As Asas de um Anjo/Prólogo: diferenças entre revisões
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Em casa de |
Em casa de Antônio. Sala pobre. |
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===CENA |
===CENA I=== |
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CAROLINA, MARGARIDA |
CAROLINA, MARGARIDA E ANTÔNIO. |
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( |
(Carolina defronte de um espelho, deitando nos cabelos dous grandes laços de fita azul. Margarida cosendo junto à janela. Antônio sentado num mocho, pensativo.) |
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CAROLINA |
CAROLINA (no espelho.) – É quase noite!... |
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MARGARIDA |
MARGARIDA – Que fazes aí, Carolina? já acabaste a tua obra?... Prometeste dá-la pronta hoje. |
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CAROLINA |
CAROLINA – Já vou, mãezinha; falta apenas tirar o alinhavo. (Chegando-se) Olhe! Não fico bonita com os meus laços de fita azul? |
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MARGARIDA |
MARGARIDA (erguendo a cabeça.) – Tu és sempre bonita; mas realmente essas fitas nos cabelos dão-te uma graça!... Pareces um daqueles anjinhos de Nossa Senhora da Conceição. |
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CAROLINA |
CAROLINA – É o que disse Luís, quando as trouxe da loja. Tínhamos ido na véspera à missa e ele viu lá um anjinho que tinha as asas tão azuis, cor do céu! Então lembrou-se de dar-me estes laços... Assentam-me tão bem; não é verdade? |
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MARGARIDA |
MARGARIDA – Sim; mas não sei para que te foste vestir e pentear à esta hora; já está escuro para chegares à janela. |
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CAROLINA |
CAROLINA (perturbada.) – Foi para experimentar o meu vestido novo, mãezinha... Quis ver como hei de ficar quando formos domingo ao Passeio Público... |
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MARGARIDA |
MARGARIDA – Ora, ainda hoje é terça-feira. |
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CAROLINA |
CAROLINA (mais perturbada.) – Que mal faz?... |
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MARGARIDA |
MARGARIDA – Está bom; vai aprontar a obra; a moça não deve tardar. |
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CAROLINA – É verdade! (Sai correndo.) |
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CAROLINA - É verdade! |
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===CENA II=== |
===CENA II=== |
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MARGARIDA |
MARGARIDA E ANTÔNIO. |
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MARGARIDA – Não sei o que tem esta nossa filha! Às vezes anda tão distraída... |
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ANTÔNIO (erguendo a cabeça.) – Quantos são hoje do mês, Margarida? |
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MARGARIDA – Pois não sabes? Vinte e seis. |
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ANTÔNIO (contando pelos dedos.) – Diabo! Ainda faltam quatro dias para acabar! Precisava receber uns cobres que tenho na mão do mestre e só no fim da semana... Que maçada! |
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MARGARIDA – Não te agonies, homem! o dinheiro que me deste ainda não se acabou; e hoje mesmo aquela moça deve vir buscar os vestidos que mandou fazer por Carolina. |
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ANTÔNIO – Quanto tem ela de dar? |
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MARGARIDA – Três vestidos a cinco mil-réis... Faz a conta. |
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MARGARIDA - Não sei o que tem esta nossa filha! Às vezes anda tão distraída... |
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ANTÔNIO (contando pelos dedos.) – Quinze mil-réis, não é? |
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ANTÔNIO - Quantos são hoje do mês, Margarida? MARGARIDA - Pois não sabes? Vinte e seis. |
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MARGARIDA – Quinze justos. Já vês que não nos faltará dinheiro; podes dormir descansado que amanhã terás o teu vinho ao almoço. |
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ANTÔNIO (contando pelos dedos) - Diabo! Ainda faltam quatro dias para acabar! Precisava receber uns cobres que tenho na mão do mestre e só no fim da semana... Que maçada! |
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ANTÔNIO – Ora Deus! Quem te fala agora em vinho? Não é para ti, nem para mim, que preciso de dinheiro. (Margarida acende a vela com fósforos.) |
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MARGARIDA - Não te agonies, homem! O dinheiro que deste ainda não se acabou; e hoje mesmo aquela moça deve vir buscar os vestidos que mandou fazer por Carolina. |
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MARGARIDA – Para quem é então, homem? |
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ANTÔNIO - Quanto tem ela de dar? |
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ANTÔNIO – Para Carolina. |
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MARGARIDA - Três vestidos a cinco mil-réis... Faz a conta. |
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MARGARIDA – Ah! Queres fazer-lhe um presente? |
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ANTÔNIO - Quinze mil-réis, não é? |
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ANTÔNIO – Tens ideias! Não!... Sim... (Rindo) É um presente que ela há de estimar. |
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MARGARIDA - Quinze justos. Já vês que não nos faltará dinheiro; podes dormir descansado que amanhã terás o teu vinho ao almoço. |
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MARGARIDA – Não; sim... Explica-te, se queres que te entenda. |
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ANTÔNIO - Ora Deus! Quem te fala agora em vinho? Não é para ti, nem para mim, que preciso de dinheiro. (MARGARIDA acende a vela com fósforos.) |
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ANTÔNIO – Lá vai. (Levanta-se) Há muitos dias que ando para te falar nisto; mas gosto de negócio dito e feito. Estive a esperar o fim do mês pela razão que sabes do dinheiro; e o fim do mês sem chegar. Enfim hoje já que tocamos no ponto, vou contar-te tudo. (Chega-se à porta da esquerda.) |
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MARGARIDA - Para quem é então, homem? |
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MARGARIDA – Carolina está lá dentro; podes falar. |
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ANTÔNIO - Para Carolina. |
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ANTÔNIO (baixo.) – Não reparaste ainda numa cousa? |
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MARGARIDA - Ah! Queres fazer-lhe um presente? |
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MARGARIDA – Em quê? |
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ANTÔNIO - Tens idéias! Não!... Sim... (Rindo) É um presente que ela há de estimar. |
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ANTÔNIO – Nos modos de Luís para a pequena. Como ele a trata? |
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MARGARIDA - Não; sim... Explica-te, se queres que te entenda. |
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MARGARIDA – Com seriedade; não brinca com ela. |
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ANTÔNIO - Lá vai. Há muitos dias que ando para te falar nisto; mas gosto de negócio dito e feito. Estive a esperar o fim do mês pela razão que sabes, do dinheiro; e o fim do mês sem chegar. Enfim hoje, já que tocamos no ponto, vou contar-te tudo. (Chega-se à porta da esquerda.) |
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ANTÔNIO – Justamente, e tu não achas que isto quer dizer alguma cousa? |
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MARGARIDA - Carolina está lá dentro; podes falar. |
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MARGARIDA – Quer dizer que Luís é um rapaz sisudo e trabalhador. |
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ANTÔNIO - Não reparaste ainda numa coisa? |
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ANTÔNIO – Só?... Mais nada? |
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MARGARIDA - Em quê? |
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MARGARIDA – Não sei que mais se possa ver em uma cousa tão natural. |
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ANTÔNIO - Nos modos de LUÍS para a pequena. Como ele a trata. |
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ANTÔNIO – Escuta, Margarida, tu te lembras quando eu era aprendiz de marceneiro, e que te via em casa de teu pai, que Deus tenha em sua santa glória? Tu te lembras?... Também te tratava sério. |
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MARGARIDA - Quer dizer que LUÍS é um rapaz sisudo e trabalhador. |
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MARGARIDA – Então pensas que Luís tem o mesmo motivo?... |
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ANTÔNIO - Só?... Mais nada! |
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ANTÔNIO – Penso; e eu cá sei por que penso. |
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MARGARIDA - Não sei que mais se possa ver em uma coisa tão natural. |
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MARGARIDA (curiosa.) – Descobriste alguma cousa? |
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ANTÔNIO - Escuta, Margarida, tu te lembras quando eu era aprendiz de marceneiro, e que te via em casa de teu pai, que Deus tenha em sua glória. Tu te lembras?... Também te tratava sério. |
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ANTÔNIO – Oh! se descobri! Um companheiro lá da tipografia muito seu amigo me contou que ele tinha uma paixão forte por uma moça que se chama Carolina. |
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MARGARIDA - Então pensas que LUÍS tem o mesmo motivo?... |
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MARGARIDA – Ah! Anda espalhando!... |
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ANTÔNIO - Penso; e eu cá sei por que penso. |
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ANTÔNIO – Não estejas já a acusar o pobre rapaz; ele não disse a ninguém. Um dia no trabalho... Mas tu sabes como é o trabalho dele? |
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MARGARIDA - Descobriste alguma coisa? |
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MARGARIDA – Não; nunca vi. |
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ANTÔNIO - Oh! se descobri! um companheiro lá da tipografia muito seu amigo me contou que ele tinha uma paixão forte por uma moça que se chama Carolina. |
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ANTÔNIO – Nem eu; porém disseram que é fazer com umas letras de chumbo o mesmo que escreve o homem do jornal. Pois nesse dia, Luís, que estava com o juízo cá na pequena, que havia de fazer?... |
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MARGARIDA - Ah! Anda espalhando!... |
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MARGARIDA – O quê? |
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ANTÔNIO - Não estejas já a acusar o pobre rapaz; ele não disse a ninguém. Um dia no trabalho... Mas tu sabes como é o trabalho dele? |
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ANTÔNIO – Em vez do que estava escrito deitou Carolina, Carolina, Carolina... Uma folha cheia de Carolinas, mulher! No dia seguinte a nossa filha andava com o jornal por essas ruas! |
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MARGARIDA - Não; nunca vi. |
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MARGARIDA – Santa Maria! Que desgraça, Antônio! |
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ANTÔNIO - Nem eu; porém disseram que é fazer com umas letras de chumbo o mesmo que escreve o homem do jornal. Pois nesse dia, LUÍS que estava com o juízo cá na pequena, que havia de fazer?... |
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ANTÔNIO – Espera, Margarida; ouve até o fim. Tem lá um homem, o contramestre da tipografia, que se chama revisor; assim que ele viu a nossa filha, quero dizer o nome, pôs as mãos na cabeça; houve grande barulho; mas como o rapaz é bom trabalhador acomodou-se tudo. É daí que o companheiro soube e me disse. |
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MARGARIDA - O quê? |
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MARGARIDA – Psiu!... Aí vem ela. |
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ANTÔNIO - Em vez do que estava escrito deitou Carolina, Carolina, Carolina... Uma folha cheia de Carolina, mulher! No dia seguinte a nossa filha andava com o jornal por essas ruas! |
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ANTÔNIO – Melhor! Acaba-se com isto logo de uma vez. |
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MARGARIDA - Santa Maria! Que desgraça, Antônio! ANTÔNIO - Espera, Margarida; ouve até o fim. Tem lá um homem, o contramestre da tipografia, que se chama revisor; assim que ele viu a nossa filha, quero dizer o nome, pôs as mãos na cabeça; houve grande barulho; mas como o rapaz é bom trabalhador acomodou-se tudo. É daí que o companheiro soube e me disse. |
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MARGARIDA |
MARGARIDA – Não lhe fales assim de repente. |
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ANTÔNIO |
ANTÔNIO – Por quê? Gosto de negócio dito e feito. |
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MARGARIDA |
MARGARIDA – Mas Antônio... |
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ANTÔNIO |
ANTÔNIO – Não quero ouvir razões. |
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(Entra Carolina com uma pequena bandeja em que traz os vestidos de chita em cassa e deita-a na cômoda.) |
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MARGARIDA - Mas Antônio... |
