A Bella Madame Vargas/III: diferenças entre revisões

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''O mesmo cenário do segundo ato, seis horas depois. E o salão de música à noite. Há um extraordinário luar que inunda os espaços e se alastra fora pelo terraço. Das janelas e da porta vê-se bem o luar. A varanda está toda cheia de luz da noite.''
''O mesmo cenário do segundo ato, seis horas depois. E o salão de música à noite. Há um extraordinário luar que inunda os espaços e se alastra fora pelo terraço. Das janelas e da porta vê-se bem o luar. A varanda está toda cheia de luz da noite.''


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E o pano cerra-se, enquanto a pobre e bela Mme. Vargas ri e chora, desfeita de emoções nos braços do seu velho amigo.
E o pano cerra-se, enquanto a pobre e bela Mme. Vargas ri e chora, desfeita de emoções nos braços do seu velho amigo.


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Revisão das 18h54min de 15 de setembro de 2014

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O mesmo cenário do segundo ato, seis horas depois. E o salão de música à noite. Há um extraordinário luar que inunda os espaços e se alastra fora pelo terraço. Das janelas e da porta vê-se bem o luar. A varanda está toda cheia de luz da noite.

Estão no salão:

Madame Vargas, Belfort, Baby Gomensoro, Madame Azambuja, D. Maria, Julieta, Carlota Pais, Gastão, Deputado Guedes e José Ferreira.

Quando levanta o pano todos em roda do piano dão palmas e aplaudem Mme. Azambuja que termina o segundo noturno de Chopin.

Baby - É realmente admirável.

Guedes - V. Exa. toca divinamente.

Carlota - É a alma de Chopin.

Belfort - Eu ficaria reconciliado com os pianos, se todos os amadores fossem como Mme. Azambuja.

Madame Vargas - Não sei, esse noturno deu-me vontade de chorar.

D. Maria - É porque estás nervosa.

José - Ainda tem dor de cabeça?

Madame Vargas - Ainda, um pouco.

Baby - Deixe de cuidados demasiados. D. Hortência não podia deixar de estar. nervosa.

Madame Vargas - Ora esta. Por que?

Baby - Um noturno de Chopin com este luar!

Carlota (indo à janela) - Está realmente um luar deslumbrante.

Gastão - Muito bonito.

Madame Azambuja - Um luar para tragédias.

Baby - O dr. Ferreira, avistamos a sua casa de cá?

José - Não, mademoiselle.

Guedes - Está uma claridade de dia...

Madame Azambuja - Fica a gente romântica. Lembra Shakespeare.

José - Romeu e Julieta...

Julieta - Verona...

D. Maria - Urna escada de seda.

Carlota - E os versos do Bilac. (Madame Azambuja fica a tocar languidamente, enquanto em torno e perto da porta conversam Madame Vargas e Belfort no primeiro plano).

Belfort - Por que está tão abatida?

Madame Vargas - A cabeça estala-me, já não posso ter mão em mim. É o máximo da resistência.

Belfort - Mas porque abandonar a coragem no último momento?

Madame Vargas - Por que é o desastre.

Belfort - Que idéia triste. Vai partir e tudo será pelo melhor, ao contrário.

Madame Vargas - É que não pode imaginar o que se passou com Carlos. A sua presença exarcebou-o.

Belfort (vinco na testa) - Hein?

Madame Vargas - Ameaçou-me de tal forma, que a todo o instante o espera. Carlos é capaz de tudo!

Belfort - Minha cara Hortência, pode ter a certeza de que são raros os capazes de tudo. Os capazes de tudo são os excepcionais. O mundo é uma grande repartição pública. Nessas repartições há sempre um ministro para centenas de funcionários. No mundo há um ser d'exceções para milhares de outros que não passam de amanuenses da vida. Madame Vargas - Amanuense o Carlos!

Belfort - Há amanuense e amanuense. Há os que trabalham, casam, pagam a lavadeira, tem filhos e cometem regularmente outras coisas insignificantes; e há os que indo à repartição pretendem cometer ações de maior importância e não fazem nada. O Carlos pertence aos que não fazem nada é amanuense da vida com a proteção do diretor e o medo dos credores.

Madame Vargas - Porque brincar ainda, barão, neste momento angustioso?

Belfort - Porque tenho confiança-no futuro.

Madame Vargas - Se escapássemos até amanhã a catástrofe estaria adiada.

Belfort - Só se dão as catástrofes pelas quais não esperamos.

Madame Vargas - Eu é que não posse mais. Se ele vem, se faz o escândalo público!...

Belfort - Esquece que estou aqui!

José (no grupo junto à janela) - Com essas disposições, o luar deixa-a incapaz de resistir?

Baby - Não sei. teria uma grande vontade de ser conquistada.. deve ser bom, não acham?

Guedes - Aquele grande palacete é o do banqueiro Praxedes?

D. Maria - Conhece-o? É um sujeito terrível esse tal de Praxedes. Já me explicaram porque quando conversa fecha os olhos.

Julieta - Por que é?

D. Maria - É para ter tempo de fazer algumas somas entre as perguntas e as respostas. Carlota (ao fundo) - Hortência, venha ver os efeitos do luar. Parece ouro líquido.

