A Divina Comédia (Xavier Pinheiro)/grafia atualizada/Inferno/IV: diferenças entre revisões

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Empédocle e Diógenes falavam,<br/>
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Dióscoris, o que a natura outrora
Dióscoris, o que a natura outrora<br/>
Sábio estudara, Orfeu, Túlio eloqüente,
Sábio estudara, Orfeu, Túlio eloqüente,<br/>
141 Sêneca, o douto, que a moral explora,
Sêneca, o douto, que a moral explora,<br/>


Lívio, Euclides, Hipócrates ingente,
Lívio, Euclides, Hipócrates ingente,<br/>
Ptolomeu, Galeno e o Avicena;
Ptolomeu, Galeno e o Avicena;<br/>
144 Averróis, nos comentos sapiente.
Averróis, nos comentos sapiente.<br/>


Resenha não me é dado fazer plena
Resenha não me é dado fazer plena<br/>
De todos; longo o assunto está-me urgindo,
De todos; longo o assunto está-me urgindo,<br/>
147 E a ser omisso muita vez condena.
E a ser omisso muita vez condena.<br/>


A companhia então se dividindo,
A companhia então se dividindo,<br/>
Comigo o Mestre outra vereda trilha,
Comigo o Mestre outra vereda trilha,<br/>
Do ar sereno ao ar, que treme, vindo:
Do ar sereno ao ar, que treme, vindo:<br/>


151 Chegados somos onde luz não brilha.
Chegados somos onde luz não brilha.<br/>


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Revisão das 21h11min de 26 de fevereiro de 2005

<A Divina Comédia

Dante é despertado por um trovão e acha-se na orla do primeiro círculo. Entra depois no Limbo, onde estão os que não foram batizados, crianças e adultos. Mais adiante, num recinto luminoso, vê os sábios da antigüidade, que, embora não cristãos, viveram virtuosamente. Os dois poetas descem depois ao segundo círculo.

Tradução brasileira Original italiano

    Desse profundo sono fui tirado
    Por hórrido estampido, estremecendo
    Como quem é por força despertado.

    Ergui-me, e, os olhos quietos já volvendo,
    Perscruto por saber onde me achava,
    E a tudo no lugar sinistro atendo.

    A verdade é que então na borda estava
    Do vale desse abismo doloroso,
    Donde brado de infindos ais troava.

    Tão escuro, profundo e nebuloso
    Era, que a vista lhe inquirindo o fundo,
    Não distinguia no antro temeroso.

    “Eia! Baixemos, pois, da treva ao mundo!” —
    O Poeta então disse-me enfiando —
    “Eu descerei primeiro, tu segundo”. —

    Tornei-lhe, a palidez sua notando:
    “Como hei-de ir, se és de espanto dominado,
    Quando conforto estou de ti sperando?” —

    “Dos que lá são o angustioso estado
    Causa a que vês no rosto meu impressa,
    Piedade, medo não, como hás cuidado.

    “Vamos: longa a jornada exige pressa”.
    Entrou, e eu logo, o círculo primeiro
    Em que o abismo a estreitar-se já começa,

    Escutei: não mais pranto lastimeiro
    Ouvi; suspiros só, que murmuravam,
    Vibrando do ar eterno o espaço inteiro.

    Pesares sem martírio os motivavam
    De varões e de infantes, de mulheres
    Nas multidões, que ali se apinhoavam.

    “Conhecer” — meu bom Mestre diz — “não queres
    Quais são os que assim vês ora sofrendo?
    Antes de avante andar convém saberes

    “Que não pecaram: boas obras tendo
    Acham-se aqui; faltou-lhes o batismo,
    Portal da fé, em que és ditoso crendo.

    “Na vida antecedendo o Cristianismo,
    Devido culto a Deus nunca prestaram:
    Também sou dos que penam neste abismo.

    “Por tal defeito — os mais nos não mancharam —
    Perdemo-nos: a pena é desesp’rança,
    Desejos, que para sempre se frustaram”.

    Ouvi-lo, em dor o coração me lança,
    Pois muitos conheci de alta valia,
    A quem do Limbo a suspenção alcança.

    “Ó Mestre! Ó meu Senhor! diz-me — inquiria,
    Para ter da certeza o firme esteio
    À fé, que os erros todos desafia,

    “Por seu merecimento ou pelo alheio
    Daqui alguém ao céu já tem subido?”
    Da mente minha ao alvo o Mestre veio,

    E falou-me: “Des’pouco aqui trazido,
    Descer súbito vi forte guerreiro;
    De triunfal coroa era cingido.