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ANTÔNIO - Não quero ouvir razões. (Entra CAROLINA com uma pequena bandeja cheia de vestidos.) |
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===CENA III=== |
===CENA III=== |
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OS MESMOS E CAROLINA. |
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CAROLINA |
CAROLINA – Ainda cose, mãezinha? Isto cansa-lhe a vista. |
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MARGARIDA |
MARGARIDA – Estou acabando; pouco falta. |
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ANTÔNIO |
ANTÔNIO – Vem cá. Tenho que te dizer uma cousa. |
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CAROLINA |
CAROLINA – Ah! Quer ralhar comigo, não é? |
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ANTÔNIO |
ANTÔNIO – E muito, muito; porque ainda hoje não te vieste sentar perto de mim como é teu costume para me contares uma dessas histórias bonitas que lês no jornal de Luís. |
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CAROLINA |
CAROLINA – Estive trabalhando; mas agora... aqui estou. Quer saber as novidades? |
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ANTÔNIO |
ANTÔNIO – Não; hoje sou eu que te vou contar uma novidade; mas uma novidade... |
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CAROLINA |
CAROLINA – Qual é? Quero saber. |
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ANTÔNIO |
ANTÔNIO – Já estás curiosa! Quanto mais se adivinhasses. |
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CAROLINA |
CAROLINA – Ora diga! |
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ANTÔNIO - Esta mãozinha pequenina que escreve e borda tão bem, precisa de outra mão forte que trabalhe e aperte ela assim. |
ANTÔNIO (sorrindo e tomando-lhe a mão.) – Esta mãozinha pequenina, que escreve e borda tão bem, precisa de outra mão forte que trabalhe e aperte ela assim. (Faz gesto de apertar.) |
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CAROLINA |
CAROLINA (estremecendo.) – Que quer dizer, meu pai? |
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ANTÔNIO - Não te assustes. As moças hoje já não se assustam quando se lhes fala em casamento. |
ANTÔNIO (rindo-se.) – Não te assustes. As moças hoje já não se assustam quando se lhes fala em casamento. |
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CAROLINA |
CAROLINA – Casamento!... Eu, meu pai?... Nunca! |
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ANTÔNIO |
ANTÔNIO – Então hás de ficar sempre solteira? |
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CAROLINA |
CAROLINA – Mas eu não desejo casar-me agora. Mãezinha, eu lhe peço! |
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MARGARIDA |
MARGARIDA – Ninguém te obriga; ouve o que diz teu pai; se não quiseres, está acabado. Não é assim, Antônio? |
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ANTÔNIO |
ANTÔNIO – Decerto. (À Carolina) Tu bem sabes que eu não faço nada que não seja do teu gosto. |
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CAROLINA |
CAROLINA – Pois não me fale mais de casamento; fico logo triste. |
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MARGARIDA |
MARGARIDA – Por quê, Carolina? É com a ideia de nos deixares? |
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CAROLINA |
CAROLINA – Sim, mãezinha; vivo tão bem aqui. |
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ANTÔNIO |
ANTÔNIO – Pois continuarás a viver; Luís mora conosco. |
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CAROLINA |
CAROLINA – Como, meu pai! É ele?... É Luís que... |
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ANTÔNIO |
ANTÔNIO – É ele que eu quero dar-te por marido. Gosta muito de ti, e além disto é teu parente. |
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CAROLINA |
CAROLINA (com desespero.) – Meu Deus! |
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MARGARIDA |
MARGARIDA – Tu não podes achar um moço mais bem comportado e trabalhador. |
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ANTÔNIO - E que há de ser alguma |
ANTÔNIO (levantando-se.) – E que há de ser alguma cousa, porque tem vontade, e quando se mete em qualquer negócio vai adiante. Pobre como é, estuda mais do que muito doutor. |
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CAROLINA |
CAROLINA – Eu sei, meu pai. Tenho-lhe amizade, mas amor... não! |
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ANTÔNIO |
ANTÔNIO – Pois é o que basta. Quando me casei com tua mãe ela não sabia que história era essa de amor; e nem por isso deixou de gostar de mim, e ser uma boa mulher. |
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MARGARIDA |
MARGARIDA – Entretanto, Antônio, não há pressa; Carolina há de fazer dezoito anos pela Páscoa. |
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CAROLINA |
CAROLINA – É verdade, mãezinha; sou muito moça; posso esperar... |
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ANTÔNIO |
ANTÔNIO – Esperar!... Não entendo disto; quero as cousas ditas e feitas. Tu tens amizade a teu primo; ele te paga na mesma moeda; portanto só falta ir à igreja. Domingo... |
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CAROLINA |
CAROLINA – Meu pai! Por quem é!... |
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MARGARIDA |
MARGARIDA – Ouve, Antônio; é preciso também não fazer as cousas com precipitação. |
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ANTÔNIO |
ANTÔNIO – Não quero ouvir nada. (Luís entra pela porta do fundo e para) Domingo... está decidido. |
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CAROLINA |
CAROLINA – Ah! mãezinha, defenda sua filha! |
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MARGARIDA |
MARGARIDA – Que posso eu fazer, Carolina? Tu não conheces o gênio de teu pai! Quando teima... |
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ANTÔNIO |
ANTÔNIO – Não é teima, mulher. Luís há de ser um bom marido para ela. Se não fosse isto não me importava. Quero-lhe tanto bem como tu! |
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CAROLINA (chorando) |
CAROLINA (chorando.) – Se me quisesse bem não me obrigava... |
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ANTÔNIO – É escusado começarem com choradeiras; não adiantam nada; o casamento sempre se há de fazer. |
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ANTÔNIO - É escusado começares com choradeiras; não adiantam; o casamento sempre se há de fazer. |
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===CENA IV=== |
===CENA IV=== |
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OS MESMOS E LUÍS. |
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LUÍS - Não, Antônio. |
LUÍS (adiantando-se.) – Não, Antônio. |
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CAROLINA |
CAROLINA – Meu primo! |
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ANTÔNIO |
ANTÔNIO – Oh! estavas aí rapaz? Chegaste a propósito. Mas que queres tu dizer? |
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MARGARIDA |
MARGARIDA – Ele não aceita. |
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ANTÔNIO |
ANTÔNIO – Espera, Margarida!... Fala, Luís. |
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LUÍS |
LUÍS – Tratava-se aqui de fazer Carolina minha mulher; mas faltava para isso uma condição indispensável. |
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ANTÔNIO |
ANTÔNIO – Qual? |
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LUÍS |
LUÍS – O meu consentimento. Não pedi a mão de minha prima, nem dei a entender que a desejava. |
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MARGARIDA |
MARGARIDA – Mas tu lhe queres bem, Luís? |
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LUÍS |
LUÍS (perturbado.) – Eu, Margarida? |
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ANTÔNIO |
ANTÔNIO – Sim; tens uma paixão forte por ela; eu sei. |
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CAROLINA |
CAROLINA (tremendo.) – É verdade? |
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LUÍS |
LUÍS – Parece-me que desde que moro nesta casa não dei motivos para me fazerem esta exprobação. Trato Carolina, como uma irmã; ela pode dizer se nunca uma palavra minha a fez corar. |
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CAROLINA |
CAROLINA (com altivez.) – Não me queixo, Luís. |
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LUÍS |
LUÍS – Creio, minha prima; e se falo nisto é para mostrar que seu pai se iludiu; nunca tive a ideia de que um dia viesse a ser seu marido. |
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ANTÔNIO |
ANTÔNIO – Mas então explica-me essa história dos tipos. |
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LUÍS |
LUÍS – Dos tipos?... Não sei o que quer dizer. |
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MARGARIDA |
MARGARIDA – Uma noite na tipografia estavas distraído, e em lugar de copiar o papel, escreveste não sei quantas vezes o nome de Carolina. (Surpresa de Luís) |
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CAROLINA |
CAROLINA – O meu nome?... como mãezinha! |
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ANTÔNIO (a |
ANTÔNIO (a Luís.) – Ainda pretendes negar? |
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LUÍS |
LUÍS – Mas era o nome de outra moça... |
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CAROLINA |
CAROLINA – Chama-se Carolina, como eu? |
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LUÍS |
LUÍS – Sim, minha prima. |
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ANTÔNIO |
ANTÔNIO – Pensas muito nessa moça, para te distraíres por ela a esse ponto. |
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MARGARIDA |
MARGARIDA – Com efeito quem traz assim a lembrança de um nome sempre na ideia... |
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LUÍS |
LUÍS – Que fazer, Margarida? Por mais vontade e prudência que se tenha, ninguém pode arrancar o coração; e nos dias em que a dor o comprime, o nome que dorme dentro dele vem aos lábios, e nos trai, Tive naquele dia esse momento de fraqueza; felizmente não perturbou o sossego daquela (olha Carolina) que podia acusar-me. Agora mesmo ela ignora que era o seu nome... |
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ANTÔNIO |
ANTÔNIO – À vista disto decididamente não queres casar com tua prima? |
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LUÍS |
LUÍS – Não, Antônio; agradeço, mas recuso. |
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ANTÔNIO |
ANTÔNIO – Por que razão? |
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LUÍS |
LUÍS – Porque ela... Porque... |
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MARGARIDA |
MARGARIDA – Já não disse! Não lhe tem amor; gosta de outra. |
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CAROLINA |
CAROLINA (com ironia.) – E vai casar-se com ela. |
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ANTÔNIO |
ANTÔNIO – Olha lá; se é este o motivo, está direito; mas se não tens outra em vista, diz uma palavra, e o negócio fica decidido. |
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CAROLINA |
CAROLINA (aflita.) – Meu pai!... |
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ANTÔNIO |
ANTÔNIO – Vamos. Sim, ou não? |
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LUÍS |
LUÍS (com esforço, olhando Carolina.) – Não; amo a outra... |
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CAROLINA |
CAROLINA (respirando.) – Ah!... |
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ANTÔNIO |
ANTÔNIO – Está acabado! Não falemos mais nisto. |
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CAROLINA |
CAROLINA (à meia voz.) – Obrigada, Luís; sei que não mereço o seu amor. |
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LUÍS (com expressão.) – Tem razão, Carolina; deve agradecer-me. |
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(Luís sai à esquerda.) |
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LUÍS - Tem razão, Carolina: deve agradecer-me. |
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===CENA V=== |
===CENA V=== |
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ANTÔNIO, MARGARIDA |
ANTÔNIO, MARGARIDA E CAROLINA. |
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ANTÔNIO – Margarida, tu conheces alguma outra moça na vizinhança, que se chame Carolina? |
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MARGARIDA – Não; mas isto não quer dizer nada; pode ser que aquela de quem Luís falou, more em outra rua. |
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ANTÔNIO - Margarida, tu conheces alguma outra moça na vizinhança que se chame Carolina? |
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ANTÔNIO – Não acredito. |
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MARGARIDA - Não: mas isto não quer dizer nada: pode ser que aquela de quem Luís falou more em outra rua. |
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CAROLINA – Meu pai deseja por força que Luís seja meu marido. Ainda cuida que ele gosta de mim. |
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ANTÔNIO - Não acredito. |
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ANTÔNIO – Disto ninguém me tira. |
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CAROLINA - Meu pai deseja por força que Luís seja meu marido. Ainda cuida que ele gosta de mim. |
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MARGARIDA – Mas, homem, não o ouviste afirmar o contrário? |
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ANTÔNIO - Disto ninguém me tira. |
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ANTÔNIO – Muitas vezes a boca diz o que o coração não sente. |
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MARGARIDA - Mas, homem, não o ouviste afirmar o contrário? |
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CAROLINA – Ora, meu pai, por que motivo ele encobriria? |
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ANTÔNIO - Muitas vezes a boca diz o que o coração não sente. |