Madame Vargas (caminhando) - Há noites doidas.

Baby - Doidas é o termo.

Belfort (baixo a José) - Parabéns.

José - De que?

Belfort - Sei que parte amanhã.

José - Psiu, quem lho disse?

Belfort - Hortência estava a pedir-me que tratasse da passagem dela.

Gastão (descendo) - É esquisito. Todos nós falamos do luar. Só o barão parece não o ver.

Belfort - Porque adoro as coisas simples e naturais.

D. Maria - Acha então o luar pouco natural?

Belfort - O luar é o artificio. Metemo-lhes tanta coisa, arrebicamo-lo tanto, que nada mais resta do verdadeiro luar. A lua das cidades é uma invenção literária. Acho muito mais natural a D. Carlota ou o Deputado Guedes.

Guedes - Mas já lhe tenho dito uma porção de vezes que não sou reconhecido...

Baby -Não é?

Guedes - Infelizmente!

Madame Azambuja - Mas o que vai ser então?

Belfort – Sim, se não for deputado, o que vai ser então?

Guedes - Ah! isso... Hoje, com a certeza do meu degolamento, o partido que está no governo ofereceu-me a candidatura à presidência.

Baby - Bravo! Presidente!

Gastão - Mas são precisas muitas coisas para ser presidente?

Guedes - Sim. Capacidade, energia, tino...

Belfort - Tudo isso é de mais.

José - Como assim?

Belfort - Para ser presidente de estado no Brasil só é necessário uma qualidade: a de saber preparar o buffet.

Todos - Hein? Como?

Belfort - Porque sendo a campanha das candidaturas uma noite de contradanças, os vencedores só têm uma preocupação política administrativa: avançar na ceia...

Guedes (riso geral) - Vê-se que o barão gosta de brincar. Não respondo a pilhérias.

Belfort - É sempre assim que os presidentes começam.

Madame Vargas - E se saíssemos um pouco?

D. Maria - Com este sereno!

Madame Vargas - Vamos todos até à estrada?

José - Que idéia!

Belfort - Que nervos, diga antes. vai piorar a sua dor de cabeça.

Madame Vargas - Ao contrário. Talvez me faça bem. Venha daí doutor. Todos - vamos! Não! Bela idéia!

Belfort - Eu não_ Prefiro fumar um cigarro no terraço.

Madame Azambuja - Não. Estou cansadíssima.

Movimento de saída, saem todos: ficam apenas Mme. Azambuja e o deputado Guedes.

Guedes - Esta vida mundana é motivo de graves neurastenias.

Madame Azambuja - Depois as preocupações...

Guedes - Quais?

Madame Azambuja - Só sustentar este luxo e escolher os flertes.

Guedes - Má língua.

Madame Azambuja - Eu? Ao contrário. Falo a verdade. Só não vê quem não quer. Não lhe parece muito terno o Dr. Ferreira?

Guedes - Sempre pensei que fosse o outro, o Dr. Carlos.

Madame Azambuja - E depois diga que sou eu a má língua. Pois contam-no também, o Sr., no rol dos apaixonados.

Guedes - Sabe bem que só tenho uma paixão.

Madame Azambuja - A política?

Guedes - Nunca se ama o que nos sustenta.

D. Maria entra.

D. Maria - Que imprudência! Lá se foram!

Guedes - É um passeio extravagante.

D. Maria - O Dr. Guedes é que não iria, hein? A Tijuca mete-lhe medo.

Guedes - Perdão. Mete-me medo quando vou com senhoras de respeito. Só, ou com homens, acho até graça. Já uma vez vim cá à noite com um amigo do meu Estado e dei com uma ceia de estalo na mesa do imperador. A iluminação era a velas multicores.

D. Maria - Que escândalo.

Guedes - Só cocotes e rapazes, que diziam os maiores horrores!

Madame Azambuja - Atacaram-no?

Guedes - Felizmente não. Escapei, porque estava na roda o senador Policarpo.

D. Maria - A propósito, a senhora do senador Policarpo continua a enganar o marido?

Guedes - Absolutamente.

Madame Azambuja - É lá senhora para voltar atrás. Nunca!

Guedes - O Policarpo é que enviuvou.

D. Maria - Foi o seu primeiro ato da satisfação à sociedade.

Baby e Belfort aparecem à janela do lado da varanda.

Madame Azambuja - Já acabou o cigarro?

Belfort - A apostar que falavam mal da vida alheia?

Baby - Enquanto não falávamos de amor.

Madame Azambuja - Alguma declaração?

Belfort - Não. A Baby confessava que precisa amar. Eu disse-lhe que trabalhasse em alguma coisa útil. O amor é sempre uma resultante da falta do que fazer. Ela ri e não acredita. Chamou-me criança.

D. Maria - O topete desta menina!

Belfort - Deus fala pela boca da inocência.

Baby (que já está na sala) - Não me faça corar!

Belfort - Impossível! Hoje tanto do rouge abusou, que está permanentemente ruborizada.

Baby corre à janela. O barão retira se.

Madame Azambuja - A verdade é que o barão, é um inimigo do casamento.

Belfort (entrando) - Eu?

Guedes - Pelo menos não pensou nunca em casar.

