als, einst so stolz, in Staub sank Ilion.</li>

<li>Und du - du kehrst zu solchem Gram zuruecke?<br/>
Was bleibt die freud´ge Hoehe nicht dein Ziel,<br/>
“Mas por que tornas da tristeza ao meio?<br/>
Por que não vais ao deleitoso monte,<br/>
Die Anfang ist und Grund zum vollen Gluecke?&quot;</li>
Que o prazer todo encerra no seu seio?”<br/>
<li>&quot;So bist du,&quot; rief ich, &quot;bist du der Virgil,<br/>

Der Quell, dem reich der Rede Strom entflossen?&quot;<br/>
“— Oh! Virgílio, tu és aquela fonte<br/>
Ich sprach´s mit Scham, die meine Stirn befiel.</li>
Donde em rio caudal brota a eloqüência?”>br/>
<li>&quot;O Ehr´ und Licht der andern Kunstgenossen,<br/>
Falei, curvando vergonhoso a fronte. —<br/>
Mir gelt´ itzt grosse Lieb´ und langer Fleiss,<br/>

Die meinem Forschen dein Gedicht erschlossen.</li>
“Ó dos poetas lustre, honra, eminência!<br/>
<li>Mein Meister, Vorbild! dir gebuehrt der Preis,<br/>
Valham-me o longo estudo, o amor profundo<br/>
Den ich durch schoenen Stil davongetragen,<br/>
Com que em teu livro procurei ciência!<br/>
Denn dir entnahm ich, was ich kann und weiss.</li>

<li>Sieh dieses Tier, o sieh´ mich´s rueckwaerts jagen,<br/>
“És meu mestre, o modelo sem segundo;<br/>
Beruehmter Weiser, sei vor ihm mein Hort.<br/>
Unicamente és tu que hás-me ensinado;<br/>
Es macht mir zitternd Puls´ und Adern schlagen.&quot;</li>
O belo estilo que honra-me no mundo.<br/>
<li>&quot;Du musst auf einem andern Wege fort,&quot;<br/>

Sprach er zu mir, den ganz der Schmerz bezwungen,<br/>
“A fera vês que o passo me há vedado;<br/>
&quot;Willst du entfliehn aus diesem wilden Ort,</li>
Sábio famoso, acude ao perseguido!<br/>
<li>Denn dieses Tier, das dich mit Graun durchdrungen,<br/>
Tremo no pulso e veias, transtornado!”<br/>
Laesst keinen zieh´n auf seines Weges Spur,<br/>

Hemmt jeden, bis es endlich ihn verschlungen.</li>
Respondeu, do meu pranto condoído;<br/>
<li>Es ist von boeser, tueckischer Natur<br/>
Und nimmer fuehlt´s die wilde Gier ermatten,<br/>
“Te convém outra rota de ora avante<br/>
Para o lugar selvagem ser vencido.<br/>
Ja, jeder Frass schaerft seinen Hunger nur.</li>

<li>Mit vielen Tieren wird sich´s noch begatten,<br/>
Bis dass die edle Dogge kommt, die kuehn<br/>
“A fera, que te faz bradar tremante,<br/>
Aqui passar não deixa impunemente;<br/>
Es wuergt und hinstuerzt in die ew´gen Schatten.</li>
Tanto se opõe, que mata o caminhante.<br/>
<li>Nicht wird nach Land und Erz ihr Hunger glueh´n,<br/>

Doch wird sie nie an Lieb´ und Weisheit darben,<br/>
“Tem tão má natureza, é tão furente,<br/>
Inmitten Feltr´ und Feltro wird sie blueh´n,</li>
Que os apetites seus jamais sacia,<br/>
<li>Zu Welschlands Heil, des Ruhm und Glueck verdarben,<br/>
E fome, impando, mais que de antes sente.<br/>
Obwohl vordem Camilla fuer dies Land,<br/>