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ANTÔNIO – O motivo? Tu és quem podes dizer. (Vai a sair.) |
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CAROLINA - Ora, meu pai, por que motivo ele encobriria? |
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CAROLINA – Eu?... |
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ANTÔNIO - O motivo? Tu és quem pode dizer. (Vai a sair.) |
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MARGARIDA – Sabes que mais, Antônio, vieste hoje da loja todo cheio de visões. Que te aconteceu por lá? |
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CAROLINA - Eu?... |
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ANTÔNIO (voltando-se.) – Eu te digo, mulher. Contaram-me há dias, e hoje tornaram a repetir-me, que um desses bonequinhos da moda anda rondando a nossa rua por causa de alguma menina da vizinhança. |
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MARGARIDA - Sabes que mais? Antônio, vieste hoje da loja todo cheio de visões. Que te aconteceu por lá? |
|||
CAROLINA – Ah! |
|||
ANTÔNIO - Eu te digo, mulher. Contaram-me há dias, e hoje tornaram a repetir-me, que um desses bonequinhos da moda anda rondando a nossa rua por causa de alguma menina da vizinhança. |
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MARGARIDA – Então foi por isso que assentaste de casar Carolina. |
|||
CAROLINA - Ah! |
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ANTÔNIO – Uma menina solteira é um perigo neste tempo. (Saindo à esquerda, baixo) Esses sujeitinhos tem umas lábias! |
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MARGARIDA - Então foi por isso que assentaste de casar Carolina? |
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MARGARIDA – Para aquelas que querem acreditar neles. (Pausa; batem na porta.) |
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ANTÔNIO - Uma menina solteira é um perigo neste tempo. (Saindo) Esses sujeitinhos têm umas lábias! |
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CAROLINA – Estão batendo. |
|||
MARGARIDA - Para aquelas que querem acreditar neles. (Pausa; batem na porta.) |
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MARGARIDA – Há de ser a moça dos vestidos. |
|||
CAROLINA - Estão batendo. |
|||
(Carolina vai abrir a porta.) |
|||
MARGARIDA - Há de ser a moça dos vestidos. |
|||
===CENA VI=== |
===CENA VI=== |
||
HELENA, MARGARIDA |
HELENA, MARGARIDA E CAROLINA. |
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HELENA (entrando.) – Adeus, menina. (Para Margarida) Boa-noite. |
|||
MARGARIDA – Boa-noite. |
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CAROLINA – Venha sentar-se. |
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HELENA - Adeus, menina. Boa noite, Sra. Margarida. |
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MARGARIDA |
MARGARIDA – Aqui está uma cadeira. |
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CAROLINA |
CAROLINA (baixo à Helena.) – E ele?... |
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HELENA (baixo e sorrindo.) – Espere! (Alto) Então aprontou? |
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MARGARIDA - Aqui está uma cadeira. |
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CAROLINA |
CAROLINA – Sim, senhora; todos. |
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HELENA – E estão bem cosidos, já se sabe! Feitos por estas mãozinhas mimosas que não nasceram para a agulha, e sim para andarem dentro de luvas perfumadas. |
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HELENA - Espere! (Alto) Então aprontou? |
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CAROLINA – Luvas?... Nunca tive senão um par, e de retrós. (Suspirando.) |
|||
CAROLINA - Sim, senhora; todos. |
|||
MARGARIDA – Quem te perguntou por isto agora? |
|||
HELENA - E estão bem cosidos, já se sabe! Feitos por estas mãozinhas mimosas que não nasceram para a agulha, e sim para andarem dentro de luvas perfumadas. |
|||
HELENA – Não faz mal; porém deixe ver os vestidos. |
|||
CAROLINA - Luvas?... Nunca tive senão um par, e de retrós. |
|||
CAROLINA – Vou mostrar-lhe. |
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MARGARIDA - Quem te perguntou por isto agora? |
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MARGARIDA – É obra acabada às pressas; não pode estar como ela desejava. |
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HELENA - Não faz mal; porém deixe ver os vestidos. |
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(Carolina tem trazido os vestidos para cima da mesa; Helena examina a costura.) |
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CAROLINA - Vou mostrar-lhe. |
|||
HELENA – Bem cosidos estão eles; assim me assentem. |
|||
MARGARIDA - É obra acabada às pressas; não pode estar como ela desejava. |
|||
MARGARIDA – Hão de assentar. Carolina cortou-os pelo molde da francesa. |
|||
HELENA - Bem cosidos estão eles; assim me assentem. |
|||
CAROLINA – Apenas fiz um pouco mais decotados como a senhora gosta. |
|||
MARGARIDA - Hão de assentar. Carolina cortou-os pelo molde da Francesa. |
|||
HELENA – É a moda. |
|||
CAROLINA - Apenas fiz um pouco mais decotados como a senhora gosta. |
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MARGARIDA – Mas descobrem tanto! |
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HELENA - É a moda. |
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HELENA – E por que razão as mulheres hão de esconder o que tem de mais bonito? |
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MARGARIDA - Mas descobrem tanto! |
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CAROLINA – É verdade!... |
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HELENA - E por que razão as mulheres hão de esconder o que têm de mais bonito? |
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HELENA (à Margarida.) – Me dê uma cadeira. (Margarida vai buscar uma cadeira; ela diz baixo à Carolina) Preciso falar-lhe. |
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CAROLINA - É verdade!... |
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CAROLINA (baixo.) – Sim! |
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HELENA (a MARGARIDA) - Me dê uma cadeira. (MARGARIDA vai buscar uma cadeira; ela diz baixo à CAROLINA) Preciso falar-lhe. |
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MARGARIDA (dando a cadeira.) – Aqui está. |
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CAROLINA - Sim! |
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HELENA – Obrigada. (Senta-se.) Realmente esta menina tem muita habilidade. |
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MARGARIDA (dando a cadeira) - Aqui está. |
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CAROLINA – Mãezinha, Vmc. vai lá dentro buscar a minha tesoura; esqueceu-me abrir uma casa. |
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HELENA - Obrigada. (Senta-se) Realmente esta menina tem muita habilidade. |
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MARGARIDA – Não queres a minha? |
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CAROLINA - Mãezinha, Vm. vai lá dentro buscar a minha tesoura? Esqueceu-me abrir uma casa. |
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CAROLINA – Não; está muito cega. |
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MARGARIDA – Onde guardaste a tua? |
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CAROLINA - Não; está muito cega. |
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CAROLINA – No cestinho da costura. |
|||
MARGARIDA - Onde guardaste a tua? |
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(Margarida sai à esquerda. Carolina tira do bolso a tesoura, e mostra sorrindo à Helena.) |
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CAROLINA - No cestinho da costura. |
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(MARGARIDA sai à esquerda. CAROLINA tira do bolso a tesoura e mostra sorrindo a HELENA.) |
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===CENA VII=== |
===CENA VII=== |
||
HELENA |
HELENA E CAROLINA. |
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HELENA |
HELENA (sorrindo.) – Eu percebi! |
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CAROLINA |
CAROLINA – Mas... Por que ele não veio? |
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HELENA |
HELENA – É sobre isto mesmo que lhe quero falar. O Ribeiro mandou dizer-lhe... |
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CAROLINA |
CAROLINA (impaciente.) – O quê? |
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HELENA |
HELENA – Que deseja vê-la só. |
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CAROLINA |
CAROLINA (surpresa.) – Como? |
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HELENA |
HELENA – Escute. Às nove horas ele passará por aqui, e lhe falará por entre a rótula. |
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CAROLINA |
CAROLINA – Para quê? |
||
HELENA Está apaixonado loucamente por você; quer falar-lhe; e não há senão este meio. |
HELENA – Está apaixonado loucamente por você; quer falar-lhe; e não há senão este meio. |
||
CAROLINA |
CAROLINA – Podia ter vindo hoje com a senhora, como costuma? Era melhor! |
||
HELENA |
HELENA – O amor não se contenta com esses olhares à furto, e esses apertos de mão às escondidas. |
||
CAROLINA |
CAROLINA – Mas eu tenho medo. Meu pai pode descobrir; se ele soubesse!... |
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HELENA |
HELENA – Qual! É um instante! O Ribeiro bate três pancadas na rótula; é o sinal. |
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CAROLINA |
CAROLINA – Não! não! Diga a ele... |
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HELENA |
HELENA – Não digo nada; não me acredita, e vem. Se não falar-lhe, nunca mais voltará. |
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CAROLINA |
CAROLINA – Então deixará de amar-me? |
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HELENA |
HELENA – E quem será a causa? |
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CAROLINA |
CAROLINA – Mas exige uma cousa impossível. |
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HELENA |
HELENA – Não há impossíveis para o amor. Pense bem; lembre-se que ele tem uma paixão... (Margarida entra.) |
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CAROLINA – Aí vem, mãezinha! (Assustada.) |
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CAROLINA - Aí vem mãezinha! |
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===CENA VIII=== |
===CENA VIII=== |
||
AS MESMAS, MARGARIDA E ARAÚJO. |
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MARGARIDA (adiantando-se.) – Não achei, Carolina; procurei tudo. |
|||
HELENA – Está bom; já não é preciso. Mando fazer isto em casa pela minha preta. |
|||
ARAÚJO (entrando pelo fundo com um colarinho postiço na mão.) – A senhora me apronta este colarinho? (À Margarida.) |
|||
MARGARIDA - Não achei, Carolina; procurei tudo. |
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MARGARIDA – A esta hora, Sr. Araújo. |
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HELENA - Está bom; já não é preciso. Mando fazer isto em casa pela minha preta. |
|||
ARAÚJO – Que quer que lhe faça? Um caixeiro só tem de seu, as noites. Agora mesmo chego do armarinho, e ainda foi preciso que o amo desse licença. |
|||
ARAÚJO - (entrando pelo fundo com um colarinho postiço na mão) - A senhora me apronta este colarinho? |
|||
MARGARIDA |
MARGARIDA – Pois deixe ficar que amanhã cedo está pronto. |
||
ARAÚJO – Amanhã?... E com que hei de ir hoje ao baile da Vestal? |
|||
ARAÚJO - Que quer que lhe faça? Um caixeiro só tem de seu as noites. Agora mesmo chego do armarinho, e ainda foi preciso que o amo desse licença. |
|||
CAROLINA – Ah! o senhor vai ao baile? |
|||
MARGARIDA - Pois deixe ficar, que amanhã cedo está pronto. |
|||
ARAÚJO – Então pensa que por ser caixeiro não frequento a alta sociedade? Cá está o convite... (tira do bolso) Mas o colarinho?... Ande, Sr.a Margarida! |
|||
ARAÚJO - Amanhã?... E com que hei de ir hoje ao baile da Vestal? |
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MARGARIDA – Lavar e engomar hoje mesmo! |
|||
CAROLINA - Ah!... o senhor vai ao baile? |
|||
ARAÚJO – Para as oito horas. Não quero perder nem uma quadrilha. As valsas pouco me importam... |
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ARAÚJO - Então pensa que por ser caixeiro não freqüento a alta sociedade? Cá está o convite... Mas o colarinho? Ande, Sra. Margarida. |
|||
MARGARIDA |
MARGARIDA – O senhor dá-me sempre cada maçada! |
||
ARAÚJO |
ARAÚJO – Deixe estar que um dia destes trago-lhe uma caixinha de agulhas. |
||
MARGARIDA – Veremos. (Sai.) |
|||
MARGARIDA - O senhor dá-me sempre cada maçada!... ARAÚJO - Deixe estar que um dia destes trago-lhe uma caixinha de agulhas. |
|||
MARGARIDA - Veremos. |
|||
===CENA IX=== |
===CENA IX=== |
||
ARAÚJO, HELENA |
ARAÚJO, HELENA E CAROLINA (na janela). |
||
(Helena que durante a cena passada está na janela com Carolina volta-se.) |
|||
(CARLINA na janela.) |
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HELENA |
HELENA – Como está, Sr, Araújo? |
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ARAÚJO |
ARAÚJO – A senhora por aqui! É novidade. |
||
HELENA |
HELENA – Também o senhor. |
||
ARAÚJO |
ARAÚJO – Eu sou vizinho; e a Sr.a Margarida ê minha engomadeira. |
||
HELENA |
HELENA – Pois eu moro muito longe; porém, mandei fazer uns vestidos por esta menina. |
||
ARAÚJO |
ARAÚJO – Então já não gosta das modistas francesas? |
||
HELENA |
HELENA – Cosem muito mal. |
||
ARAÚJO |
ARAÚJO – E dão cada tesourada!... como os alfaiates da rua do Ouvidor... Mas assim mesmo a senhora largar-se do Catete à rua Formosa em busca de uma costureira!... |
||
HELENA |
HELENA – Que tem isso? |
||
ARAÚJO |
ARAÚJO – Veio de carro? Está um na porta. |
||
HELENA |
HELENA – É o meu. |
||
ARAÚJO |
ARAÚJO – Ahnn!... Trata-se agora! |
||
HELENA |
HELENA – Sempre fui assim. |
||
ARAÚJO |