Belfort - Apenas por influência de leituras. Em rapaz caiu-me nas mão um livro antigo escrito em latim. Falava do casamento e dava o silogismo do matrimônio segundo Bias.

Baby - Que Bias?

Belfort - Um sujeito muito antigo, que morreu antes de nós nascermos. Bias diz: A mulher que escolhermos será bela ou feia. Se for bela, não será só tua; se for feia, casarás com uma fúria.

Madame Azambuja - Oh! Barão!

Belfort - É verdade que logo depois o autor citava Favorinus, que aconselha o meio termo entre as duas, e Quintus Ennius que chama o meio termo stata. Até hoje procuro a stata e não há meio de me resolver...

Madame Azambuja (indo ao piano corre uma escala) - Mas que extravagância a de sua sobrinha D. Maria. Tanto mais quanto estou arrependida de não ter ido também.

Belfort - Obrigado, por todos nós.

Madame Azambuja - Não. É que o luar me poe nervosa.

Belfort - O luar é o inventor de todas as loucuras, segundo alguns literatos Até o nosso Guedes, com um luar destes seria capaz de as realizar.

Guedes - Não. Tenho sempre juízo... Não sou mais homem para essas coisas.

Belfort - Por que? Porque vai ser presidente de Estado?

Guedes - Porque a espinha mo proíbe.

Baby - Sofre da espinha?

Guedes - Aqui onde me vê, D. Baby, sou um candidato a ataxia.

Baby - Então respiremos.

D. Maria - É uma moléstia grave, Baby.

Baby - Mas basta que o Dr. Guedes seja candidato a ela para que a gente tenha a certeza de que não a apanha.

Guedes - Má! E o senhor barão a rir. Está a fazer da Baby uma discípula.

Belfort - Não. Rio com sentimentos conservadores - com medo de perder a alegria. É tão raro encontrar alguém alegre! Vejam os transeuntes na rua. Cada fisionomia tem um vinco de preocupação. As mulheres olham-se com mal disfarçado rancor. Os homens não conseguem esconder a mágoa oculta. Já ninguém mais ri francamente. O riso dói a princípio o prazer de devorar. Foi depois o prazer de viver. Hoje é o desespero de não poder arrasar a geração. A Baby rir por prazer, ao menos.

Baby - Obrigada pela conferência. Vou colecionar anedotas.

Mas pela varanda surgem a correr e a rir Madame Vargas, José, Gastão, Carlota, Julieta. Irrupção na sala.

Madame Azambuja - Ora viva a companhia!

Madame Vargas - Uma corrida louca, minha filha!

Carlota - Fomos perseguidos.

Guedes - Que dizia eu?

Julieta - Só o Gastão nos salvaria.

José - Imaginem. Dois automóveis cheios de cavalheiros e damas.

Madame Vargas - Queriam por força reconhecer-nos.

D. Maria - Como assim?

Madame Vargas - É que tínhamos tapado o rosto com as écharpes. Julieta - O Amaral Fataça pegou-me o braço teimando que eu era a Liliane. Cariota - Felizmente, Gastão conseguiu fazê-lo recuar.

Julieta - Traiu-nos.

Belfort - Mais uma vitória nos bíceps, Gastão?

Gastão - Qual bíceps. Inteligência.

Belfort - É surpreendente!

Baby - Que fez você? Julieta - Disse o nosso nome é claro.

Gastão - Juro que não. Foi tudo quanto há de mais simples. Disse que as senhoras eram outras.

Carlota - Que outras?

Gastão - Outras senhoras com que eles flertam.

José - Foi um salve-se quem puder!

Carlota - E corremos até aqui.

Madame Vargas - Mas a cena aumentou-me ainda a dor de cabeça.

José - Não será coisa de gravidade?

Madame Vargas - Não. Quando tenho uma forte emoção a dor sempre vem.

José - Por que não toma uma pouco d'aspirina?

Madame Vargas - Não, obrigada.

Madame Azambuja - É uma dor tremenda essa. Eu nunca a tinha tido. Parece-lhes impossível? Pois é. Só há oito dias é que a senti pela primeira vez. Quase morri!

Belfort - Que me diz?

Madame Azambuja - Sério. Foi depois de um jantar em casa de Madame Braga, a esposa do homem de borracha.

Carlota - Aquela que dá agora recepções?

Gastão - Uma senhora tremendamente gorda?

Madame Azambuja - Essa mesma. Nunca vi tanta gente feia reunida.

Baby - A dor de cabeça talvez fosse disso.

Madame Azambuja - A Braga estava decotada, com um colar que o marido disse ter dado 200 contos.

Carlota - É uma soma muito razoável. Não acha, D. Maria?

D. Maria - D'acordo. Três bien.

Madame Azambuja - Mas é que vocês não imaginam a Braga decotada!

Baby - Eu a vi ontem no Lírico.

Madame Azambuja - Não é verdade? Já viste decote igual?

Baby -Francamente em público, desde que perdi a minha ama de leite, foi a primeira vez...

Guedes - Mas o decote da senhora Braga é que lhe causou dor de cabeça?

Madame Azambuja - Não sei. Atribuo aos seringueiros, ao decote aquela gente toda e a uma salada, á moda do Pará, que serviram no fim. Era de matar.

