Til/I/XIX: diferenças entre revisões
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#Redirecionamento [[Til/II/IV]] |
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|obra=[[Til]] |
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|autor=José de Alencar |
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|seção=Primeiro Volume, Capítulo XIX: O desconhecido |
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|anterior=[[Til/I/XVIII|Primeiro Volume: Capítulo XVIII]] |
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|posterior=[[Til/I/XX|Primeiro Volume: Capítulo XX]] |
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Tal era o esboço grosseiro do misterioso drama, que ali se representara e do qual Berta debalde se empenhava em devassar o segredo. |
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Mais estimulava a sua curiosidade o cuidado com que em criança a tinham arredado da casa em ruínas, já inspirando-lhe um terror supersticioso da louca, já recomendando-lhe que nunca se dirigisse para aquela banda. |
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Também quando a menina queria saber a história de Zana e a razão por que a negra doida ali vivia abandonada numa casa em ruínas, que devia ter pertencido a pessoa abastada, ninguém lhe respondia; mas procuravam uma evasiva para não falar sobre tal assunto. |
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Tudo isto, longe de arredar a menina daquele sítio, bem ao contrário desenvolvia nela uma dessas tentações de criança que não conhecem obstáculos. A pouco e pouco, de susto em susto, animou-se ao cabo de muitas semanas a aproximar-se das ruínas e observar Zana em distância, até que afinal se convenceu que era uma criatura inofensiva a mísera doida. |
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Já tinha então Berta seus quinze anos, e com a afoiteza da idade também ganhara mais largueza e desenvoltura da ação para sair de casa e demorar-se fora sem inspirar cuidados. |
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Berta passava por enjeitada e ela o sabia, pois nunca lho ocultavam. Fora a mãe de Miguel, nhá Tudinha, quem a recolhera e criara com o maior desvelo. Na casa, porém, onde se achava emprestada e por comiseração, era ela a verdadeira senhora, pois que os donos se faziam cativos seus e porfiavam em adivinhar-lhe as vontades para satisfazê-las. |
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Sem dúvida que nhá Tudinha queria mais bem ao filho de suas entranhas; mas não tinha para ele os extremos, as debilidades e carinhos, que fazia por essa filha de criação, a enjeitadinha. De seu lado, Miguel, embora se estremecesse pela mãe, decerto que pensava mais em Berta, sua colaça. |
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Sentindo a sedução que exercia em torno de si, não abusava todavia a menina, transformando-se em uma pequena tirania doméstica, à imitação de certas crianças dengosas. A não ser para conservar a liberdade, a que a habituara uma educação campestre, no mais esquivava-se quanto podia ao império que lhe deferiam os súditos de sua graça e gentileza. |
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Assim explica-se como podia Berta passar horas e horas nas ruínas, observando Zana e esforçando por desvendar o mistério dessa louca solitária, que ali vivia ao desamparo, completamente esquecida e nutrindo-se de terra de raízes cruas, antes que a menina se incumbisse da tarefa de prover a sua subsistência. |
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No dia em que estamos não acabou Zana a pantomima de sua visão diária. |
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Quando se aproximava pé ante pé da janela da alcova, em atitude de quem espreita, os olhos da negra esbarraram com os de um homem. Era o Barroso que assomara de dentro do mato, pouco antes, e dirigiu-se passo a passo para as ruínas. |
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Estremeceu a doida, e tão violenta foi a propulsão, que a fez saltar sobre si. Com os olhos esbugalhados, a boca escancarada e os beiços arregaçados, ficou banza um instante; mas logo, espancada pelo terror, precipitou-se para fora tão desastradamente que errou a porta e bateu em cheio na taipa. |
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De novo arremeteu, e rechaçada pelo choque, andou aos embates contra a parede, até que acertando com o vão da porta fugiu estremunhada de pavor. |
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Advertida pelo primeiro sintoma de estupefação da louca, Berta seguindo-lhe a direção do olhar, avistara também o Barroso, que nesse momento parado em face da janela, a alguns passos apenas, a encarava com uma expressão de profundo rancor. |
