Til/I/XXXI: diferenças entre revisões
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#Redirecionamento [[Til/I/XVI]] |
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|obra=[[Til]] |
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|autor=José de Alencar |
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|seção=Primeiro Volume, Capítulo XXXI: Pai Quicé |
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|anterior=[[Til/I/XXX|Primeiro Volume: Capítulo XXX]] |
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|posterior=[[Til/II/I|Segundo Volume: Capítulo I]] |
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Sentado o Brás num torrão de argila, que esbroara da barranca, entregou-se a uma singela ocupação. |
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Tirou do seio um embrulho de folhas de inhame, onde prendera uma boa porção de gafanhotos, que poucos momentos antes apanhara a devorarem um arbusto. Espetando cada qual em um espinho de juçara, fincou-os no chão, diante de si, até o número de seis. |
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Terminada esta operação, começou o sandeu a ranger os dentes, espumando de raiva e ameaçando os insetos com os punhos crispados. Enquanto se desarticulava nessa furiosa gesticulação, escapavam-lhe dos lábios sons estranhos e guturais como o grunhido de um porco, ou o ganir de um cão. |
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As pupilas vítreas esbugalhavam-se com as contorções da fúria brutal que lhe contraía os músculos faciais. Eram as fosforescências de um ódio violento, que iluminavam de reflexos lívidos esse olhar, de ordinário morno e fusco. |
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Afinal tomado de um acesso de ira, saltou o idiota sobre uma pedra, e com ela esmagou freneticamente, um a um, todos os seis gafanhotos. Não contente com este suplícios, ainda por cima trincou nos dentes a cabeça daqueles que tinham sido poupados por seu açodamento. |
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Ofegante, exausto pela violência das emoções, prostrou-se por terra e aí ficou por algum tempo arquejando. |
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Era o desgraçado menino um estranho aborto da natureza. De todo bronca e estúpida, tinha contudo essa monstruosa organização bem vivo e patente o instinto do mal. Parecia que o aleijão, privando-a da alma racional, não reduzira só o homem à condição de bruto, mas o tinha logo demudado em fera. |
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Até conhecer Berta, o único vestígio humano que havia nessa bestialidade, era o ódio. Aborrecia a toda criatura racional, talvez por uma confusa percepção de sua deformidade e estupidez. |
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Depois que o desvelo da menina lhe inspirara a fúria amorosa, transformara-se em profundo rancor a profunda repugnância que ele sentia por todos; e tal fora o choque produzido por estas paixões, que acendeu uma centelha nas trevas daquele espírito embrutecido. |
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Desde então houve nessa animalidade um impulso que não era idiota; e foi o ódio. Estúpido em tudo, parvo até nos ímpetos da cega dedicação que votava a Berta, mostrava para o mal uma astúcia e perspicácia admirável. Incapaz de conceber uma idéia, maquinava pacientemente uma vingança terrível. À sutileza do réptil venenoso, reunia a sagacidade do guará. |
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Os insetos figuravam as pessoas que mais odiava, e a quem ruminava exterminar, espreitando a ocasião de levar a cabo a feroz maquinação. Enquanto não chegava o momento, divertia-se com aquele sinistro folguedo. |
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Surpreendido quando chegava ao sítio habitual, e obrigado a esconder-se, ouvira a trama do Barroso, que o alegrou a princípio, porém agora o contrariava pelo receio de perder a sua maldade. |
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Sacando do socavão um pedaço de arco de barril que afiara a ponto de torna-lo um punhal, ocultou-o no bolso do jaleco; depois do que desapareceu um instante ao lado do brejal, e voltou com um sapo que atirou junto ao buraco da casa de cupim, debruçando-se em cima dela, à espreita. |
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Imediatamente ao grasnido do anfíbio, apareceu no buraco a enorme cabeça de uma cascavel, que fitou no sapo a pupila cintilante. |
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Desde muito tempo cercava aquela serpente, que entrava no seu plano. Com uma forquilha, da posição em que estava, facilmente conseguiu prender a cabeça da vípera e agarrando-a pelo colo sem importar-lhe a sanha com que ela silvava, estorcendo a cauda e açoitando-lhe o rosto, deitou a correr por dentro do canavial. |
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Chegando que foi junto à casa, trepou a uma jabuticabeira para alcançar o peitoril da janela, cuja vidraça estava erguida, mostrando entre as cortinas de cassa uma linda cama de mogno coberta por colcha de damasco azul, um toucador, guarda-vestidos e outros móveis da recâmara de uma senhora. |
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Era a alcova de Linda. A mão perversa do idiota arremessou a cobra, que foi cair justamente sobre a cama e depois de aplacada a fúria, encolheu-se entre as rendas dos travesseiros, com a pupila em sangue e o bote armado. |
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Acabava o idiota de preparar assim o primeiro ato da obra de extermínio, que ele ruminava em sua feroz estultícia, quando o fez estremecer a voz de Berta que se encaminhava para a alcova. |
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Luís Galvão havia chegado. Ao avista-lo as meninas tinham descido do mirante a correr para chamar D. Ermelinda e irem ao encontro do fazendeiro. Também acudiram para tomar a benção ao senhor os escravos empregados no serviço doméstico, e alguns dos que não trabalhavam na roça, mas andavam por perto nas tulhas e fábricas. |
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Entre estes distinguia-se um inválido curvado como um arco de pipa, com a cabeça lisa como um quengo, e o queixo fino como uma faca desdentada; pelo que chamavam de pai Quicé. Era ele um dos favoritos de Berta, que todos os domingos lhe dava um vintém para fumo. |
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Depois de salvar ao senhor, pai Quicé que ainda não tinha visto Berta naquele dia, fez-lhe muitas festas como sempre, e começou a costumada e interminável lengalenga com que a menina muito se divertia. |
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Berta era curiosa, e pois gostava de saber de tudo quanto se fazia ou falava por aqueles arredores. O negro velho que não tinha outra coisa para dar à sua gentil protetora, trazia-lhe quanto mexerico e história ouvia pelas vendas, onde graças à liberdade de traste inútil, passava a maior parte do tempo. |
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— Nhá moça, sabe? Aquele homem muito mau, que mata gente, o Bugre que foi aqui da fazenda?... |
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— Que tem? perguntou Berta, cuja atenção foi excitada. |
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— Vão prender ele. |
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— Quem te disse? |
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Contou o negro velho o que ouvira ao Gonçalo junto à venda do Chico Tinguá, e o mais que dos ditos de outros e de sua própria astúcia colhera posteriormente. Era naquela tarde que o Pinta ficara de guiar Filipe ao esconderijo do Bugre. |
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— E você sabe onde ele está? perguntou a menina com vivacidade. |
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— Sabe, sabe; Quicé sabe. |
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— Onde é? |
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— Quicé mostra o caminho. |
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— Pois vai indo que eu já te apanho. |
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Este rápido diálogo travou-se no meio do terreiro. Entrando em casa, viu Berta a amiga na sala e perguntou-lhe: |
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— Onde deitou meu chapéu, Linda? |
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Foram estas palavras que estremeceram Brás, e ainda mais quando ouviu a resposta de Linda. |
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— Em cima de minha cama. |
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Apoderou-se a vertigem do idiota, que tombou da árvore ao chão. |
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[[Categoria:Til|Primeiro Volume: Capítulo 31]] |
Revisão das 18h58min de 24 de maio de 2012
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