    “Almas levou — do nosso pai primeiro,
    Abel, Noé, Moisés, que legislara,
    Abraam, na fé, na obediência inteiro,

    “Davi, que sobre o povo hebreu reinara,
    Israel com seu pai e a prole basta,
    E Raquel, por quem tanto se afanara.

    “Para a glória outros muitos mais afasta
    Do Limbo; e sabe tu que antes não fora
    Salvo quem pertencera à humana casta”.

    Andávamos, enquanto isto memora,
    Sem parar, pela selva penetrando,
    Selva de almas, que aumenta de hora em hora,

    E da entrada não longe ainda estando,
    Eis um clarão brilhante divisamos
    Das trevas o hemisfério alumiando.

    Dali distantes ainda nos achamos
    Não tanto, que eu não discernisse em parte
    Que à sede de almas nobres caminhamos.

    “Ó tu, que és honra da ciência e da arte,
    Quem são” — disse — “os que, aos outros preferidos,
    Privilégio tamanho assim disparte?”

    Falou Virgílio: “— Assim são distinguidos
    Do céu, que atende à fama alta e preclara,
    Com que foram na terra engrandecidos”.

    Eis voz escuto sonorosa e clara:
    “Honrai todos o altíssimo poeta!
    A sombra sua torna, que ausentara”.

    Quatro sombras notei, quando aquieta
    O rumor, que a nós vinham: nos semblantes
    Nem prazer, nem tristeza se interpreta.

    E disse o Mestre, após alguns instantes:
    “Aquele vê, que, qual monarca ufano,
    Empunha espada e os três deixa distantes.

    É Homero, o poeta soberano;
    O satírico Horácio é o outro, e ao lado
    Ovídio, em lugar último Lucano.

    Como lhes cabe o nome assinalado
    Que soou nessa voz há pouco ouvida,
    Me honrando, honrosa ação têm praticado”.

    A bela escola assim vi reunida
    Do Mestre egrégio do sublime canto,
    Águia em seu vôo além dos mais erguida.

    Discursado entre si tendo algum tanto,
    A mim volveram gracioso o gesto:
    Sorriu Virgílio, dessa mostra ao encanto.

    Mais foi-me alto conceito manifesto,
    Quando acolher-me ao grêmio seu quiseram,
    Entre eles me cabendo o lugar sexto.

    Té o clarão comigo se moveram,
    Prática havendo, que omitir é belo,
    Sublime no lugar, onde a teceram.

    Chegamos junto a um fúlgido castelo
    Sete vezes de muro alto cercado:
    Cinge-o ribeiro lindo, mas singelo.

    Passei-o a pé enxuto; acompanhado
    Entrei por sete portas, caminhando
    De fresca relva até ameno prado.

    Graves, pausados olhos meneando
    Stavam sombras de aspecto majestoso,
    Com voz suave rara vez falando.

    A um lado, sobre viso luminoso
    Subimo-nos: de lá se divisava
    Dessas almas o bando numeroso.

    No verde esmalte o Mestre me indicava
    Egrégias sombras: inda me extasia
    O prazer com que vê-los exultava.

    Eletra vi de heróis na companhia,
    Enéias com Heitor e guarnecido
    Grifanhos olhos César nos volvia.

    Pentesiléia vi e o rosto ardido
    De Camila, e sentado o rei Latino
    Junto a Lavinia estava enternecido.

    Notei Márcia, Lucrécia e o que Tarquino
    Lançou, Cornélia e Júlia; retirado
    De todos demorava Saladino.

    Alçando os olhos, de respeito entrado,
    O Mestre vejo dos que mais se acimam
    Em saber, de filósofos cercado.

    Todos com honra e acatamento o estimam.
    Aqui Platão e Sócrates estavam,
    Que na grandeza mais se lhe aproximam.

    Demócrito, o atomista, acompanhavam
    Tales, Zeno, Heráclito e Anaxagora.
    Empédocle e Diógenes falavam,

    Dióscoris, o que a natura outrora
    Sábio estudara, Orfeu, Túlio eloqüente,
    Sêneca, o douto, que a moral explora,

    Lívio, Euclides, Hipócrates ingente,
    Ptolomeu, Galeno e o Avicena;
    Averróis, nos comentos sapiente.

    Resenha não me é dado fazer plena
    De todos; longo o assunto está-me urgindo,
    E a ser omisso muita vez condena.

    A companhia então se dividindo,
    Comigo o Mestre outra vereda trilha,
    Do ar sereno ao ar, que treme, vindo:

    Chegados somos onde luz não brilha.

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