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Teve medo a menina, e recuou instintivamente. Estava acostumada a correr só os campos vizinhos, onde freqüentemente encontrava caipiras e toda a casta de gente malfazeja, de quem aliás nunca se receara. Esse homem, porém, inspirava-lhe uma indefinível repugnância e terror. |
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Esteve Barroso a considerá-la alguns instantes, com ar de quem se resolve. Por fim, mascando um riso mau, que revia-lhe dos lábios, afastou-se murmurando: |
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— Eu hei de saber! Ah! se fosse!... |
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Com a partida do desconhecido, recuperou Berta a calma de espírito e volvia os olhos pela sala procurando Zana, que vira fugir, quando lhe feriram o ouvido gritos esganidos e sufocados, que vinham do terreiro. |
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Precipitando-se da alcova, a preta viera até o terreiro da cozinha, onde, faltando-lhe as forças, abateu-se como um fardo a que retiram o apoio. |
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Imediatamente de dentro do balseiro saltou com o arremesso de um gato do mato uma estranha criatura cuja roupa de grosso brim escorria para a ilusão. Acocorando-se em cima do corpo inerte da louca, apertava-lhe ao pescoço as mãos crispadas, procurando esganá-la, enquanto com os pés e os joelhos malhava-lhe o ventre. |
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Foi esta cena cruel que Berta viu de relance ao chegar à porta da cozinha, chamada pelos gritos. Arrojando-se do mesmo ímpeto ao terreiro, seus lábios lançaram com um tom de severa exprobração o nome do perverso, que espancava tão barbaramente uma criatura inofensiva. |
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— Brás! |
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Não se animou o rapaz a erguer a cabeça, tão acabrunhado ficara, e tão corrido de sua barbaridade. Naquele instante não havia forças para obrigá-lo a fitar o semblante de Berta, e afrontar a cólera de seu olhar. |
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Agachado, como se quisera sumir-se pela terra a dentro, fugira ele antes que a menina chegasse para tirar-lhe a preta das garras; e foi esconder-se por detrás de um marachão da taipa, que esboroara da parede do outão. |
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Cuidou Berta de levantar a cabeça da doida, na esperança de reanimá-la, o que só conseguiu depois de muito tempo. Quando a preta se pode erguer, ajudou-a ela a ganhar o cubículo, onde à noite se agasalhava a infeliz. Havia tempo que trouxera a menina uma esteira, sobre a qual a acomodou, prometendo a si mesma voltar logo mais com aguardente e pano para deitar sobre a contusão que tinham deixado as mãos de Brás. |
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Este continuava agachado por trás do medão de taipa; espiando à sorrelfa os movimentos de Berta, quedava-se com a humildade do rafeiro quando espera que a mão do senhor o fustigue pela falta cometida. Ao rumor dos passos da menina, que vinha de seu lado, encolheu-se ainda mais; parecia concentrar-se todo para o transe difícil. |
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Trazia Berta no olhar uma profunda repulsão, e o lábio frisado por um assomo de cólera. A perversidade do rapaz contra a mísera doida a revoltara dolorosamente a ponto de esquecer que também esse ato cruel era de um espírito enfermo, e quem sabe se mais digno de lástima. |
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Parou ela em face do culpado, perplexa, hesitando por ventura no castigo que devia infligir-lhe. Por fim deixou cair dos lábios um sorriso de desprezo e afastou-se rapidamente. |
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Esperava o rapaz uma severa repreensão. Este desprezo e repentino abandono, o trespassaram de dor. Quis levantar-se para correr após a menina, e as pernas lhe fugiram. Voltando-se ao rugido que ele soltara, o viu Berta de joelhos, estorcendo as mãos súplices e esforçando arrancar das fauces uma palavra que o sufocava. |
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— Não! disse a menina. |
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Esta palavra fulminou Brás, que estrebuchou no chão, estorcendo-se em uma convulsão medonha, que dobrou-lhe o corpo hirto, como se fosse uma verga de chumbo. Espumava-lhe a boca, e os dentes rangiam com horríveis contrações, que deformavam-lhe o semblante. |
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Vencida pela compaixão dessa agonia, Berta correu a ele; e sentada sobre a relva, o tomou ao colo para amimá-lo como o faria a uma criança, acalentando-a com meiguices e carinhos. |
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[[Categoria:Til|Primeiro Volume, Capítulo 19]] |
Edição atual desde as 18h37min de 24 de maio de 2012
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