ARAÚJO – E quando o amo lhe penhorou os trastes por causa daquela continha. |
||
HELENA - Não me lembro. |
HELENA (Dirigindo-se à Carolina.) – Não me lembro. |
||
ARAÚJO |
ARAÚJO – Ah! Não se lembra! (Olhando as duas que falam baixo.) Pois olhe! Estou agora me lembrando de uma cousa. |
||
HELENA |
HELENA – De quê? (Volta.) |
||
ARAÚJO |
ARAÚJO – Lá no armarinho quando as fazendas ficam mofadas, sabe o que se fez? |
||
HELENA - Ora, que me importa isto? |
HELENA (dando-lhe as costas.) – Ora, que me importa isto? |
||
ARAÚJO |
ARAÚJO – Separam-se das outras, para que não passe o mofo. |
||
HELENA |
HELENA – Que quer o senhor dizer? |
||
ARAÚJO |
ARAÚJO – Quero dizer que as mulheres às vezes são como as fazendas; e que tudo neste mundo é negócio, como diz o amo. |
||
HELENA – Está engraçado! |
|||
HELENA - Está engraçado! |
|||
===CENA X=== |
===CENA X=== |
||
OS MESMOS E MARGARIDA. |
|||
ARAÚJO – Acha isso? |
|||
HELENA – Deixe-me! Adeus menina! |
|||
CAROLINA (saindo da janela.) – Já vai? |
|||
ARAÚJO - Acha isso? |
|||
ARAÚJO (à Margarida.) – O maldito colarinho está pronto? |
|||
HELENA - Deixe-me! Adeus, menina! |
|||
MARGARIDA – Está quase. |
|||
CAROLINA - Já vai? |
|||
HELENA (à Margarida.) – Mande deitar estes vestidos no carro. |
|||
ARAÚJO - O maldito colarinho está pronto? |
|||
MARGARIDA |
MARGARIDA – Sim, senhora. (Toma a bandeja e sai.) |
||
HELENA (à Carolina.) – Adeus, (Baixo) Veja lá! Oito horas já deram. |
|||
HELENA - Mande deitar estes vestidos no carro. |
|||
CAROLINA – Sim! |
|||
MARGARIDA - Sim, senhora. |
|||
HELENA ( |
HELENA (alto.) – Adeus! (A Araújo) Boa-noite! |
||
ARAÚJO – Viva! |
|||
CAROLINA - Sim! |
|||
HELENA |
HELENA – Não fique mal comigo. (Sai.) |
||
ARAÚJO – Há muito tempo que conhece esta mulher, D. Carolina? |
|||
ARAÚJO - Viva! |
|||
CAROLINA – Há um mês. |
|||
HELENA - Não fique mal comigo. |
|||
ARAÚJO – Quem a trouxe cá? |
|||
ARAÚJO - Há muito tempo que conhece esta mulher, D. Carolina? |
|||
CAROLINA – Ninguém: ela precisa de uma costureira... (Entra Margarida.) |
|||
CAROLINA - Há um mês. |
|||
ARAÚJO |
ARAÚJO (à Margarida.) – Olhe que são mais de oito horas. |
||
MARGARIDA (saindo.) – Arre!... Que pressa! |
|||
CAROLINA - Ninguém; ela precisa de uma costureira. |
|||
ARAÚJO |
ARAÚJO – Não se demore! Eu volto já; vou fazer a barba. |
||
(Margarida sai; Carolina chega-se à janela. Araújo vai sair pela porta do fundo e encontra-se com Luís que entra.) |
|||
MARGARIDA - Arre!... Que pressa!... |
|||
ARAÚJO - Não se demore! Eu volto já: vou fazer a barba. |
|||
===CENA XI=== |
===CENA XI=== |
||
LUÍS, ARAÚJO |
LUÍS, ARAÚJO E CAROLINA. |
||
LUÍS |
LUÍS – Não sai; quero te dar uma palavra. |
||
ARAÚJO |
ARAÚJO – Depressa, que tenho hoje um baile. |
||
LUÍS |
LUÍS – Espera um momento. (Olhando para Carolina com tristeza.) Sempre na janela. |
||
ARAÚJO |
ARAÚJO – Desconfias de alguma cousa? |
||
(Luís faz um gesto de silêncio, e aproxima-se de Carolina. Araújo passeia no corredor do fundo.) |
|||
LUÍS - Carolina! |
|||
LUÍS – Carolina! |
|||
CAROLINA - Ah!... Luís. |
|||
CAROLINA (voltando-se assustada.) – Ah!... Luís! |
|||
LUÍS - Assustei-a, minha prima? |
|||
LUÍS – Assustei-a, minha prima? |
|||
CAROLINA - Não! Estava distraída. |
|||
CAROLINA – Não!... Estava distraída. |
|||
LUÍS - Desculpe, procurei este momento para falar-lhe porque desejava pedir-lhe perdão. |
|||
LUÍS – Desculpe, procurei este momento para falar-lhe por que desejava pedir-lhe perdão. |
|||
CAROLINA - Perdão? De quê? |
|||
CAROLINA – Perdão?... De quê? |
|||
LUÍS - Não recusei a sua mão que seu pai me queria dar? Não a ofendi com essa recusa? Uma mulher deve ter sempre o direito de desprezar; o seu orgulho não admite que ninguém a prive desse direito. |
|||
LUÍS – Não recusei a sua mão que seu pai me queria dar? Não a ofendi com essa recusa? Uma mulher deve ter sempre o direito de desprezar; o seu orgulho não admite que ninguém a prive desse direito. |
|||
CAROLINA - Não me ofendi com a sua franqueza, Luís. (Com ironia) Reconheci apenas que não era digna de pertencer-lhe; outra merece o seu amor! |
|||
CAROLINA – Não me ofendi com a sua franqueza, Luís. (Com ironia) Reconheci apenas que não era digna de pertencer-lhe; outra merece o seu amor! |
|||
LUÍS - Esse amor que eu confessei era uma mentira. |
|||
LUÍS – Esse amor que eu confessei era uma mentira. |
|||
CAROLINA - Por que confessou então? Quem o obrigou? |
|||
CAROLINA – Por que confessou então? Quem o obrigou? |
|||
LUÍS - Ninguém. Menti por sua causa; para poupar-lhe um desgosto. |
|||
LUÍS – Ninguém. Menti por sua causa; para poupar-lhe um desgosto. |
|||
CAROLINA - Não o entendo. |
|||
CAROLINA – Não o entendo. |
|||
LUÍS - Conhece o caráter de seu pai e sabe que quando ele quer as coisas não há vontade que lhe resista. Para tornar de uma vez impossível esse casamento, para que o meu nome não lhe causasse mais tristeza, ouvindo-o associado ao título de seu marido, declarei que amava outra mulher; menti. |
|||
LUÍS – Conhece o caráter de seu pai e sabe que quando ele quer as cousas não há vontade que lhe resista. Para tornar de uma vez impossível esse casamento; para que o meu nome não lhe causasse mais tristeza ouvindo-o associado ao título de seu marido; declarei que amava outra mulher: menti. |
|||
CAROLINA - E que mal havia nisso? Todos não temos um coração? |
|||
CAROLINA – E que mal havia nisso? Todos não temos um coração? |
|||
LUÍS - É verdade: porém o meu creio que não foi feito para o amor, e sim para a amizade. As minhas únicas afeições estão concentradas nesta casa; fora dela trabalho; aqui sinto-me viver. Um amor estranho seria como a usurpação dos sentimentos que pertencem aos meus parentes. É por isso que só a sua felicidade me obrigaria a confessar-me ingrato. |
|||
LUÍS – É verdade: porém o meu, creio que não foi feito para o amor, e sim para a amizade. As minhas únicas afeições estão concentradas nesta casa; fora dela trabalho; aqui sinto-me viver. Um amor estranho seria como a usurpação dos sentimentos que pertencem aos meus parentes. É por isso que só a sua felicidade me obrigaria a confessar-me ingrato. |
|||
CAROLINA - Não sei em que isso podia influir sobre a minha felicidade. |
|||
CAROLINA – Não sei em que isso podia influir sobre a minha felicidade. |
|||
LUÍS - Quando se ama... |
|||
LUÍS – Quando se ama... |
|||
CAROLINA - Mas eu não amo. |
|||
CAROLINA – Mas eu não amo. (Com vivacidade.) |
|||
LUÍS - Seja franca! |
|||
LUÍS (sorrindo com tristeza.) – Seja franca! |
|||
CAROLINA - Juro... |
|||
CAROLINA – Juro... |
|||
LUÍS - Não jure! |
|||
(Ouvem-se três pancadas, na rótula. Carolina sobressalta-se e fica trêmula.) |
|||
CAROLINA - Onde vai? |
|||
LUÍS |
LUÍS – Não jure! (Dirige-se à janela.) |
||
CAROLINA |
CAROLINA (assustada.) – Onde vai? |
||
LUÍS |
LUÍS – Ouvi bater na janela. |
||
CAROLINA |
CAROLINA – Não!... Foi engano! |
||
LUÍS – Vou ver. |
|||
ARAÚJO (baixo a LUÍS) - Um sujeito está espiando pela rótula. |
|||
CAROLINA ( |
CAROLINA (com altivez colocando-se em face.) – Meu primo!... |
||
(Luís afasta-se. Carolina corre à janela, Araújo que tem aparecido no fundo, chega-se a Luís.) |
|||
ARAÚJO (baixo a Luís.) – Um sujeito está espiando pela rótula. |
|||
CAROLINA (na rótula, baixo e para fora.) – Espere! |
|||
ARAÚJO (a Luís.) – Sabes quem é? |
|||
ARAÚJO (a LUÍS) - Sabes quem é? |
|||
===CENA XII=== |
===CENA XII=== |
||
OS MESMOS E MARGARIDA. |
|||
LUÍS – Sei, ela o ama. |
|||
ARAÚJO – E tu consentes? (Entra Margarida.) |
|||
LUÍS – Que posso fazer? se o ofendesse ela me odiaria. Antes a indiferença. |
|||
LUÍS - Sei, ela o ama. |
|||
ARAÚJO |
ARAÚJO – Tens razão. |
||
CAROLINA (voltando-se trêmula.) – Não era ninguém... O vento. |
|||
LUÍS - Que posso fazer? Se o ofendesse ela me odiaria. Antes indiferença. |
|||
LUÍS (a Araújo.) – Mente! |
|||
CAROLINA - Não era ninguém... O vento. |
|||
MARGARIDA (a Araújo dando o colarinho engomado.) – Aqui tem; foi enxuto a ferro. |
|||
LUÍS (a ARAÚJO) - Mente! |
|||
ARAÚJO – A senhora é a pérola das engomadeiras. Vou-me vestir; anda Luís. (Saindo.) |
|||
MARGARIDA - Aqui tem; foi enxuto a ferro. |
|||
MARGARIDA (a Luís.) – Estás hoje de folga? |
|||
ARAÚJO - A senhora é a pérola das engomadeiras. Vou-me vestir; anda, Luís. |
|||
LUÍS – Não; volto à tipografia. |
|||
MARGARIDA (a LUÍS) - Estás hoje de folga? |
|||
MARGARIDA – Então quando saíres cerra a porta. |
|||
LUÍS - Não; volto à tipografia. |
|||
LUÍS – Sim. Até amanhã, minha prima. (sai.) |
|||
MARGARIDA - Então quando saíres cerra a porta. |
|||
CAROLINA – Adeus. |
|||
LUÍS - Sim. Até amanhã minha prima. |
|||
MARGARIDA – Tu não vens Carolina? (Sai.) |
|||
CAROLINA - Adeus. |
|||
CAROLINA – Já vou mãezinha; deixe-me tirar os meus grampos. (Sai Margarida.) |
|||
MARGARIDA - Tu não vens, Carolina? |
|||
CAROLINA - Já vou, mãezinha; deixe-me tirar meus grampos. |
|||
===CENA XIII=== |
===CENA XIII=== |
||
CAROLINA |
CAROLINA E RIBEIRO. |
||
( |
(Luís saindo fecha a porta do fundo. Carolina ficando só olha espantada em torno, fecha a porta à esquerda; aproxima-se da mesa trêmula, hesita, e por fim apaga a vela. Ribeiro salta na sala.) |
||
CAROLINA |
CAROLINA – Meu Deus!... |
||
RIBEIRO |
RIBEIRO – Carolina... onde estás?... Não me queres falar? |
||
CAROLINA (chegando-se.) – Cale-se; podem ouvir. |
|||
RIBEIRO - Por isso mesmo; não esperdicemos estes curtos momentos que estamos sós. |
|||
RIBEIRO – Por isso mesmo; não esperdicemos estes curtos momentos que estamos sós. |
|||
CAROLINA - Tenho medo. |
|||
CAROLINA (querendo afastar-se.) – Tenho medo. |
|||
RIBEIRO - De quê? De mim? CAROLINA - Não sei! |
|||
RIBEIRO – De quê?... De mim? |
|||
RIBEIRO - Tu não me amas, Carolina! Senão havias de ter confiança em mim; havias de sentir-te feliz como eu. |
|||
CAROLINA – Não sei! |
|||
CAROLINA - E o meu silêncio aqui não diz tudo? Não engano meu pai para falar-lhe? |
|||
RIBEIRO - Tu não |
RIBEIRO (tomando-lhe as mãos.) – Tu não me amas, Carolina! senão havias de ter confiança em mim; havias de sentir-te feliz como eu. |
||
CAROLINA – E o meu silêncio aqui não diz tudo? Não engano meu pai para falar-lhe? |
|||
CAROLINA - Para quê? |
|||
RIBEIRO – Tu não sabes! O coração duvida sempre da ventura. Dize que me amas. Dize sim? |
|||
RIBEIRO - Eu te suplico! |
|||
CAROLINA – Para quê? (Sorrindo-se confusa.) |
|||
CAROLINA - Já não lhe confessei tantas vezes que lhe... |
|||
RIBEIRO |
RIBEIRO – Eu te suplico! |
||
CAROLINA |
CAROLINA – Já não lhe confessei tantas vezes que lhe... |
||
RIBEIRO (interrompendo-a.) – Assim não quero. Há de ser: eu te... |
|||
RIBEIRO - Obrigado. |
|||
CAROLINA |
CAROLINA – Eu te... amo. Está contente? |
||
RIREIRO – Obrigado. |
|||
RIBEIRO - Separarmo-nos! Depois de estar uma vez perto de ti, de saber que tu me amas? Não, Carolina. |
|||
CAROLINA - |
CAROLINA (querendo afastar-se.) – Agora adeus. Até amanhã. |
||
RIBEIRO – Separarmo-nos! Depois de estar uma vez perto de ti, de saber que tu me amas? Não, Carolina. |
|||
RIBEIRO - Tu és minha. Vamos viver juntos. |
|||
CAROLINA |
CAROLINA – Mas é preciso. |
||
RIBEIRO |
RIBEIRO – Tu és minha! Vamos viver juntos. |
||
CAROLINA |
CAROLINA (surpresa.) – Sempre? |
||
RIBEIRO |
RIBEIRO – Sempre! sempre juntos! |
||
CAROLINA |
CAROLINA – Como? |
||
RIBEIRO |
RIBEIRO – Vem comigo; o meu carro nos espera. |
||
CAROLINA |
CAROLINA (espantada.) – Fugir! |
||
RIBEIRO |
RIBEIRO – Fugir, não; acompanhar aquele que te adora. |
||
CAROLINA |
CAROLINA – É impossível! |
||
RIBEIRO – Vem, Carolina. |
|||
RIBEIRO - Ah! É esta a prova do amor que me tem! Adeus! Esqueça-se de mim. Nunca mais nos tornaremos a ver. |
|||
CAROLINA |
CAROLINA – Não! Não! Deixe-me! (Pausa.) |
||
RIBEIRO (friamente.) – Ah! É esta a prova do amor que me tem!... Adeus! Esqueça-se de mim! Nunca mais nos tornaremos a ver. |
|||
RIBEIRO - Eu acharei outras que me amem bastante para me fazerem esse pequeno sacrifício. |
|||
CAROLINA (suplicante.) – Mas abandonar minha mãe!... Não posso! |
|||
CAROLINA - Outras que não terão sua família. |
|||
RIBEIRO – Eu acharei outras que me amem bastante para me fazerem esse pequeno sacrifício. |
|||
RIBEIRO - Mas que terão um coração. |
|||
CAROLINA |
CAROLINA – Outras que não terão sua família. |
||
RIBEIRO |
RIBEIRO – Mas que terão um coração. |
||
CAROLINA |
CAROLINA – E eu não o tenho! |
||
RIBEIRO |
RIBEIRO – Não parece. |
||
CAROLINA |
CAROLINA – Antes não o tivesse. |
||
RIBEIRO |
RIBEIRO – Adeus. |
||
CAROLINA |
CAROLINA (suplicante.) – Até amanhã: Sim? |
||
RIBEIRO |
RIBEIRO – Para sempre. |
||
CAROLINA |
CAROLINA – Amanhã... Talvez. |
||
RIBEIRO |
RIBEIRO – Deve ser hoje, ou nunca. |
||
CAROLINA |
CAROLINA – E minha mãe? |
||
RIBEIRO |
RIBEIRO – É uma separação de alguns dias. |
||
CAROLINA |
CAROLINA – Mas ela me perdoará? |
||
RIBEIRO |
RIBEIRO – Vendo sua filha feliz... |
||
CAROLINA |
CAROLINA – Que dirão minhas amigas? |
||
RIBEIRO |
RIBEIRO – Terão inveja de ti. |
||
CAROLINA |
CAROLINA – Por quê? |
||
RIBEIRO – Porque serás a mais bela moça do Rio de Janeiro. |
|||
RIBEIRO - Sim! Tu não nasceste para viver escondida nesta casa, espiando pelas frestas da rótula, e cosendo para a Cruz. Estas mãos não foram feitas para o trabalho, mas para serem beijadas como as mãos de uma rainha. (Beija-lhe as mãos.) Estes cabelos não devem ser presos por laços de fitas, mas por flores de diamantes. (Tira os laços de fita e joga-os fora.) Só a cambraia e a seda podem roçar sem ofender-te essa pele acetinada. |
|||
CAROLINA |
CAROLINA (sorrindo.) – Eu? |
||
RIBEIRO – Sim! Tu não nasceste para viver escondida nesta casa, espiando pelas frestas da rótula, e cosendo para a Cruz. Estas mãos não foram feitas para o trabalho, mas para serem beijadas como as mãos de uma rainha. (Beija-lhe as mãos.) Estes cabelos não devem ser presos por laços de fitas, mas por flores de diamantes (Tira os laços de fita e joga-os fora.) Só a cambraia e a seda podem roçar sem ofender-te essa pele acetinada. |
|||