Gastão - Não_ há nada pior do que uma salada quando faz mal.

Madame Azambuja - Até agora não sei do que era. O senhor barão, que sabe tudo, conhece por acaso a salada do Pará?

Belfort - Qual delas? Porque há muitas. Salada é o termo que se aplica admiravelmente a todas as coisas do Brasil. Há a.salada política, de que por exemplo agora o Guedes é o azeite. Há a salada filosófica, em que ninguém se entende. Há a salada social, uma dessas saladas panachés que dariam indigestão a um avestruz. A qual delas se refere?

Julieta - Às que se comem, está visto.

Belfort - Dessas não sei. É verdade que o diplomata Schmidt pretendeu ensinar-me uma. Mas não conseguiu. Quando chegava a lição estava sempre com champagne de mais.

José - Era apanhá-lo quando a tivesse de menos.

Belfort - Impossível. Schmidt apostou que o champagne não lhe fez mal. de modo que quanto mais bebe mais vontade tem de beber para mostrar que é forte. Tem com isso um lucro. Apesar de morar à beira mar desconhece a ressaca...

D. Maria - Mas, pelo amor de Deus, não falemos mal da vida alheia!

Belfort - Que havemos de fazer então para sermos elegantes.

Carlota - Irmo-nos embora, por exemplo. Hortência precisa descansar.

Madame Vargas - Oh! não.

Carlota - Pois sim! Não deseja você outra coisa.

Gastão - Está evidentemente doente.

José - Não diga!

Madame Vargas - Descanse. Não tenho nada.

Guedes - Mas há de dar licença. (Cumprimenta). Julieta - É isso mesmo. estamos insuportáveis.

Carlota - Vivemos quase na casa de Hortência.

Madame Azambuja - Hoje só faltou o Dr. Carlos.

Baby - É verdade. O que andará fazendo aquele conquistador?

Belfort - Dorme com certeza sobre os louros.

Madame Vargas - Até amanhã.

Guedes - Vai V.Exa. ao Lirico?

Madame Vargas - Talvez.

Madame Azambuja - É ópera nova.

Belfort - Então não presta.

Julieta - Por que?

Belfort - Porque todas as óperas novas são sempre para os entendidos do Rio, borracheiras tremendas.

Baby - Se D. Hortência for, eu quero um lugar no camarote.

Madame Azambuja - Por causa do tenor?

Baby - Por causa do Bastão. O camarote do pai é pegado.

Madame Azambuja - Para começar, quer você vir no meu automóvel? deixo-a em casa.

Baby - Merci. Aceito.

Põem as capas. D. Maria ajuda-as. Cumprimentos, shake-hands.

Guedes - E uma imprudência vir à porta, senhora D. Hortência;

Carlota - Não venha, Hortência.

Madame Azambuja - Melhoras. Nunca vi você tão nervosa como esta noite.

Baby - É verdade. Eu também. O Dr. José, leve-nos até lá em baixo.

José - Mas, vou também com as senhoras.

Carlota - Como, se mora para cima?

Madame Azambuja - Nada de flertes, Baby. É tarde. (No salão, sós, Belfort e Hortência).

Belfort - Que lhe disse eu? Não veio!

Madame Vargas - Mas onde estará, que fará ele?

Belfort - Tranqüilamente em qualquer clube.

Madame Vargas - O barão não o conhece.

Belfort - Melhor do que a Hortência.

Madame Vargas - Ele faz alguma, ele disse que faria.

Belfort - Esta noite, pelo menos, parece ter adiado. Tenho a certeza. Foi a sua última cena. Ele sabe quem eu sou, e sabe que o tenho...

Madame Vargas - Barão, salve-me! Mais algumas horas e eu terei evitado essa desgraçado empecilho. Já começaram a falar nele, já o notam. Ouviu a Renata?

Belfort - Tenha confiança. Eu quero e quando eu quero, raramente os outros deixam de querer o que eu quero. Estou vigilante. se o que lhe disse não bastar, agirei, e diante do que eu tenho, as veleidades desaparecerão.

José (voltando)- Então até amanhã.

Madame Vargas - Meu bom José... Vai, não é assim?

José - Que se há de fazer, se é vontade sua.

Madame Vargas - José, vá. E saiba que nunca na minha vida estimei alguém como o estimo.

José - Está nervosa, Hortência. Continua nervosa. Não imagina como fico inquieto. Ainda há pouco quase comprometo o nosso segredo...

Belfort - Descanse, é a emoção da despedida. O único meio de ser feliz é não discutir os caprichos da dama dos nossos sonhos.

José - Eu estou também muito alegre, e muito triste!

Madame Vargas - Não! Não! Deves ficar alegre, e só alegre!

Belfort - Está bem, está bem, nada de nervos.

Belfort - Eu vou, Hortência. Até amanhã.

Madame Vargas - Adeus, meu querido José. (Dá-lhe a mão a beijar).

Belfort (interrompe) - Vai para sua casa?

José - Claro. Arranjar as malas.

Belfort - Consente que o acompanhe? A noite está linda. Preciso dar um passeio. Leve-o no meu automóvel e conversaremos.