Eurialus, Turnus und Nisus starben.</li>
“Com muitos animais se consorcia,<br/>
<li>Nicht wird sie ruh´n, bis sie dies Tier verbannt,<br/>
Sie wird es wieder in die Hoelle senken,<br/>
Há-de a outros se unir ser chegado<br/>
Lebréu, que a leve à hórrida agonia.<br/>
Von wo´s zuerst der Neid heraufgesandt.</li>

<li>Du folg´ itzt mir zu deinem Heil - mein Denken<br/>
“Por ouro ou por poder nunca tentado<br/>
Und Urteil ist´s - ich will dein Fuehrer sein,<br/>
Saber, virtude, amor terá por norte,<br/>
Und dich durch ew´gen Ort von hinnen lenken.</li>
Sendo entre Feltro e Feltro potentado.<br/>
<li>Dort wirst du hoeren der Verzweiflung Schrei´n,<br/>

Wirst alte Geister schau´n, die bruenstig flehen<br/>
“Será da humilde Itália amparo forte,<br/>
Um zweiten Tod in ihrer langen Pein.</li>
<li>Wirst jene dann im Feu´r zufrieden sehen,<br/>
Por quem Camila a virgem dera a vida,<br/>
Turno Eurialo, Niso acharam morte.<br/>
Weil sie verhoffen, zu dem sel´gen Chor,<br/>

Sei´s wann es immer sei, noch einzugehen.</li>
“Por ele, em toda parte, repelida<br/>
<li>Und willst du auch zu diesem dann empor,<br/>
Irá lançar-se no infernal assento,<br/>
Wuerd´ger als ich, wird eine Seel´ erscheinen,<br/>
Donde foi pela Inveja conduzida.<br/>
Die geht, schied ich, als Fuehrerin dir vor.</li>

<li>Denn jener, der dort oben herrscht, laesst keinen<br/>
Eingehn, von mir gefuehrt, in seine Stadt,<br/>
“Agora, por teu prol, eu tenho o intento<br/>
De levar-te comigo; ir-te-ei guiando<br/>
Weil ich mich nicht verbunden mit den Seinen.</li>
Pela estância do eterno sofrimento,<br/>
<li>Er herrscht im All, dort ist die Herrscherstatt,<br/>

Sein Thron und seine Burg in jener Hoehe.<br/>
“Onde, estridentes gritos escutando,<br/>
Heil dem, den er erwaehlt dort oben hat&quot;</li>
Verás almas antigas em tortura<br/>
<li>&quot;O Dichter,&quot; Sprach ich jetzt zu ihm, &quot;ich flehe<br/>
Segunda morte a brados suplicando.<br/>
Bei jenem Gotte, den du nicht erkannt,<br/>

Dass diesem Leid und schlimmerm ich entgehe,</li>
“Outros ledos verás, que, em prova dura<br/>
<li>Bring´ an die Orte mich, die du genannt,<br/>
So, dass ich Petri Tor erschauen moege<br/>
Das chamas, inda esperam ter o gozo<br/>
De Deus no prêmio da imortal ventura.<br/>
Und jene, wie du sprachst, zur Qual verbannt.&quot;</li>

<li>Da schritt er fort, ich folgte seinem Wege.</li>
“Se lá subir quiseres, um ditoso<br/>
Espírito, melhor te será guia,<br/>
Quando eu deixar-te, ao reino glorioso.<br/>

“Do céu o Imperador, a rebeldia<br/>
Minha à lei castigando, não consente<br/>
Que eu da cidade sua haja a alegria.<br/>

“Em toda parte impera onipotente,<br/>
Mas tem no Empíreo sua augusta sede:<br/>
Feliz, por ele, o eleito à glória ingente!”<br/>

— “Vate, rogo-te” — eu disse — “me concede,<br/>
Por esse Deus, que nunca hás conhecido,<br/>
Porque este e maior mal de mim se arrede.<br/>

“Que, até onde disseste conduzido,<br/>
À porta de São Pedro eu vá contigo<br/>
E veja os maus que houveste referido”.<br/>

Move-se o Vate então, após o sigo.<br/>
</ol>
</ol>

-->
| valign="top"|<ol>
| valign="top"|<ol>
Nel mezzo del cammin di nostra vita<br/>
Nel mezzo del cammin di nostra vita<br/>

Revisão das 23h42min de 9 de janeiro de 2005

Tradução brasileira Original italiano

    Da nossa vida, em meio da jornada,
    Achei-me numa selva tenebrosa,
    Tendo perdido a verdadeira estrada.