RIBEIRO - Tu és bonita, e Deus criou as mulheres belas para brilharem como as estrelas. Terás tudo isso, diamantes, jóias, sedas, rendas, luxo e riqueza. Eu te prometo! Quando apareceres no teatro, deslumbrante e fascinadora, verás todos os homens se curvarem a teus pés; um murmúrio de admiração te acompanhará; e tu, altiva e orgulhosa, me dirás em um olhar: Sou tua. |
|||
CAROLINA |
CAROLINA (com faceirice.) – Mas eu sou pobre! |
||
RIBEIRO – Tu és bonita; e Deus criou as mulheres belas para brilharem com as estrelas. Terás tudo isto, diamantes, joias, sedas, rendas, luxo e riqueza. Eu te prometo!... Quando apareceres no teatro, deslumbrante e fascinadora, verás todos os homens se curvarem à teus pés; um murmúrio de admiração te acompanhará; e tu altiva e orgulhosa me dirás em um olhar: “Sou tua.” |
|||
RIBEIRO - Tudo, minha noiva, minha amante. Depois iremos esconder a nossa felicidade e o nosso amor num retiro delicioso. Oh! se soubesses como a vida é doce no meio do luxo, em companhia de alguns amigos, junto daqueles que se ama, e à roda de uma mesa carregada de luzes e de flores!... O vinho espuma nos copos e o sangue ferve nas veias; e os olhares queimam como fogo; os lábios que se tocam, esgotam ávidos o cálice de champagne como se fossem beijos em gotas que caíssem de outros lábios... Tudo fascina; tudo embriaga; esquece-se o mundo e suas misérias. Por fim as luzes empalidecem, as cabeças se reclinam; e a alma, a vida, tudo se resume em um sonho. |
|||
CAROLINA |
CAROLINA (fascinada.) – Tua noiva? |
||
RIBEIRO – Tudo, minha noiva, minha amante. Depois iremos esconder a nossa felicidade e o nosso amor num retiro delicioso. Oh! se soubesses como a vida é doce no meio do luxo, em companhia de alguns amigos, junto daqueles que se ama, e à roda de uma mesa carregada de luzes e de flores!... O vinho espuma nos copos e o sangue ferve nas veias; os olhares queimam como fogo; os lábios que se tocam esgotam ávidos o cálice de champagne como se fossem beijos em gotas que caíssem de outros lábios. Tudo fascina; tudo embriaga, esquece-se o mundo e suas misérias. Por fim as luzes empalidecem, as cabeças se reclinam; e a alma, a vida, tudo se resume em um sonho! |
|||
RIBEIRO - Para voltar no dia seguinte, no outro e sempre. |
|||
CAROLINA (eletrizada) – Mas o sonho passa... |
|||
CAROLINA - Eu também tenho meus sonhos; mas não acredito neles. |
|||
RIREIRO – Para voltar no dia seguinte, no outro, e sempre. |
|||
RIBEIRO - E que sonhas tu, minha Carolina? |
|||
CAROLINA – Eu também tenho meus sonhos; mas não acredito neles. |
|||
CAROLINA - Vais zombar de mim! |
|||
RIBEIRO |
RIBEIRO – E que sonhas tu, minha Carolina? |
||
CAROLINA – Vais zombar de mim! |
|||
CAROLINA - Sonho com o mundo que não conheço! Com esses prazeres que nunca senti. Como deve ser bonito um baile! Como há de ser feliz a mulher que todos olham, que todos admiram! Mas isto não é para mim. |
|||
RIBEIRO – Não; conta-me. |
|||
RIBEIRO - Tu verás!... Vem! A felicidade nos chama. |
|||
CAROLINA – Sonho com o mundo que eu não conheço! com esses prazeres que nunca senti. Como deve ser bonito um baile! Como há de ser feliz a mulher que todos olham, que todos admiram! Mas isto não é para mim! |
|||
CAROLINA - Espera. |
|||
RIBEIRO – Tu verás!... Vem! A felicidade nos chama. (passa-lhe o braço pela cintura e quer levá-la.) |
|||
RIBEIRO - Que queres fazer? |
|||
CAROLINA |
CAROLINA – Espera! |
||
RIBEIRO |
RIBEIRO – Que queres fazer? |
||
CAROLINA |
CAROLINA – Rezar! Pedir perdão a Deus! |
||
RIBEIRO – Pedir perdão de quê? O amor não é um crime! |
|||
(Luís aparece no fundo pálido e com uma luz cuja claridade oculta com a mão.) |
|||
CAROLINA – Meu Deus!... E minha mãe! |
|||
RIBEIRO (abraçando-a.) – Vem, Carolina! |
|||
(Vão sair, encontram-se face a face com Luís e recuam.) |
|||
RIBEIRO - Vem, Carolina. |
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===CENA XIV=== |
===CENA XIV=== |
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OS MESMOS E LUÍS. |
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(Toda esta cena é jogada com voz surda e abafada.) |
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CAROLINA (soltando um grito.) – Ah! |
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RIBEIRO (a meia voz.) – Quem é este homem? |
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CAROLINA |
CAROLINA (trêmula.) – Meu primo!... |
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LUÍS (deita a vela sobre a cômoda e dirige-se a Ribeiro.) – Não pense que é um rival que vem disputar-lhe sua amante. Não, senhor! Há pouco recusei a mão da minha prima que seu pai me oferecia; não a amo. Mas sou seu parente e devo ampará-la no momento em que vai perder-se para sempre. |
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RIBEIRO - Quem é este homem? |
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RIBEIRO – Não tenho medo de palavras; se quer um escândalo... |
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CAROLINA - Meu primo. |
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LUÍS (interrompendo-o.) – Está enganado! Se quisesse um escândalo e também uma vingança bastava-me uma palavra; bastava chamar seu pai. Mas eu sei que não é a força que dobra o coração; e temo que minha prima odeie algum dia em mim o homem que ela julgará autor de sua desgraça. |
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LUÍS - Não pense que é um rival que vem disputar-lhe sua amante. Não, senhor! Há pouco recusei a mão de minha prima que seu pai me oferecia; não a amo. Mas sou parente e devo ampará-la no momento em que vai perder-se para sempre. |
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RIBEIRO – O que deseja então? |
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RIBEIRO - Não tenho medo de palavras; se quer um escândalo... |
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LUÍS – Desejo tentar uma última prova. O senhor acaba de falar a esta menina a linguagem do amor e da sedução; eu vou falar-lhe a linguagem da amizade e da razão. Depois de ouvir-me, ela é livre; e eu juro que não me oporei à sua vontade. |
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LUÍS - Está enganado! Se quisesse um escândalo e também uma vingança bastava-me uma palavra; bastava chamar seu pai. Mas eu sei que não é a força que dobra o coração; eu temo que minha prima odeie algum dia em mim o homem que ela julgará autor de sua desgraça. |
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RIBEIRO - |
RIBEIRO – Ela ama-me! Era por sua vontade que me seguia! |
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LUÍS – Ela amo-o, sim; mas ignora que este amor é a perdição; que ela vai sacrificar a um prazer efêmero a inocência, e a felicidade. Não sabe que um dia a sua própria consciência será a primeira a desprezá-la, e a envergonhar-se do corpo que ela habita. |
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LUÍS - Desejo tentar uma última prova. O senhor acaba de falar a esta menina a linguagem do amor e da sedução; eu vou falar-lhe a linguagem da amizade e da razão. Depois de ouvir-me, ela é livre; e eu juro que não me oporei à sua vontade. |
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CAROLINA – Luís! |
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RIBEIRO - Ela ama-me! Era por sua vontade que me seguia. |
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RIBEIRO (à Carolina.) – Não acredites. |
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LUÍS - Ela ama-o, sim; mas ignora que este amor é a perdição; que ela vai sacrificar a um prazer efêmero a inocência e a felicidade. Não sabe que um dia a sua própria consciência será a primeira a desprezá-la, e a envergonhar-se dela. |
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LUÍS – Acredite-me, Carolina. Falo-lhe como um irmão. Esses brilhantes, esse luxo, que há pouco o senhor lhe prometia, se agora brilham à seus olhos, mais tarde lhe queimaram o seio, quando conhecer que são o preço da honra vendida! |
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CAROLINA - Luís! |
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CAROLINA – Por piedade; cale-se meu primo! |
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RIBEIRO - Não acredites. |
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LUÍS – Depois a beleza passará, porque a beleza passa depressa no meio das vigílias; então ficará só, sem amigos, sem amor, sem ilusões, sem esperanças: não terá para acompanhá-la, senão o remorso do passado. |
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LUÍS - Acredite-me, Carolina. Falo-lhe como um irmão. Esses brilhantes, esse luxo, que há pouco o senhor lhe prometia, se agora brilham a seus olhos, mais tarde lhe queimarão o seio, quando conhecer que são o preço dá honra vendida! |
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RIBEIRO – Tu sabes que eu te amo, Carolina. |
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CAROLINA - Por piedade! Cale-se, meu primo! |
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LUÍS – Eu também... a estimo, minha prima. |
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LUÍS - Depois a beleza passará, porque a beleza passa depressa no meio das vigílias; então ficará só, sem amigos, sem amor, sem ilusões, sem esperanças: não terá para acompanhá-la senão o remorso do passado. |
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RIBEIRO |
RIBEIRO – Vem! Seremos felizes! |
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CAROLINA – Não!... Não posso! |
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LUÍS - Eu também... a estimo, minha prima. |
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RIBEIRO – Por quê? Há pouco não dizias que eras minha? (Baixo.) |
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RIBEIRO - Vem! Seremos felizes! |
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CAROLINA |
CAROLINA – Sim... |
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RIBEIRO |
RIBEIRO – A uma palavra deste homem, esqueces tudo? |
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CAROLINA |
CAROLINA – Não esqueço, mas... |
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RIBEIRO (frio.) – Sei a causa. Se ele não chegasse, eu era o preferido; mas entre os dois escolhe aquele que talvez já tem direito sobre sua pessoa. |
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RIBEIRO - A uma palavra deste homem, esqueces tudo? |
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CAROLINA |
CAROLINA – Direito sobre mim? |
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LUÍS – Já lhe disse que não amava esta moça. |
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RIBEIRO - Sei a causa. Se ele não chegasse, eu era o preferido; mas entre os dois, escolhe aquele que talvez já tem direito sobre sua pessoa. |
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RIBEIRO – Negar em tais casos é um dever. (À Carolina.) Adeus, seja feliz com ele. |
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CAROLINA - Direito sobre mim? |
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CAROLINA – Com ele!... Mas eu não o amo! |
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RIBEIRO (com desprezo.) – Já lhe pertence. |
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RIBEIRO - Negar em tais casos é um dever. Adeus, seja feliz com ele. |
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CAROLINA |
CAROLINA – Luís? Eu lhe suplico! Diga que é uma falsidade! |
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LUÍS – Eu o juro! |
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RIBEIRO - Já lhe pertence. |
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RIBEIRO – Não creio em juramentos! (Vai a sair.) |
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CAROLINA - Luís? Eu lhe suplico! Diga que é uma falsidade! |
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CAROLINA (correndo a ele.) – Oh! não! |
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LUÍS - Eu juro! |
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MARGARIDA (dentro.) – Carolina! |
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RIBEIRO - Não creio em juramentos! |
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CAROLINA |
CAROLINA – Minha mãe! |
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LUÍS – Margarida! |
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MARGARIDA (de dentro) - Carolina! |
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CAROLINA – Ah! Estou perdida! (Desfalece nos braços de Ribeiro.) |
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CAROLINA - Minha mãe! |
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LUÍS |
LUÍS – Silêncio! |
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(Vai à porta da esquerda. Ribeiro aproveita-se desse momento e sai levando Carolina nos braços. Luís volta-se com o rumor antes de fechar a porta, e vê a sala deserta.) |
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CAROLINA - Ah! Estou perdida! (Desfalece nos braços de RIBEIRO.) |
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LUÍS - Silêncio! (Vai fechar a porta. RIBEIRO aproveita-se deste momento e sai, levando CAROLINA nos braços.) |
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===CENA XV=== |
===CENA XV=== |
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LUÍS |
LUÍS E MARGARIDA. |
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LUÍS |
LUÍS – Ah!... (Corre à janela; ouve-se partir um carro; volta com desespero; vê os laços de fita, apanha-os e beija.) |
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MARGARIDA |
MARGARIDA – Carolina!... (Vê Luís.) Que é isto Luís? |
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LUÍS (mostrando as fitas) |
LUÍS (mostrando as fitas.) – São as asas de um anjo, Margarida; ele perdeu-as, perdendo a inocência. |
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MARGARIDA |
MARGARIDA – Minha filha! |
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[[Categoria:As Asas de um Anjo]] |
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Revisão das 17h23min de 18 de maio de 2010
Em casa de Antônio. Sala pobre.