José - Não se incomode, por quem é... Estamos a duzentos metros se tanto...

Belfort - Não. Quero ver como se comporta. Já não o largo! Minha cara Hortência. Tenha fé! Está tudo acabado. Até amanhã. (A D. Maria que lhe dá o sobretudo e o chapéu). Não, sem sobretudo. Obrigado. (A José, saindo) Diga-me? Nunca teve medo de bandidos? Eu gosto imenso. O bandido é o covarde valente, sem a coragem de afirmar. Sempre tive vontade de encontrar um bandido face a face. Se fôssemos atacados?

José - Sempre o mesmo barão. Até amanhã, Hortência! Descanse. Não fique mais nervosa. Adeus.

Madame Vargas - Até amanhã. (saem José e Belfort). Ah! Dia! Dia horrível que não acaba! Mas algumas horas e salvo-me!

D. Maria - Queres partir?

Madame Vargas - Quero impedir que mais uma vez estraguem o meu futuro. Só! Quero ser feliz, compreendes? Quero mostrar publicamente que eu também amo, que posso ser uma esposa que se inveje. Quero a claridade do dia! Basta de escuro, basta de crime.

D. Maria - Não te excites assim, com as.próprias palavras. Tens um pouco de culpa...

Madame Vargas - Tia, não me censures.

D. Maria - Eu teria dito a esse pequeno cínico as coisas como elas são, desde o começo. Garanto que só ameaça vingar-se por despeito.

Madame Vargas - A quem o dizes! E a cada gesto seu, mais sobe José no meu conceito, mais vejo quanto desci, mais sinto a minha ignomínia, mais amo o outro. Sim. Não é mais

interesse, não é mais, não_ Com esse que me ofereceu tudo e não pediu nada, com esse eu iria. Porque o amo! Porque o amo! E ter aquela criatura imaginando estragar a minha vida, perder-me no conceito de José, só porque me assaltou num _momento de _lassidão e de amargor! Oh! não sabe ele como me defenderei! Faltam apenas algumas horas. Depois já não poderá dizer nada, já não poderá. fazer nada, estará sem os dentes de veneno e peçonha...

D. Maria (indo apagar o lustre central) - Vem deitar-te. É melhor.

Madame Vargas - Não. Um instante. Quero repousar os nervos.

D. Maria (hesitante) - Não fazes hoje nenhuma tolice?

Madame Vargas - Oh! Tia!

D. Maria - Ainda ontem, minha filha!

Madame Vargas - Ontem... vai já tão longe. Hoje preferiria morrer.

D. Maria - Ainda bem. Tudo menos aquilo.

Madame Vargas - Oh! tia, não insistas. Até já; vai-te deitar.

D. Maria - Até já, meu tesouro. Hás de ver. Não acontecerá nada de mau. Ele não cometerá as infâ mias que disse. Repousa. Está para chegar a felicidade. Não te apoquentes mais. (sai).

Madame Vargas, um instante só.

Madame Vargas - Como custa chegar a felicidade!

Tem um largo suspiro, fica um instante diante do espelho abatida. A porta do terraço descerra-se. Entra por ela num golfão de luar Carlos. Madame Vargas vê a sua entrada pelo espelho. Volta-se aterrada.

Carlos - Boa noite.

Madame Vargas - Tu? Tu aqui?

Carlos - Do que te admiras? Não é a primeira vez.

Madame Vargas - Voltaste? Voltaste depois do que se deu ontem conosco.

Carlos - Como vês. Não incomodo? Andei por fora à espera que os outros. saíssem.

Madame Vargas - Tens coragem de voltar, de entrar aqui, sem o meu consentimento, alta hora?

Carlos - Deixei-te tão doida hoje à tarde! Precisávamos conversar, não te parece?

Madame Vargas - Mas não temos mais que dizer. Mais nada. Será o que tu quiseres. Tudo quanto quiseres.

Carlos - Finge calma! estás convencida de garantias. O barão encheu-te de confiança. Vê­se!

Madame Vargas - Não. Fizeste-me sofrer muito e perdeste com isso o que me restava de afeição por ti. Podes fazer o que quiseres. desinteresso me.

Carlos - Ainda bem. Foi o que eu fiz, descansa.

Madame Vargas - Que fizeste?

Carlos - Preparei uma pequena vingança.

Madame Vargas -Vindo aqui mais uma vez, torturar-me e desgostar-me ainda mais de ti?

Carlos - Seria isso uma vingança?

Madame Vargas - Mas que vingança? Vingança porquê?

Carlos - Porque me deu na cabeça.

Madame Vargas - Sabes que começo a perder a calma!

Carlos - Vais perdê-la de todo dentro de alguns momentos.

Madame Vargas - Tu é que te vais embora imediatamente.

Carlos - Tem tempo. depois de liquidarmos o nosso caso.

Madame Vargas - Mas afinal que queres tu? Não creio que me vás exigir uma noite, depois do que me disseste hoje. Que queres tu? Discutir o que estamos fartos de saber? Ameaçar-me? Dize, fala. Que queres tu afinal?

Carlos - Não sei se recordas há três meses uma noite de luar assim?

Madame Vargas - Desgraçada Noite!