    Dizer qual era é cousa tão penosa,
    Desta brava espessura a asperidade,
    Que a memória a relembra inda cuidosa.

    Na morte há pouco mais de acerbidade;
    Mas para o bem narrar lá deparado
    De outras cousas que vi, direi verdade.

    Contar não posso como tinha entrado;
    Tanto o sono os sentidos me tomara,
    Quando hei o bom caminho abandonado.

    Depois que a uma colina me cercara,
    Onde ia o vale escuro terminando,
    Que pavor tão profundo me causara.

    Ao alto olhei, e já, de luz banhando,
    Vi-lhe estar às espaldas o planeta,
    Que, certo, em toda parte vai guiando.

    Então o assombro um tanto se aquieta,
    Que do peito no lago perdurava,
    Naquela noite atribulada, inquieta.

    E como quem o anélito esgotava
    Sobre as ondas, já salvo, inda medroso
    Olha o mar perigoso em que lutava,

    O meu ânimo assim, que treme ansioso,
    Volveu-se a remirar vencido o espaço
    Que homem vivo jamais passou ditoso.

    Tendo já repousado o corpo lasso,
    Segui pela deserta falda avante;
    Mais baixo sendo o pé firme no passo.

    Eis da subida quase ao mesmo instante
    Assoma ágil e rápida pantera
    Tendo a pele por malhas cambiante.

    Não se afastava de ante mim a fera;
    E em modo tal meu caminhar tolhia,
    Que atrás por vezes eu tornar quisera.

    <No céu a aurora já resplandecia,
    Subia o sol, dos astros rodeado,
    Seus sócios, quando o Amor divino um dia

    A tais primores movimento há dado.
    Me infundiam desta arte alma esperança
    Da fera o dorso alegre e mosqueado,

    A hora amena e a quadra doce e mansa.
    De um leão de repente surge o aspecto,
    Que ao meu peito o pavor de novo lança.

    Que me investisse então cuido inquieto;
    Com fome e raiva atroz fronte levanta;
    Tremer parece o ar ao seu conspeto.

    Eis surge loba, que de magra espanta;
    De ambições todas parecia cheia;
    Foi causa a muitos de miséria tanta!

    Com tanta intensa torvação me enleia
    Pelo terror, que o cenho seu movia,
    Que a mente à altura não subir receia.

    Como quem lucro anela noite e dia,
    Se acaso o tempo de perder lhe chega,
    Rebenta em pranto e triste se excrucia,

    A fera assim me fez, que não sossega;
    Pouco a pouco me investe até lançar-me
    Lá onde o sol se cala e a luz me nega.

    Quando ao vale eu já ia baquear-me
    Alguém fraco de voz diviso perto,
    Que após largo silêncio quer falar-me.

    Tanto que o vejo nesse grão deserto,
    — “Tem compaixão de mim” — bradei transido —
    “Quem quer que sejas, sombra ou homem certo!”

    “Homem não sou” tornou-me — “mas hei sido,
    Pais lombardos eu tive; sempre amada
    Mântua lhes foi; haviam lá nascido.

    “Nasci de Júlio em era retardada,
    Vivi em Roma sob o bom Augusto,
    Quando em deuses havia a crença errada.

    “Poeta, decantei feitos do justo
    Filho de Anquíses, que de Tróia veio,
    Depois que Ílion soberbo foi combusto.

    “Mas por que tornas da tristeza ao meio?
    Por que não vais ao deleitoso monte,
    Que o prazer todo encerra no seu seio?”