CENA I
CAROLINA, MARGARIDA E ANTÔNIO.
(Carolina defronte de um espelho, deitando nos cabelos dous grandes laços de fita azul. Margarida cosendo junto à janela. Antônio sentado num mocho, pensativo.)
CAROLINA (no espelho.) – É quase noite!...
MARGARIDA – Que fazes aí, Carolina? já acabaste a tua obra?... Prometeste dá-la pronta hoje.
CAROLINA – Já vou, mãezinha; falta apenas tirar o alinhavo. (Chegando-se) Olhe! Não fico bonita com os meus laços de fita azul?
MARGARIDA (erguendo a cabeça.) – Tu és sempre bonita; mas realmente essas fitas nos cabelos dão-te uma graça!... Pareces um daqueles anjinhos de Nossa Senhora da Conceição.
CAROLINA – É o que disse Luís, quando as trouxe da loja. Tínhamos ido na véspera à missa e ele viu lá um anjinho que tinha as asas tão azuis, cor do céu! Então lembrou-se de dar-me estes laços... Assentam-me tão bem; não é verdade?
MARGARIDA – Sim; mas não sei para que te foste vestir e pentear à esta hora; já está escuro para chegares à janela.
CAROLINA (perturbada.) – Foi para experimentar o meu vestido novo, mãezinha... Quis ver como hei de ficar quando formos domingo ao Passeio Público...
MARGARIDA – Ora, ainda hoje é terça-feira.
CAROLINA (mais perturbada.) – Que mal faz?...
MARGARIDA – Está bom; vai aprontar a obra; a moça não deve tardar.
CAROLINA – É verdade! (Sai correndo.)
CENA II
MARGARIDA E ANTÔNIO.
MARGARIDA – Não sei o que tem esta nossa filha! Às vezes anda tão distraída...
ANTÔNIO (erguendo a cabeça.) – Quantos são hoje do mês, Margarida?
MARGARIDA – Pois não sabes? Vinte e seis.
ANTÔNIO (contando pelos dedos.) – Diabo! Ainda faltam quatro dias para acabar! Precisava receber uns cobres que tenho na mão do mestre e só no fim da semana... Que maçada!
MARGARIDA – Não te agonies, homem! o dinheiro que me deste ainda não se acabou; e hoje mesmo aquela moça deve vir buscar os vestidos que mandou fazer por Carolina.
ANTÔNIO – Quanto tem ela de dar?
MARGARIDA – Três vestidos a cinco mil-réis... Faz a conta.
ANTÔNIO (contando pelos dedos.) – Quinze mil-réis, não é?
MARGARIDA – Quinze justos. Já vês que não nos faltará dinheiro; podes dormir descansado que amanhã terás o teu vinho ao almoço.
ANTÔNIO – Ora Deus! Quem te fala agora em vinho? Não é para ti, nem para mim, que preciso de dinheiro. (Margarida acende a vela com fósforos.)
MARGARIDA – Para quem é então, homem?
ANTÔNIO – Para Carolina.
MARGARIDA – Ah! Queres fazer-lhe um presente?
ANTÔNIO – Tens ideias! Não!... Sim... (Rindo) É um presente que ela há de estimar.
MARGARIDA – Não; sim... Explica-te, se queres que te entenda.
ANTÔNIO – Lá vai. (Levanta-se) Há muitos dias que ando para te falar nisto; mas gosto de negócio dito e feito. Estive a esperar o fim do mês pela razão que sabes do dinheiro; e o fim do mês sem chegar. Enfim hoje já que tocamos no ponto, vou contar-te tudo. (Chega-se à porta da esquerda.)
MARGARIDA – Carolina está lá dentro; podes falar.
ANTÔNIO (baixo.) – Não reparaste ainda numa cousa?
MARGARIDA – Em quê?
ANTÔNIO – Nos modos de Luís para a pequena. Como ele a trata?
MARGARIDA – Com seriedade; não brinca com ela.
ANTÔNIO – Justamente, e tu não achas que isto quer dizer alguma cousa?
MARGARIDA – Quer dizer que Luís é um rapaz sisudo e trabalhador.
ANTÔNIO – Só?... Mais nada?
MARGARIDA – Não sei que mais se possa ver em uma cousa tão natural.
ANTÔNIO – Escuta, Margarida, tu te lembras quando eu era aprendiz de marceneiro, e que te via em casa de teu pai, que Deus tenha em sua santa glória? Tu te lembras?... Também te tratava sério.
MARGARIDA – Então pensas que Luís tem o mesmo motivo?...
ANTÔNIO – Penso; e eu cá sei por que penso.
MARGARIDA (curiosa.) – Descobriste alguma cousa?
ANTÔNIO – Oh! se descobri! Um companheiro lá da tipografia muito seu amigo me contou que ele tinha uma paixão forte por uma moça que se chama Carolina.
MARGARIDA – Ah! Anda espalhando!...
ANTÔNIO – Não estejas já a acusar o pobre rapaz; ele não disse a ninguém. Um dia no trabalho... Mas tu sabes como é o trabalho dele?
MARGARIDA – Não; nunca vi.
ANTÔNIO – Nem eu; porém disseram que é fazer com umas letras de chumbo o mesmo que escreve o homem do jornal. Pois nesse dia, Luís, que estava com o juízo cá na pequena, que havia de fazer?...
MARGARIDA – O quê?
ANTÔNIO – Em vez do que estava escrito deitou Carolina, Carolina, Carolina... Uma folha cheia de Carolinas, mulher! No dia seguinte a nossa filha andava com o jornal por essas ruas!
MARGARIDA – Santa Maria! Que desgraça, Antônio!
ANTÔNIO – Espera, Margarida; ouve até o fim. Tem lá um homem, o contramestre da tipografia, que se chama revisor; assim que ele viu a nossa filha, quero dizer o nome, pôs as mãos na cabeça; houve grande barulho; mas como o rapaz é bom trabalhador acomodou-se tudo. É daí que o companheiro soube e me disse.
MARGARIDA – Psiu!... Aí vem ela.
ANTÔNIO – Melhor! Acaba-se com isto logo de uma vez.
MARGARIDA – Não lhe fales assim de repente.
ANTÔNIO – Por quê? Gosto de negócio dito e feito.
MARGARIDA – Mas Antônio...
ANTÔNIO – Não quero ouvir razões.
(Entra Carolina com uma pequena bandeja em que traz os vestidos de chita em cassa e deita-a na cômoda.)
CENA III
OS MESMOS E CAROLINA.
CAROLINA – Ainda cose, mãezinha? Isto cansa-lhe a vista.
MARGARIDA – Estou acabando; pouco falta.
ANTÔNIO – Vem cá. Tenho que te dizer uma cousa.
CAROLINA – Ah! Quer ralhar comigo, não é?
ANTÔNIO – E muito, muito; porque ainda hoje não te vieste sentar perto de mim como é teu costume para me contares uma dessas histórias bonitas que lês no jornal de Luís.
CAROLINA – Estive trabalhando; mas agora... aqui estou. Quer saber as novidades?
ANTÔNIO – Não; hoje sou eu que te vou contar uma novidade; mas uma novidade...
CAROLINA – Qual é? Quero saber.
ANTÔNIO – Já estás curiosa! Quanto mais se adivinhasses.
CAROLINA – Ora diga!
ANTÔNIO (sorrindo e tomando-lhe a mão.) – Esta mãozinha pequenina, que escreve e borda tão bem, precisa de outra mão forte que trabalhe e aperte ela assim. (Faz gesto de apertar.)
CAROLINA (estremecendo.) – Que quer dizer, meu pai?
ANTÔNIO (rindo-se.) – Não te assustes. As moças hoje já não se assustam quando se lhes fala em casamento.
CAROLINA – Casamento!... Eu, meu pai?... Nunca!
ANTÔNIO – Então hás de ficar sempre solteira?
CAROLINA – Mas eu não desejo casar-me agora. Mãezinha, eu lhe peço!
MARGARIDA – Ninguém te obriga; ouve o que diz teu pai; se não quiseres, está acabado. Não é assim, Antônio?
ANTÔNIO – Decerto. (À Carolina) Tu bem sabes que eu não faço nada que não seja do teu gosto.
CAROLINA – Pois não me fale mais de casamento; fico logo triste.
MARGARIDA – Por quê, Carolina? É com a ideia de nos deixares?
CAROLINA – Sim, mãezinha; vivo tão bem aqui.
ANTÔNIO – Pois continuarás a viver; Luís mora conosco.
CAROLINA – Como, meu pai! É ele?... É Luís que...
ANTÔNIO – É ele que eu quero dar-te por marido. Gosta muito de ti, e além disto é teu parente.
CAROLINA (com desespero.) – Meu Deus!
MARGARIDA – Tu não podes achar um moço mais bem comportado e trabalhador.
ANTÔNIO (levantando-se.) – E que há de ser alguma cousa, porque tem vontade, e quando se mete em qualquer negócio vai adiante. Pobre como é, estuda mais do que muito doutor.
CAROLINA – Eu sei, meu pai. Tenho-lhe amizade, mas amor... não!
ANTÔNIO – Pois é o que basta. Quando me casei com tua mãe ela não sabia que história era essa de amor; e nem por isso deixou de gostar de mim, e ser uma boa mulher.
MARGARIDA – Entretanto, Antônio, não há pressa; Carolina há de fazer dezoito anos pela Páscoa.
CAROLINA – É verdade, mãezinha; sou muito moça; posso esperar...
ANTÔNIO – Esperar!... Não entendo disto; quero as cousas ditas e feitas. Tu tens amizade a teu primo; ele te paga na mesma moeda; portanto só falta ir à igreja. Domingo...
CAROLINA – Meu pai! Por quem é!...
MARGARIDA – Ouve, Antônio; é preciso também não fazer as cousas com precipitação.
ANTÔNIO – Não quero ouvir nada. (Luís entra pela porta do fundo e para) Domingo... está decidido.
CAROLINA – Ah! mãezinha, defenda sua filha!
MARGARIDA – Que posso eu fazer, Carolina? Tu não conheces o gênio de teu pai! Quando teima...
ANTÔNIO – Não é teima, mulher. Luís há de ser um bom marido para ela. Se não fosse isto não me importava. Quero-lhe tanto bem como tu!
CAROLINA (chorando.) – Se me quisesse bem não me obrigava...
ANTÔNIO – É escusado começarem com choradeiras; não adiantam nada; o casamento sempre se há de fazer.
CENA IV
OS MESMOS E LUÍS.
LUÍS (adiantando-se.) – Não, Antônio.
CAROLINA – Meu primo!
ANTÔNIO – Oh! estavas aí rapaz? Chegaste a propósito. Mas que queres tu dizer?
MARGARIDA – Ele não aceita.
ANTÔNIO – Espera, Margarida!... Fala, Luís.
LUÍS – Tratava-se aqui de fazer Carolina minha mulher; mas faltava para isso uma condição indispensável.
ANTÔNIO – Qual?
LUÍS – O meu consentimento. Não pedi a mão de minha prima, nem dei a entender que a desejava.
MARGARIDA – Mas tu lhe queres bem, Luís?
LUÍS (perturbado.) – Eu, Margarida?
ANTÔNIO – Sim; tens uma paixão forte por ela; eu sei.
CAROLINA (tremendo.) – É verdade?
LUÍS – Parece-me que desde que moro nesta casa não dei motivos para me fazerem esta exprobação. Trato Carolina, como uma irmã; ela pode dizer se nunca uma palavra minha a fez corar.
CAROLINA (com altivez.) – Não me queixo, Luís.
LUÍS – Creio, minha prima; e se falo nisto é para mostrar que seu pai se iludiu; nunca tive a ideia de que um dia viesse a ser seu marido.
ANTÔNIO – Mas então explica-me essa história dos tipos.
LUÍS – Dos tipos?... Não sei o que quer dizer.
MARGARIDA – Uma noite na tipografia estavas distraído, e em lugar de copiar o papel, escreveste não sei quantas vezes o nome de Carolina. (Surpresa de Luís)
CAROLINA – O meu nome?... como mãezinha!
ANTÔNIO (a Luís.) – Ainda pretendes negar?