Carlos - Há três meses era outro o teu pensar...

Madame Vargas - Não pensava de forma alguma. Rolava para um abismo.

Carlos (sempre calmo, sentando-se) - Pois há três meses eu beijava doido de alegria um bilhete teu...

Madame Vargas - Não tragas a história do bilhete. sempre a mesma, sempre a mesma.

Carlos - Foi o único que me escrevestes. Beijei-o muito. Tenho-o de cor.

Madame Vargas - Devias restituir-mo.

Carlos - Acabo de o fazer.

Madame Vargas - Como?

Carlos - Recordas de certo as breves palavras sem nome algum, misteriosamente atiradas à sombra "espero-o hoje à noite. Deus perdoe a minha loucura. Venha a 1 hora".

Madame Vargas - Loucura! Desastrada loucura!

Carlos - Mas porque, se o bilhete sem o meu nome não era para mim?

Madame Vargas - Hein?

Carlos - Era um bilhete que transitava pelas minhas mãos. Só hoje compreendi, e ao sair daqui, meti-o num subscrito e mandei-o a quem de direito pertence agora. É um bilhete talismã. Serve de passe.

Madame Vargas - Não compreendo.

Carlos - É simples, caramba! Mandei o teu bilhete ao dr. José ferreira.

Madame Vargas - Tu fizeste isso?

Carlos - Com certeza lho entregaram agora, quando voltou para casa.

Madame Vargas - Tu fizeste isso?

Carlos - Honestamente, sem uma palavra minha. Sou um homem que se preza. E depois a cena é muito mais interessante como a imagino. A estas horas, o Dr. Ferreira deve estar doido de alegria, a olhar o relógio.

Madame Vargas - Mas para que fizeste isso? Por que não me deste o bilhete a mim? O José virá, eu direi qualquer coisa... É tão simples mentir! Não terás feito mais uma pequena infâmia para me aborrecer.

Carlos - Decididamente perdes a inteligência com a perspectiva do casamento. Mandei-lhe o teu bilhete e vim esperá-lo contigo.

Madame Vargas - Tu?

Carlos - Ah! minha dona, pensavas então que eu era qualquer trapo, a por de lado no melhor momento? Estavas crente que era possível enganar-me, arredar-me com cantigas e as ameaças do Belfort, esse velho ridículo que não sei bem o que e aqui? Pensavas mesmo que realizarias o negócio sem me prevenir, pondo-me no andar da rua? Não! Ah! não! Eu

sou alguém, sabes, eu sou alguém. Não sou homem que ponham a andar, não sou desses. Cá estou. Vamos esperá-lo juntos. Ou não tem vergonha, ou com ele não arranjas mais nada. Depois será o que for!

Madame Vargas - Miserável! Como és miserável!

Carlos - Isso. Chama-me nomes. Vamos ver depois. Com aquele ar de demoiselle de Sion o Dr. José vai receber um golpe em pleno.

Madame Vargas - Indigno! Covarde! Perder assim uma mulher, perder pelo prazer da infâmia, sem outro fim senão o de fazer mal! Por que, meu deus? Por que? Mas pensas mas se acreditas que eu não resista.

Carlos - Vamos a ver como.

Madame Vargas - Sai, sai, já daqui.

Carlos - Muito bonito como teatro.

Madame Vargas - Covarde!

Carlos - Fala baixo, pode acordar alguém.

Madame Vargas - Ao contrário, gritarei. Vou chamar gente, chamo todos. Mando-te por fora, pelos criados.

Carlos - estou certo de que o não farás. é o escândalo já. Ficarão todos sabendo das nossas relações - porque eu também gritarei, contarei. Talvez cheguemos a ter a polícia. Hortência, venha cá.

Madame Vargas - Larga-me!

Carlos - Seja! Mas vejo que já não queres gritar. Sempre prudente. O melhor é mesmo esperarmos o homem. É meia-noite. Temos diante de nós uma hora, se ele não chegar antes.

Madame Vargas - Não. Tudo o que quiserdes. Carlos, tudo, menos essa atroz miséria! Chamá-lo aqui, mostrar-me tal qual sou!

Carlos - Isso é para os íntimos, ou antes para aqueles a quem já não queres...

Madame Vargas - Não é possível! Não é possível! Não farás isso!

Carlos - Vais ver.

Madame Vargas - Depende ainda dele. E ele não vem,. afirmo-te eu; não vem porque compreende os perigos desta gente com que vivemos, porque desconfiará de uma traição

Carlos - Talvez. Como é homem, porém, terá pelo menos a curiosidade de vir ver. É escusado olhares as portas. (Dando volta à chave da porta da comunicação interna). Não sairás senão para o escândalo. E eu não desejo que ninguém nos perturbe. Dentro de 50 minutos: ele, tu.e eu. A apostar como vem?

Madame Vargas - Que venha! Que venha! Devia vir, sim, deve vir, tem de vir! Há infâmias que a fatalidade ajuda. Vem mesmo, esta a chegar. E eu sei que vem, porque antes já lhe escrevera chamando-o. Pobre José! Receberá duas cartas minhas. Sim. Escrevi. estou a ouvirte apenas como lição só para sentir bem a tua baixeza, para ver quanto desci. Mas o José, está a chegar. Contei-lhe tudo, tudo. Ele sabe tudo. E vai-te expulsar, vai-te correr como um criado ordinário.