    “— Oh! Virgílio, tu és aquela fonte
    Donde em rio caudal brota a eloqüência?”>br/> Falei, curvando vergonhoso a fronte. —

    “Ó dos poetas lustre, honra, eminência!
    Valham-me o longo estudo, o amor profundo
    Com que em teu livro procurei ciência!

    “És meu mestre, o modelo sem segundo;
    Unicamente és tu que hás-me ensinado;
    O belo estilo que honra-me no mundo.

    “A fera vês que o passo me há vedado;
    Sábio famoso, acude ao perseguido!
    Tremo no pulso e veias, transtornado!”

    Respondeu, do meu pranto condoído;
    “Te convém outra rota de ora avante
    Para o lugar selvagem ser vencido.

    “A fera, que te faz bradar tremante,
    Aqui passar não deixa impunemente;
    Tanto se opõe, que mata o caminhante.

    “Tem tão má natureza, é tão furente,
    Que os apetites seus jamais sacia,
    E fome, impando, mais que de antes sente.

    “Com muitos animais se consorcia,
    Há-de a outros se unir té ser chegado
    Lebréu, que a leve à hórrida agonia.

    “Por ouro ou por poder nunca tentado
    Saber, virtude, amor terá por norte,
    Sendo entre Feltro e Feltro potentado.

    “Será da humilde Itália amparo forte,
    Por quem Camila a virgem dera a vida,
    Turno Eurialo, Niso acharam morte.

    “Por ele, em toda parte, repelida
    Irá lançar-se no infernal assento,
    Donde foi pela Inveja conduzida.

    “Agora, por teu prol, eu tenho o intento
    De levar-te comigo; ir-te-ei guiando
    Pela estância do eterno sofrimento,

    “Onde, estridentes gritos escutando,
    Verás almas antigas em tortura
    Segunda morte a brados suplicando.

    “Outros ledos verás, que, em prova dura
    Das chamas, inda esperam ter o gozo
    De Deus no prêmio da imortal ventura.

    “Se lá subir quiseres, um ditoso
    Espírito, melhor te será guia,
    Quando eu deixar-te, ao reino glorioso.

    “Do céu o Imperador, a rebeldia
    Minha à lei castigando, não consente
    Que eu da cidade sua haja a alegria.

    “Em toda parte impera onipotente,
    Mas tem no Empíreo sua augusta sede:
    Feliz, por ele, o eleito à glória ingente!”

    — “Vate, rogo-te” — eu disse — “me concede,
    Por esse Deus, que nunca hás conhecido,
    Porque este e maior mal de mim se arrede.

    “Que, até onde disseste conduzido,
    À porta de São Pedro eu vá contigo
    E veja os maus que houveste referido”.

    Move-se o Vate então, após o sigo.

    Nel mezzo del cammin di nostra vita
    mi ritrovai per una selva oscura
    che' la diritta via era smarrita.

    Ahi quanto a dir qual era è cosa dura
    esta selva selvaggia e aspra e forte
    che nel pensier rinova la paura!

    Tant'è amara che poco è più morte;
    ma per trattar del ben ch'i' vi trovai,
    diro` de l'altre cose ch'i' v'ho scorte.

    Io non so ben ridir com'i' v'intrai,
    tant'era pien di sonno a quel punto
    che la verace via abbandonai.

    Ma poi ch'i' fui al piè d'un colle giunto,
    la` dove terminava quella valle
    che m'avea di paura il cor compunto,

    guardai in alto, e vidi le sue spalle
    vestite già de' raggi del pianeta
    che mena dritto altrui per ogne calle.

    Allor fu la paura un poco queta
    che nel lago del cor m'era durata
    la notte ch'i' passai con tanta pieta.

    E come quei che con lena affannata
    uscito fuor del pelago a la riva
    si volge a l'acqua perigliosa e guata,

    così l'animo mio, ch'ancor fuggiva,
    si volse a retro a rimirar lo passo
    che non lasciò già mai persona viva.