LUÍS – Mas era o nome de outra moça...
CAROLINA – Chama-se Carolina, como eu?
LUÍS – Sim, minha prima.
ANTÔNIO – Pensas muito nessa moça, para te distraíres por ela a esse ponto.
MARGARIDA – Com efeito quem traz assim a lembrança de um nome sempre na ideia...
LUÍS – Que fazer, Margarida? Por mais vontade e prudência que se tenha, ninguém pode arrancar o coração; e nos dias em que a dor o comprime, o nome que dorme dentro dele vem aos lábios, e nos trai, Tive naquele dia esse momento de fraqueza; felizmente não perturbou o sossego daquela (olha Carolina) que podia acusar-me. Agora mesmo ela ignora que era o seu nome...
ANTÔNIO – À vista disto decididamente não queres casar com tua prima?
LUÍS – Não, Antônio; agradeço, mas recuso.
ANTÔNIO – Por que razão?
LUÍS – Porque ela... Porque...
MARGARIDA – Já não disse! Não lhe tem amor; gosta de outra.
CAROLINA (com ironia.) – E vai casar-se com ela.
ANTÔNIO – Olha lá; se é este o motivo, está direito; mas se não tens outra em vista, diz uma palavra, e o negócio fica decidido.
CAROLINA (aflita.) – Meu pai!...
ANTÔNIO – Vamos. Sim, ou não?
LUÍS (com esforço, olhando Carolina.) – Não; amo a outra...
CAROLINA (respirando.) – Ah!...
ANTÔNIO – Está acabado! Não falemos mais nisto.
CAROLINA (à meia voz.) – Obrigada, Luís; sei que não mereço o seu amor.
LUÍS (com expressão.) – Tem razão, Carolina; deve agradecer-me.
(Luís sai à esquerda.)
CENA V
ANTÔNIO, MARGARIDA E CAROLINA.
ANTÔNIO – Margarida, tu conheces alguma outra moça na vizinhança, que se chame Carolina?
MARGARIDA – Não; mas isto não quer dizer nada; pode ser que aquela de quem Luís falou, more em outra rua.
ANTÔNIO – Não acredito.
CAROLINA – Meu pai deseja por força que Luís seja meu marido. Ainda cuida que ele gosta de mim.
ANTÔNIO – Disto ninguém me tira.
MARGARIDA – Mas, homem, não o ouviste afirmar o contrário?
ANTÔNIO – Muitas vezes a boca diz o que o coração não sente.
CAROLINA – Ora, meu pai, por que motivo ele encobriria?
ANTÔNIO – O motivo? Tu és quem podes dizer. (Vai a sair.)
CAROLINA – Eu?...
MARGARIDA – Sabes que mais, Antônio, vieste hoje da loja todo cheio de visões. Que te aconteceu por lá?
ANTÔNIO (voltando-se.) – Eu te digo, mulher. Contaram-me há dias, e hoje tornaram a repetir-me, que um desses bonequinhos da moda anda rondando a nossa rua por causa de alguma menina da vizinhança.
CAROLINA – Ah!
MARGARIDA – Então foi por isso que assentaste de casar Carolina.
ANTÔNIO – Uma menina solteira é um perigo neste tempo. (Saindo à esquerda, baixo) Esses sujeitinhos tem umas lábias!
MARGARIDA – Para aquelas que querem acreditar neles. (Pausa; batem na porta.)
CAROLINA – Estão batendo.
MARGARIDA – Há de ser a moça dos vestidos.
(Carolina vai abrir a porta.)
CENA VI
HELENA, MARGARIDA E CAROLINA.
HELENA (entrando.) – Adeus, menina. (Para Margarida) Boa-noite.
MARGARIDA – Boa-noite.
CAROLINA – Venha sentar-se.
MARGARIDA – Aqui está uma cadeira.
CAROLINA (baixo à Helena.) – E ele?...
HELENA (baixo e sorrindo.) – Espere! (Alto) Então aprontou?
CAROLINA – Sim, senhora; todos.
HELENA – E estão bem cosidos, já se sabe! Feitos por estas mãozinhas mimosas que não nasceram para a agulha, e sim para andarem dentro de luvas perfumadas.
CAROLINA – Luvas?... Nunca tive senão um par, e de retrós. (Suspirando.)
MARGARIDA – Quem te perguntou por isto agora?
HELENA – Não faz mal; porém deixe ver os vestidos.
CAROLINA – Vou mostrar-lhe.
MARGARIDA – É obra acabada às pressas; não pode estar como ela desejava.
(Carolina tem trazido os vestidos para cima da mesa; Helena examina a costura.)
HELENA – Bem cosidos estão eles; assim me assentem.
MARGARIDA – Hão de assentar. Carolina cortou-os pelo molde da francesa.
CAROLINA – Apenas fiz um pouco mais decotados como a senhora gosta.
HELENA – É a moda.
MARGARIDA – Mas descobrem tanto!
HELENA – E por que razão as mulheres hão de esconder o que tem de mais bonito?
CAROLINA – É verdade!...
HELENA (à Margarida.) – Me dê uma cadeira. (Margarida vai buscar uma cadeira; ela diz baixo à Carolina) Preciso falar-lhe.
CAROLINA (baixo.) – Sim!
MARGARIDA (dando a cadeira.) – Aqui está.
HELENA – Obrigada. (Senta-se.) Realmente esta menina tem muita habilidade.
CAROLINA – Mãezinha, Vmc. vai lá dentro buscar a minha tesoura; esqueceu-me abrir uma casa.
MARGARIDA – Não queres a minha?
CAROLINA – Não; está muito cega.
MARGARIDA – Onde guardaste a tua?
CAROLINA – No cestinho da costura.
(Margarida sai à esquerda. Carolina tira do bolso a tesoura, e mostra sorrindo à Helena.)
CENA VII
HELENA E CAROLINA.
HELENA (sorrindo.) – Eu percebi!
CAROLINA – Mas... Por que ele não veio?
HELENA – É sobre isto mesmo que lhe quero falar. O Ribeiro mandou dizer-lhe...
CAROLINA (impaciente.) – O quê?
HELENA – Que deseja vê-la só.
CAROLINA (surpresa.) – Como?
HELENA – Escute. Às nove horas ele passará por aqui, e lhe falará por entre a rótula.
CAROLINA – Para quê?
HELENA – Está apaixonado loucamente por você; quer falar-lhe; e não há senão este meio.
CAROLINA – Podia ter vindo hoje com a senhora, como costuma? Era melhor!
HELENA – O amor não se contenta com esses olhares à furto, e esses apertos de mão às escondidas.
CAROLINA – Mas eu tenho medo. Meu pai pode descobrir; se ele soubesse!...
HELENA – Qual! É um instante! O Ribeiro bate três pancadas na rótula; é o sinal.
CAROLINA – Não! não! Diga a ele...
HELENA – Não digo nada; não me acredita, e vem. Se não falar-lhe, nunca mais voltará.
CAROLINA – Então deixará de amar-me?
HELENA – E quem será a causa?
CAROLINA – Mas exige uma cousa impossível.
HELENA – Não há impossíveis para o amor. Pense bem; lembre-se que ele tem uma paixão... (Margarida entra.)
CAROLINA – Aí vem, mãezinha! (Assustada.)
CENA VIII
AS MESMAS, MARGARIDA E ARAÚJO.
MARGARIDA (adiantando-se.) – Não achei, Carolina; procurei tudo.
HELENA – Está bom; já não é preciso. Mando fazer isto em casa pela minha preta.
ARAÚJO (entrando pelo fundo com um colarinho postiço na mão.) – A senhora me apronta este colarinho? (À Margarida.)
MARGARIDA – A esta hora, Sr. Araújo.
ARAÚJO – Que quer que lhe faça? Um caixeiro só tem de seu, as noites. Agora mesmo chego do armarinho, e ainda foi preciso que o amo desse licença.
MARGARIDA – Pois deixe ficar que amanhã cedo está pronto.
ARAÚJO – Amanhã?... E com que hei de ir hoje ao baile da Vestal?
CAROLINA – Ah! o senhor vai ao baile?
ARAÚJO – Então pensa que por ser caixeiro não frequento a alta sociedade? Cá está o convite... (tira do bolso) Mas o colarinho?... Ande, Sr.a Margarida!
MARGARIDA – Lavar e engomar hoje mesmo!
ARAÚJO – Para as oito horas. Não quero perder nem uma quadrilha. As valsas pouco me importam...
MARGARIDA – O senhor dá-me sempre cada maçada!
ARAÚJO – Deixe estar que um dia destes trago-lhe uma caixinha de agulhas.
MARGARIDA – Veremos. (Sai.)
CENA IX
ARAÚJO, HELENA E CAROLINA (na janela).
(Helena que durante a cena passada está na janela com Carolina volta-se.)
HELENA – Como está, Sr, Araújo?
ARAÚJO – A senhora por aqui! É novidade.
HELENA – Também o senhor.
ARAÚJO – Eu sou vizinho; e a Sr.a Margarida ê minha engomadeira.
HELENA – Pois eu moro muito longe; porém, mandei fazer uns vestidos por esta menina.
ARAÚJO – Então já não gosta das modistas francesas?
HELENA – Cosem muito mal.
ARAÚJO – E dão cada tesourada!... como os alfaiates da rua do Ouvidor... Mas assim mesmo a senhora largar-se do Catete à rua Formosa em busca de uma costureira!...
HELENA – Que tem isso?
ARAÚJO – Veio de carro? Está um na porta.
HELENA – É o meu.
ARAÚJO – Ahnn!... Trata-se agora!
HELENA – Sempre fui assim.
ARAÚJO – E quando o amo lhe penhorou os trastes por causa daquela continha.
HELENA (Dirigindo-se à Carolina.) – Não me lembro.
ARAÚJO – Ah! Não se lembra! (Olhando as duas que falam baixo.) Pois olhe! Estou agora me lembrando de uma cousa.
HELENA – De quê? (Volta.)
ARAÚJO – Lá no armarinho quando as fazendas ficam mofadas, sabe o que se fez?
HELENA (dando-lhe as costas.) – Ora, que me importa isto?
ARAÚJO – Separam-se das outras, para que não passe o mofo.
HELENA – Que quer o senhor dizer?
ARAÚJO – Quero dizer que as mulheres às vezes são como as fazendas; e que tudo neste mundo é negócio, como diz o amo.
HELENA – Está engraçado!
CENA X
OS MESMOS E MARGARIDA.
ARAÚJO – Acha isso?
HELENA – Deixe-me! Adeus menina!
CAROLINA (saindo da janela.) – Já vai?
ARAÚJO (à Margarida.) – O maldito colarinho está pronto?
MARGARIDA – Está quase.
HELENA (à Margarida.) – Mande deitar estes vestidos no carro.
MARGARIDA – Sim, senhora. (Toma a bandeja e sai.)
HELENA (à Carolina.) – Adeus, (Baixo) Veja lá! Oito horas já deram.
CAROLINA – Sim!
HELENA (alto.) – Adeus! (A Araújo) Boa-noite!
ARAÚJO – Viva!
HELENA – Não fique mal comigo. (Sai.)
ARAÚJO – Há muito tempo que conhece esta mulher, D. Carolina?
CAROLINA – Há um mês.
ARAÚJO – Quem a trouxe cá?
CAROLINA – Ninguém: ela precisa de uma costureira... (Entra Margarida.)
ARAÚJO (à Margarida.) – Olhe que são mais de oito horas.
MARGARIDA (saindo.) – Arre!... Que pressa!
ARAÚJO – Não se demore! Eu volto já; vou fazer a barba.
(Margarida sai; Carolina chega-se à janela. Araújo vai sair pela porta do fundo e encontra-se com Luís que entra.)
CENA XI
LUÍS, ARAÚJO E CAROLINA.
LUÍS – Não sai; quero te dar uma palavra.
ARAÚJO – Depressa, que tenho hoje um baile.
LUÍS – Espera um momento. (Olhando para Carolina com tristeza.) Sempre na janela.
ARAÚJO – Desconfias de alguma cousa?
(Luís faz um gesto de silêncio, e aproxima-se de Carolina. Araújo passeia no corredor do fundo.)
LUÍS – Carolina!
CAROLINA (voltando-se assustada.) – Ah!... Luís!
LUÍS – Assustei-a, minha prima?
CAROLINA – Não!... Estava distraída.
LUÍS – Desculpe, procurei este momento para falar-lhe por que desejava pedir-lhe perdão.
CAROLINA – Perdão?... De quê?
LUÍS – Não recusei a sua mão que seu pai me queria dar? Não a ofendi com essa recusa? Uma mulher deve ter sempre o direito de desprezar; o seu orgulho não admite que ninguém a prive desse direito.
CAROLINA – Não me ofendi com a sua franqueza, Luís. (Com ironia) Reconheci apenas que não era digna de pertencer-lhe; outra merece o seu amor!
LUÍS – Esse amor que eu confessei era uma mentira.
CAROLINA – Por que confessou então? Quem o obrigou?
LUÍS – Ninguém. Menti por sua causa; para poupar-lhe um desgosto.
CAROLINA – Não o entendo.
LUÍS – Conhece o caráter de seu pai e sabe que quando ele quer as cousas não há vontade que lhe resista. Para tornar de uma vez impossível esse casamento; para que o meu nome não lhe causasse mais tristeza ouvindo-o associado ao título de seu marido; declarei que amava outra mulher: menti.