Carlos - Havemos de ver.

Madame Vargas - Verás bem pago o teu cinismo. Um homem que tortura assim uma mulher é um covarde. Mas não és tu que o esperas, sou eu que te retenho para que ele te encontre. Que venha! Que venha! (Ruído fora, recua apavorada). Ah!

Carlos (dando um salto) - Silêncio! (Vai até a janela, espia o terraço. Hortência acompanha-o quase de rasto. Momento). Uf! Nada. Talvez o Braz, passando em baixo... (Olha Hortência). Muito menos desejo de que eu, hein? Dê-me o consolo ao menos de confessar que só escreveu a mim! Deixe-se de fingimentos, não delires. Sim. De fato. Há coisas pessoas na vida. Esta espera enerva. Tenha calma. _Ainda temos 40 minutos.

Madame Vargas (implorando)- Mas que vais fazer? Que vais fazer?

Carlos - Que vou fazer? O trepasso, minha filha!

Madame Vargas - Carlos!

Carlos - Aqui tem a minha amante: faça-a sua mulher. Hei de gozar-lhe a decepção!

Madame Vargas - Mas se não te fez mal algum?

Carlos - Por isso mesmo odeio-o. Odeio-o pelos seus ares superiores, pelo seu dinheiro, por essa honestidade palerma que ele exibe como um cartaz, pelas suas idéias, por tudo! Odeio-o visceralmente - odeio-o porque tu o amas! Honesto, rico, querendo casar! Pateta! Como se fosse dificil ser honesto e casar, quando -se tem dinheiro! Tivesse-o eu! Tivesse-o eu! E verias em vez deste "Capaz de tudo para viver" o teu honestíssimo esposo. Porque tu havias de amar-me. Oh! as mulheres! Havias de amar-me e enganar-me depois com outro. Aqui, porém, dá-se o inverso. Enganas-me para casar com ele! Veremos a gargalhada final quem a dá!

Madame Vargas - É a mim que tu perdes, só a mim... Desmoronas para sempre a minha vida...

Carlos - Que importa, se me abandonastes antes, se por todos os lados me dizem que eu não passo de um malandrim disfarçado? Que importa se devo ceder o lugar aos honestos, que são ricos? Eu te ajudaria a enganá-lo se mo tivesse dito. Não mo dissestes senão quando era impossível ocultar mais tempo. É porque só amas a ele. Eu vingo-me.

Madame Vargas - Ele é forte. Ele tem coragem.

Carlos - Não se trata de coragem. Trata-se de fatos. (Neste instante, batem à porta de dentro. Salto. Angústia. Carlos agarra o braço de Hortência). Baixinho! Baixinho! Se deixar entrar alguém aqui, o escândalo é amanhã de toda a cidade. estás perdida! (Batem de novo). Anda. pergunta quem é_ Com calma.

Madame Vargas - (Imenso esforço, vencida, olhando-o com ódio) - Quem está? ë a tia?

D. Maria (dentro) - Sim, minha filha. É quase uma hora. Não te vens deitar?

Carlos (baixo) - Tranqüiliza-a, anda.

Madame Vargas - Já vou. Não me aborreças. Deita-te. (Num ímpeto). Feche a... (Carlos tapa-lhe a boca).

Carlos - Cala-te. (Ela debate-se. Rolam ambos no divã. Silêncio angustioso). Tens que esperar. Quero que esperes. Ao menos hoje obedeces. Eu quero.

Madame Vargas - Odeio-te!

Carlos - E eu vingo-me! (O relógio bate meia hora dentro). Temos apenas trinta minutos. Pouco tempo.

Madame Vargas (Esfrega os olhos já secos de não poder chorar, alisa os cabelos, como se convencendo) - Ele vem! Ele vem! (Desespero). Não fiques, oh! Já te vingastes de mais. Sim. Confesso. Devia ter dito tudo, devia ter falado. Mas já resgatei o meu crime. Sei que é brincadeira tua, que nada disso é verdade, que não passa de uma tortura, uma grande tortura... Pelo amor de Deus, pelo nosso amor...

Carlos - Pelo nosso amor, egoísta! Pelo nosso amor, traidora! Pelo nosso amor, vendida!

Madame Vargas - Vai-te! Vai-te! Não fiques! Não me tortures! Eu não quero que ele saiba! Não que não! Nunca! Nunca! Se tens ciúmes, mata-me! Mata-me! Anda, mata-me! Mas não lhe digas nada.

Carlos - Dentro de alguns minutos.

Madame Vargas - Canalha! Canalha! Canalha!

Carlos - Vem gente.

Madame Vargas - Cana... (Estaca, porém. Carlos precipita-se para a janela. Espia).

Carlos - É um vulto. Caminha entre as árvores. Veio cedo. É ele.

Madame Vargas (Cai na poltrona sentada, batendo o queixo no auge o pavor) - É ele! É ele! É ele!

Carlos - (tirando o revólver do bolso da calça e colocando-o no bolso do casaco) - Seja a Bela Mme. Vargas, sempre até o fim. Tenha ânimo!

