A Divina Comédia (Xavier Pinheiro)/grafia atualizada/Inferno/I: diferenças entre revisões

Wikisource, a biblioteca livre
Conteúdo apagado Conteúdo adicionado
Sem resumo de edição
Sem resumo de edição
Linha 1: Linha 1:
<[[A Divina Comédia]]
<[[A Divina Comédia]]

''Dante, perdido numa selva escura, erra nela toda a noite. Saindo ao amanhecer, começa a subir por uma colina, quando lhe atravessam a passagem uma pantera, um leão e uma loba, que o repelem para a selva. Aparece-lhe então a imagem de Virgílio, que o reanima e se oferece a tirá-lo de lá, fazendo-o passar pelo Inferno e pelo Purgatório. Beatriz, depois, o guiará ao Paraíso. Dante o segue.''



{| width=100%"
{| width=100%"

Revisão das 21h37min de 16 de janeiro de 2005

<A Divina Comédia

Dante, perdido numa selva escura, erra nela toda a noite. Saindo ao amanhecer, começa a subir por uma colina, quando lhe atravessam a passagem uma pantera, um leão e uma loba, que o repelem para a selva. Aparece-lhe então a imagem de Virgílio, que o reanima e se oferece a tirá-lo de lá, fazendo-o passar pelo Inferno e pelo Purgatório. Beatriz, depois, o guiará ao Paraíso. Dante o segue.


Tradução brasileira Original italiano

    Da nossa vida, em meio da jornada,
    Achei-me numa selva tenebrosa,
    Tendo perdido a verdadeira estrada.

    Dizer qual era é cousa tão penosa,
    Desta brava espessura a asperidade,
    Que a memória a relembra inda cuidosa.

    Na morte há pouco mais de acerbidade;
    Mas para o bem narrar lá deparado
    De outras cousas que vi, direi verdade.

    Contar não posso como tinha entrado;
    Tanto o sono os sentidos me tomara,
    Quando hei o bom caminho abandonado.

    Depois que a uma colina me cercara,
    Onde ia o vale escuro terminando,
    Que pavor tão profundo me causara.

    Ao alto olhei, e já, de luz banhando,
    Vi-lhe estar às espaldas o planeta,
    Que, certo, em toda parte vai guiando.

    Então o assombro um tanto se aquieta,
    Que do peito no lago perdurava,
    Naquela noite atribulada, inquieta.

    E como quem o anélito esgotava
    Sobre as ondas, já salvo, inda medroso
    Olha o mar perigoso em que lutava,

    O meu ânimo assim, que treme ansioso,
    Volveu-se a remirar vencido o espaço
    Que homem vivo jamais passou ditoso.

    Tendo já repousado o corpo lasso,
    Segui pela deserta falda avante;
    Mais baixo sendo o pé firme no passo.


    Eis da subida quase ao mesmo instante
    Assoma ágil e rápida pantera
    Tendo a pele por malhas cambiante.

    Não se afastava de ante mim a fera;
    E em modo tal meu caminhar tolhia,
    Que atrás por vezes eu tornar quisera.

    No céu a aurora já resplandecia,
    Subia o sol, dos astros rodeado,
    Seus sócios, quando o Amor divino um dia

    A tais primores movimento há dado.
    Me infundiam desta arte alma esperança
    Da fera o dorso alegre e mosqueado,

    A hora amena e a quadra doce e mansa.
    De um leão de repente surge o aspecto,
    Que ao meu peito o pavor de novo lança.

    Que me investisse então cuido inquieto;
    Com fome e raiva atroz fronte levanta;
    Tremer parece o ar ao seu conspeto.

    Eis surge loba, que de magra espanta;
    De ambições todas parecia cheia;
    Foi causa a muitos de miséria tanta!

    Com tanta intensa torvação me enleia
    Pelo terror, que o cenho seu movia,
    Que a mente à altura não subir receia.

    Como quem lucro anela noite e dia,
    Se acaso o tempo de perder lhe chega,
    Rebenta em pranto e triste se excrucia,


    A fera assim me fez, que não sossega;
    Pouco a pouco me investe até lançar-me
    Lá onde o sol se cala e a luz me nega.

    Quando ao vale eu já ia baquear-me
    Alguém fraco de voz diviso perto,
    Que após largo silêncio quer falar-me.

    Tanto que o vejo nesse grão deserto,
    — “Tem compaixão de mim” — bradei transido —
    “Quem quer que sejas, sombra ou homem certo!”


    “Homem não sou” tornou-me — “mas hei sido,
    Pais lombardos eu tive; sempre amada
    Mântua lhes foi; haviam lá nascido.

    “Nasci de Júlio em era retardada,
    Vivi em Roma sob o bom Augusto,
    Quando em deuses havia a crença errada.