CAROLINA – E que mal havia nisso? Todos não temos um coração?
LUÍS – É verdade: porém o meu, creio que não foi feito para o amor, e sim para a amizade. As minhas únicas afeições estão concentradas nesta casa; fora dela trabalho; aqui sinto-me viver. Um amor estranho seria como a usurpação dos sentimentos que pertencem aos meus parentes. É por isso que só a sua felicidade me obrigaria a confessar-me ingrato.
CAROLINA – Não sei em que isso podia influir sobre a minha felicidade.
LUÍS – Quando se ama...
CAROLINA – Mas eu não amo. (Com vivacidade.)
LUÍS (sorrindo com tristeza.) – Seja franca!
CAROLINA – Juro...
(Ouvem-se três pancadas, na rótula. Carolina sobressalta-se e fica trêmula.)
LUÍS – Não jure! (Dirige-se à janela.)
CAROLINA (assustada.) – Onde vai?
LUÍS – Ouvi bater na janela.
CAROLINA – Não!... Foi engano!
LUÍS – Vou ver.
CAROLINA (com altivez colocando-se em face.) – Meu primo!...
(Luís afasta-se. Carolina corre à janela, Araújo que tem aparecido no fundo, chega-se a Luís.)
ARAÚJO (baixo a Luís.) – Um sujeito está espiando pela rótula.
CAROLINA (na rótula, baixo e para fora.) – Espere!
ARAÚJO (a Luís.) – Sabes quem é?
CENA XII
OS MESMOS E MARGARIDA.
LUÍS – Sei, ela o ama.
ARAÚJO – E tu consentes? (Entra Margarida.)
LUÍS – Que posso fazer? se o ofendesse ela me odiaria. Antes a indiferença.
ARAÚJO – Tens razão.
CAROLINA (voltando-se trêmula.) – Não era ninguém... O vento.
LUÍS (a Araújo.) – Mente!
MARGARIDA (a Araújo dando o colarinho engomado.) – Aqui tem; foi enxuto a ferro.
ARAÚJO – A senhora é a pérola das engomadeiras. Vou-me vestir; anda Luís. (Saindo.)
MARGARIDA (a Luís.) – Estás hoje de folga?
LUÍS – Não; volto à tipografia.
MARGARIDA – Então quando saíres cerra a porta.
LUÍS – Sim. Até amanhã, minha prima. (sai.)
CAROLINA – Adeus.
MARGARIDA – Tu não vens Carolina? (Sai.)
CAROLINA – Já vou mãezinha; deixe-me tirar os meus grampos. (Sai Margarida.)
CENA XIII
CAROLINA E RIBEIRO.
(Luís saindo fecha a porta do fundo. Carolina ficando só olha espantada em torno, fecha a porta à esquerda; aproxima-se da mesa trêmula, hesita, e por fim apaga a vela. Ribeiro salta na sala.)
CAROLINA – Meu Deus!...
RIBEIRO – Carolina... onde estás?... Não me queres falar?
CAROLINA (chegando-se.) – Cale-se; podem ouvir.
RIBEIRO – Por isso mesmo; não esperdicemos estes curtos momentos que estamos sós.
CAROLINA (querendo afastar-se.) – Tenho medo.
RIBEIRO – De quê?... De mim?
CAROLINA – Não sei!
RIBEIRO (tomando-lhe as mãos.) – Tu não me amas, Carolina! senão havias de ter confiança em mim; havias de sentir-te feliz como eu.
CAROLINA – E o meu silêncio aqui não diz tudo? Não engano meu pai para falar-lhe?
RIBEIRO – Tu não sabes! O coração duvida sempre da ventura. Dize que me amas. Dize sim?
CAROLINA – Para quê? (Sorrindo-se confusa.)
RIBEIRO – Eu te suplico!
CAROLINA – Já não lhe confessei tantas vezes que lhe...
RIBEIRO (interrompendo-a.) – Assim não quero. Há de ser: eu te...
CAROLINA – Eu te... amo. Está contente?
RIREIRO – Obrigado.
CAROLINA (querendo afastar-se.) – Agora adeus. Até amanhã.
RIBEIRO – Separarmo-nos! Depois de estar uma vez perto de ti, de saber que tu me amas? Não, Carolina.
CAROLINA – Mas é preciso.
RIBEIRO – Tu és minha! Vamos viver juntos.
CAROLINA (surpresa.) – Sempre?
RIBEIRO – Sempre! sempre juntos!
CAROLINA – Como?
RIBEIRO – Vem comigo; o meu carro nos espera.
CAROLINA (espantada.) – Fugir!
RIBEIRO – Fugir, não; acompanhar aquele que te adora.
CAROLINA – É impossível!
RIBEIRO – Vem, Carolina.
CAROLINA – Não! Não! Deixe-me! (Pausa.)
RIBEIRO (friamente.) – Ah! É esta a prova do amor que me tem!... Adeus! Esqueça-se de mim! Nunca mais nos tornaremos a ver.
CAROLINA (suplicante.) – Mas abandonar minha mãe!... Não posso!
RIBEIRO – Eu acharei outras que me amem bastante para me fazerem esse pequeno sacrifício.
CAROLINA – Outras que não terão sua família.
RIBEIRO – Mas que terão um coração.
CAROLINA – E eu não o tenho!
RIBEIRO – Não parece.
CAROLINA – Antes não o tivesse.
RIBEIRO – Adeus.
CAROLINA (suplicante.) – Até amanhã: Sim?
RIBEIRO – Para sempre.
CAROLINA – Amanhã... Talvez.
RIBEIRO – Deve ser hoje, ou nunca.
CAROLINA – E minha mãe?
RIBEIRO – É uma separação de alguns dias.
CAROLINA – Mas ela me perdoará?
RIBEIRO – Vendo sua filha feliz...
CAROLINA – Que dirão minhas amigas?
RIBEIRO – Terão inveja de ti.
CAROLINA – Por quê?
RIBEIRO – Porque serás a mais bela moça do Rio de Janeiro.
CAROLINA (sorrindo.) – Eu?
RIBEIRO – Sim! Tu não nasceste para viver escondida nesta casa, espiando pelas frestas da rótula, e cosendo para a Cruz. Estas mãos não foram feitas para o trabalho, mas para serem beijadas como as mãos de uma rainha. (Beija-lhe as mãos.) Estes cabelos não devem ser presos por laços de fitas, mas por flores de diamantes (Tira os laços de fita e joga-os fora.) Só a cambraia e a seda podem roçar sem ofender-te essa pele acetinada.
CAROLINA (com faceirice.) – Mas eu sou pobre!
RIBEIRO – Tu és bonita; e Deus criou as mulheres belas para brilharem com as estrelas. Terás tudo isto, diamantes, joias, sedas, rendas, luxo e riqueza. Eu te prometo!... Quando apareceres no teatro, deslumbrante e fascinadora, verás todos os homens se curvarem à teus pés; um murmúrio de admiração te acompanhará; e tu altiva e orgulhosa me dirás em um olhar: “Sou tua.”
CAROLINA (fascinada.) – Tua noiva?
RIBEIRO – Tudo, minha noiva, minha amante. Depois iremos esconder a nossa felicidade e o nosso amor num retiro delicioso. Oh! se soubesses como a vida é doce no meio do luxo, em companhia de alguns amigos, junto daqueles que se ama, e à roda de uma mesa carregada de luzes e de flores!... O vinho espuma nos copos e o sangue ferve nas veias; os olhares queimam como fogo; os lábios que se tocam esgotam ávidos o cálice de champagne como se fossem beijos em gotas que caíssem de outros lábios. Tudo fascina; tudo embriaga, esquece-se o mundo e suas misérias. Por fim as luzes empalidecem, as cabeças se reclinam; e a alma, a vida, tudo se resume em um sonho!
CAROLINA (eletrizada) – Mas o sonho passa...
RIREIRO – Para voltar no dia seguinte, no outro, e sempre.
CAROLINA – Eu também tenho meus sonhos; mas não acredito neles.
RIBEIRO – E que sonhas tu, minha Carolina?
CAROLINA – Vais zombar de mim!
RIBEIRO – Não; conta-me.
CAROLINA – Sonho com o mundo que eu não conheço! com esses prazeres que nunca senti. Como deve ser bonito um baile! Como há de ser feliz a mulher que todos olham, que todos admiram! Mas isto não é para mim!
RIBEIRO – Tu verás!... Vem! A felicidade nos chama. (passa-lhe o braço pela cintura e quer levá-la.)
CAROLINA – Espera!
RIBEIRO – Que queres fazer?
CAROLINA – Rezar! Pedir perdão a Deus!
RIBEIRO – Pedir perdão de quê? O amor não é um crime!
(Luís aparece no fundo pálido e com uma luz cuja claridade oculta com a mão.)
CAROLINA – Meu Deus!... E minha mãe!
RIBEIRO (abraçando-a.) – Vem, Carolina!
(Vão sair, encontram-se face a face com Luís e recuam.)
CENA XIV
OS MESMOS E LUÍS.
(Toda esta cena é jogada com voz surda e abafada.)
CAROLINA (soltando um grito.) – Ah!
RIBEIRO (a meia voz.) – Quem é este homem?
CAROLINA (trêmula.) – Meu primo!...
LUÍS (deita a vela sobre a cômoda e dirige-se a Ribeiro.) – Não pense que é um rival que vem disputar-lhe sua amante. Não, senhor! Há pouco recusei a mão da minha prima que seu pai me oferecia; não a amo. Mas sou seu parente e devo ampará-la no momento em que vai perder-se para sempre.
RIBEIRO – Não tenho medo de palavras; se quer um escândalo...
LUÍS (interrompendo-o.) – Está enganado! Se quisesse um escândalo e também uma vingança bastava-me uma palavra; bastava chamar seu pai. Mas eu sei que não é a força que dobra o coração; e temo que minha prima odeie algum dia em mim o homem que ela julgará autor de sua desgraça.
RIBEIRO – O que deseja então?
LUÍS – Desejo tentar uma última prova. O senhor acaba de falar a esta menina a linguagem do amor e da sedução; eu vou falar-lhe a linguagem da amizade e da razão. Depois de ouvir-me, ela é livre; e eu juro que não me oporei à sua vontade.
RIBEIRO – Ela ama-me! Era por sua vontade que me seguia!
LUÍS – Ela amo-o, sim; mas ignora que este amor é a perdição; que ela vai sacrificar a um prazer efêmero a inocência, e a felicidade. Não sabe que um dia a sua própria consciência será a primeira a desprezá-la, e a envergonhar-se do corpo que ela habita.
CAROLINA – Luís!
RIBEIRO (à Carolina.) – Não acredites.
LUÍS – Acredite-me, Carolina. Falo-lhe como um irmão. Esses brilhantes, esse luxo, que há pouco o senhor lhe prometia, se agora brilham à seus olhos, mais tarde lhe queimaram o seio, quando conhecer que são o preço da honra vendida!
CAROLINA – Por piedade; cale-se meu primo!
LUÍS – Depois a beleza passará, porque a beleza passa depressa no meio das vigílias; então ficará só, sem amigos, sem amor, sem ilusões, sem esperanças: não terá para acompanhá-la, senão o remorso do passado.
RIBEIRO – Tu sabes que eu te amo, Carolina.
LUÍS – Eu também... a estimo, minha prima.
RIBEIRO – Vem! Seremos felizes!
CAROLINA – Não!... Não posso!
RIBEIRO – Por quê? Há pouco não dizias que eras minha? (Baixo.)
CAROLINA – Sim...
RIBEIRO – A uma palavra deste homem, esqueces tudo?
CAROLINA – Não esqueço, mas...
RIBEIRO (frio.) – Sei a causa. Se ele não chegasse, eu era o preferido; mas entre os dois escolhe aquele que talvez já tem direito sobre sua pessoa.
CAROLINA – Direito sobre mim?
LUÍS – Já lhe disse que não amava esta moça.
RIBEIRO – Negar em tais casos é um dever. (À Carolina.) Adeus, seja feliz com ele.
CAROLINA – Com ele!... Mas eu não o amo!
RIBEIRO (com desprezo.) – Já lhe pertence.
CAROLINA – Luís? Eu lhe suplico! Diga que é uma falsidade!
LUÍS – Eu o juro!
RIBEIRO – Não creio em juramentos! (Vai a sair.)
CAROLINA (correndo a ele.) – Oh! não!
MARGARIDA (dentro.) – Carolina!
CAROLINA – Minha mãe!
LUÍS – Margarida!
CAROLINA – Ah! Estou perdida! (Desfalece nos braços de Ribeiro.)
LUÍS – Silêncio!
(Vai à porta da esquerda. Ribeiro aproveita-se desse momento e sai levando Carolina nos braços. Luís volta-se com o rumor antes de fechar a porta, e vê a sala deserta.)
CENA XV
LUÍS E MARGARIDA.
LUÍS – Ah!... (Corre à janela; ouve-se partir um carro; volta com desespero; vê os laços de fita, apanha-os e beija.)
MARGARIDA – Carolina!... (Vê Luís.) Que é isto Luís?
LUÍS (mostrando as fitas.) – São as asas de um anjo, Margarida; ele perdeu-as, perdendo a inocência.
MARGARIDA – Minha filha!