Madame Vargas - Crápula! Eu direi tudo.

Carlos (abre todo um lado da porta) -Esperemos bem. (precipita-se na cadeira em que está sentada Mme. Vargas. Torcendo-lhe a mão). Sinto-lhe os passos rápidos na escada. tenha o ar de quem me presta atenção. Ande.

Madame Vargas (debatendo-se) - Larga-me! Larga-me! (faz um último esforço para soltar-se).

Belfort (entra, lívido, rápido, vozforte) - Afinal encontro-te! (Carlos ergue-se atônito. Mme. Vargas pende na cadeira. Belfort a Hortência). Mil perdões por entrar na sua casa tão tarde. Mas vi luz e tive a certeza de que Carlos estava cá. Chegou de certo depois dos outros, disse eu. E subi. (A Carlos). Vim buscá-lo.

Carlos (entra arrogante e atônito)- A mim?

Madame Vargas - Preciso de você já!

Carlos - Esquisito.

Belfort - Extremamente. Tanto que você vai sair já.

Carlos - É o senhor quem manda?

Belfort - Nada de rodeios. É tarde. Sai já! Carlos- Manda também cá?

Belfort - Mando onde devo mandar. É inútil a bravata comigo, menino. Poupe-me um pouco a sua petulância. cartas na mesa. _A senhora Hortência Vargas vai casar com o Dr. José Ferreira. Eu quero. Você é demais. Disse-lhe que se afastasse. Não quis. Repito-o. Compreendeu? Perdeu a partida.

Carlos - Talvez. Esperemos por esse Ferreira. Mais alguns minutos e ele chega. Veremos.

Madame Vargas - Barão, salve-me! salve-me!

Belfort - Eu é que vou esperar sem você. Saia.

Carlos - Não acredite que me aterroriza.

Belfort - Cale-se! Conheço-o bem. Ou você sai imediatamente, sem encontrar o Dr. José Ferreira ou está amanhã na prisão. Disse-lhe que pensasse. Quer brincar comigo. Engana­se. Tenho-o no bolso, e se fizer contra Hortência mais um gesto está em mau lugar. Madame Vargas (horrorizada)- Belfort!

Belfort - Nada como os grandes remédios.

Carlos - Caluniador.

Belfort - Por que? Tenho a sua carta pedindo-me perdão, tenho a letra em que tão mal fingiu a minha e a firma de seu pai, e o denuncio com todas as provas como falsificador da minha firma.. Disse-lho já se sabe que o faço. Faço-o à primeira tentativa sua. A sua cena é bonita enquanto serve para contar nos clubes. É moda e dá amantes até, mas muda quando tem por fim um cubículo da detenção, mesmo arejado. Saia!

Carlos - É indecente o que faz.

Belfort - Não insista. O ar de fora far-lhe-á bem. E note: mesmo o respeito que tenho por seu pai, não impedirá que o declare publicamente e o faço prender se disser uma palavra a respeito deste caso. Mando-o prender irrevogavelmente.

Carlos - Há amizades suspeitas.

Belfort - E gente como você que não deixa dúvidas. Mas saia. A situação é ridícula. Cheguei no momento em que ia cometer a sua maior torpeza. dessas torpezas que estragam vidas mas não levam à cadeia. Deixo-lhe o último insulto. Desabafe e fuja da cadeia que pela sua demora ameaça começar aqui. Mais um segundo e está preso.

Carlos - É capaz?

Belfort - Experimente!

Carlos (pega no chapéu, excitação, fúria) - Velho pulha!

(Sai)

Madame Vargas (correndo ao barão) - Ele vai encontrá-lo. Ele dirá tudo! Estou perdida!

Belfort - Em homens como Carlos tenho a máxima confiança. Só há contra esses apaches da nossa sociedade uma coisa respeitável: a cadeia. Ele sabe que eu o liquido. Já não pensa mais em vingança. Vai daqui para um clube a passar o resto da noite com champagne pago pelos outros.

Madame Vargas - Mas mandou ao José o único bilhete que ele tinha escrito. José vem aí.

Belfort - Esperaremos juntos o José. O pobre rapaz ficará enternecido com a lembrança. Aí está um bilhete que o mau serviço dos correios levou três meses a entregar ao seu verdadeiro destinatário.

Madame Vargas - Meu amigo! Foi Deus que o mandou para salvar a minha vida!

Belfort - Deus, neste caso, foi apenas ter olhado, ao voltar da casa de José, o seu terraço e ver alguém que a ele subia. Era o Carlos, esperei-o. Como não saísse, subi. Talvez fosse mesmo Deus, porque o devo ao luar, parece dia... Apesar da literatura (Caminha para a janela).

Madame Vargas (num ímpeto beija-lhe a mão)- Meu amigo! Meu amigo! E perdoou, perdoou mesmo a minha falta, a minha loucura?

Belfort - Mas que é isto, Hortência? Ria, esteja alegre. Todos nós precisamos de perdão. E o mundo seria a maior sensaboria se as mulheres passassem por ele pensando em tudo quanto fazem...

E o pano cerra-se, enquanto a pobre e bela Mme. Vargas ri e chora, desfeita de emoções nos braços do seu velho amigo.