    “Poeta, decantei feitos do justo
    Filho de Anquíses, que de Tróia veio,
    Depois que Ílion soberbo foi combusto.

    “Mas por que tornas da tristeza ao meio?
    Por que não vais ao deleitoso monte,
    Que o prazer todo encerra no seu seio?”

    “— Oh! Virgílio, tu és aquela fonte
    Donde em rio caudal brota a eloqüência?”
    Falei, curvando vergonhoso a fronte. —

    “Ó dos poetas lustre, honra, eminência!
    Valham-me o longo estudo, o amor profundo
    Com que em teu livro procurei ciência!

    “És meu mestre, o modelo sem segundo;
    Unicamente és tu que hás-me ensinado;
    O belo estilo que honra-me no mundo.

    “A fera vês que o passo me há vedado;
    Sábio famoso, acude ao perseguido!
    Tremo no pulso e veias, transtornado!”

    Respondeu, do meu pranto condoído;
    “Te convém outra rota de ora avante
    Para o lugar selvagem ser vencido.

    “A fera, que te faz bradar tremante,
    Aqui passar não deixa impunemente;
    Tanto se opõe, que mata o caminhante.

    “Tem tão má natureza, é tão furente,
    Que os apetites seus jamais sacia,
    E fome, impando, mais que de antes sente.

    “Com muitos animais se consorcia,
    Há-de a outros se unir té ser chegado
    Lebréu, que a leve à hórrida agonia.

    “Por ouro ou por poder nunca tentado
    Saber, virtude, amor terá por norte,
    Sendo entre Feltro e Feltro potentado.

    “Será da humilde Itália amparo forte,
    Por quem Camila a virgem dera a vida,
    Turno Eurialo, Niso acharam morte.

    “Por ele, em toda parte, repelida
    Irá lançar-se no infernal assento,
    Donde foi pela Inveja conduzida.

    “Agora, por teu prol, eu tenho o intento
    De levar-te comigo; ir-te-ei guiando
    Pela estância do eterno sofrimento,

    “Onde, estridentes gritos escutando,
    Verás almas antigas em tortura
    Segunda morte a brados suplicando.

    “Outros ledos verás, que, em prova dura
    Das chamas, inda esperam ter o gozo
    De Deus no prêmio da imortal ventura.

    “Se lá subir quiseres, um ditoso
    Espírito, melhor te será guia,
    Quando eu deixar-te, ao reino glorioso.

    “Do céu o Imperador, a rebeldia
    Minha à lei castigando, não consente
    Que eu da cidade sua haja a alegria.

    “Em toda parte impera onipotente,
    Mas tem no Empíreo sua augusta sede:
    Feliz, por ele, o eleito à glória ingente!”

    — “Vate, rogo-te” — eu disse — “me concede,
    Por esse Deus, que nunca hás conhecido,
    Porque este e maior mal de mim se arrede.


    “Que, até onde disseste conduzido,
    À porta de São Pedro eu vá contigo
    E veja os maus que houveste referido”.

    Move-se o Vate então, após o sigo.

    Nel mezzo del cammin di nostra vita
    mi ritrovai per una selva oscura
    che' la diritta via era smarrita.

    Ahi quanto a dir qual era è cosa dura
    esta selva selvaggia e aspra e forte
    che nel pensier rinova la paura!

    Tant'è amara che poco è più morte;
    ma per trattar del ben ch'i' vi trovai,
    diro` de l'altre cose ch'i' v'ho scorte.

    Io non so ben ridir com'i' v'intrai,
    tant'era pien di sonno a quel punto
    che la verace via abbandonai.

    Ma poi ch'i' fui al piè d'un colle giunto,
    la` dove terminava quella valle
    che m'avea di paura il cor compunto,

    guardai in alto, e vidi le sue spalle
    vestite già de' raggi del pianeta
    che mena dritto altrui per ogne calle.

    Allor fu la paura un poco queta
    che nel lago del cor m'era durata
    la notte ch'i' passai con tanta pieta.

    E come quei che con lena affannata
    uscito fuor del pelago a la riva
    si volge a l'acqua perigliosa e guata,

    così l'animo mio, ch'ancor fuggiva,
    si volse a retro a rimirar lo passo
    che non lasciò già mai persona viva.

    Poi ch'ei posato un poco il corpo lasso,
    ripresi via per la piaggia diserta,
    sì che 'l piè fermo sempre era 'l più basso.

    Ed ecco, quasi al cominciar de l'erta,
    una lonza leggera e presta molto,
    che di pel macolato era coverta;

    e non mi si partia dinanzi al volto,
    anzi 'mpediva tanto il mio cammino,
    ch'i' fui per ritornar piu` volte volto.

    Temp'era dal principio del mattino,
    e 'l sol montava 'n sù con quelle stelle
    ch'eran con lui quando l'amor divino

    mosse di prima quelle cose belle;
    sì ch'a bene sperar m'era cagione
    di quella fiera a la gaetta pelle

    l'ora del tempo e la dolce stagione;
    ma non sì che paura non mi desse
    la vista che m'apparve d'un leone.

    Questi parea che contra me venisse
    con la test'alta e con rabbiosa fame,
    sì che parea che l'aere ne tremesse.

    Ed una lupa, che di tutte brame
    sembiava carca ne la sua magrezza,
    e molte genti fè già viver grame,

    questa mi porse tanto di gravezza
    con la paura ch'uscia di sua vista,
    ch'io perdei la speranza de l'altezza.

    E qual è quei che volontieri acquista,
    e giugne 'l tempo che perder lo face,
    che 'n tutt'i suoi pensier piange e s'attrista;

    tal mi fece la bestia sanza pace,
    che, venendomi 'ncontro, a poco a poco
    mi ripigneva là dove 'l sol tace.

    Mentre ch'i' rovinava in basso loco,
    dinanzi a li occhi mi si fu offerto
    chi per lungo silenzio parea fioco.

    Quando vidi costui nel gran diserto,
    <<Miserere di me>>, gridai a lui,
    <<qual che tu sii, od ombra od omo certo!>>.

    Rispuosemi: <<Non omo, omo già fui,
    e li parenti miei furon lombardi,
    mantoani per patria ambedui.

    Nacqui sub Iulio, ancor che fosse tardi,
    e vissi a Roma sotto 'l buono Augusto
    nel tempo de li dei falsi e bugiardi.

    Poeta fui, e cantai di quel giusto
    figliuol d'Anchise che venne di Troia,
    poi che 'l superbo Ilion fu combusto.

    Ma tu perchè ritorni a tanta noia?
    perchè non sali il dilettoso monte
    ch'è principio e cagion di tutta gioia?>>.

    <<Or sè tu quel Virgilio e quella fonte
    che spandi di parlar sì largo fiume?>>,
    rispuos'io lui con vergognosa fronte.

    <<O de li altri poeti onore e lume
    vagliami 'l lungo studio e 'l grande amore
    che m'ha fatto cercar lo tuo volume.

    Tu sè lo mio maestro e 'l mio autore;
    tu sè solo colui da cù io tolsi
    lo bello stilo che m'ha fatto onore.

    Vedi la bestia per cù io mi volsi:
    aiutami da lei, famoso saggio,
    ch'ella mi fa tremar le vene e i polsi>>.

    <<A te convien tenere altro viaggio>>,
    rispuose poi che lagrimar mi vide,
    <<se vuò campar d'esto loco selvaggio:

    chè questa bestia, per la qual tu gride,
    non lascia altrui passar per la sua via,
    ma tanto lo 'mpedisce che l'uccide;

    e ha natura sì malvagia e ria,
    che mai non empie la bramosa voglia,
    e dopo 'l pasto ha più fame che pria.

    Molti son li animali a cui s'ammoglia,
    e più saranno ancora, infin che 'l veltro
    verrà, che la farà morir con doglia.

    Questi non ciberà terra nè peltro,
    ma sapienza, amore e virtute,
    e sua nazion sarà tra feltro e feltro.

    Di quella umile Italia fia salute
    per cui morì la vergine Cammilla,
    Eurialo e Turno e Niso di ferute.

    Questi la caccerà per ogne villa,
    fin che l'avrà rimessa ne lo 'nferno,
    là onde 'nvidia prima dipartilla.

    Ond'io per lo tuo mè penso e discerno
    che tu mi segui, e io sarò tua guida,
    e trarrotti di qui per loco etterno,

    ove udirai le disperate strida,
    vedrai li antichi spiriti dolenti,
    ch'a la seconda morte ciascun grida;

    e vederai color che son contenti
    nel foco, perchè speran di venire
    quando che sia a le beate genti.

    A le quai poi se tu vorrai salire,
    anima fia a ciò più di me degna:
    con lei ti lascerò nel mio partire;

    chè quello imperador che là sù regna,
    perch'i' fù ribellante a la sua legge,
    non vuol che 'n sua città per me si vegna.

    In tutte parti impera e quivi regge
    quivi è la sua città e l'alto seggio:
    oh felice colui cù ivi elegge!>>.

    E io a lui: <<Poeta, io ti richeggio
    per quello Dio che tu non conoscesti,
    acciò ch'io fugga questo male e peggio,br/>

    che tu mi meni là dov'or dicesti,
    sì ch'io veggia la porta di san Pietro
    e color cui tu fai cotanto mesti>>.

    Allor si mosse, e io li tenni dietro.

Índice Canto 2