Poesias (Bernardo Guimarães, 1865)/Cantos da solidão/Amor ideal: diferenças entre revisões
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''Há uma estrela no céu'' |
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''Que ninguém vê, senão eu'' |
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(Garrett) |
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Enviado por Deus, ditamno puro |
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Por mãos ocultas de benigno gênio |
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No peito meu vertido? |
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Não és anjo celeste, |
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Que junto a mim, no adejo harmonioso |
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Passa, deixando-me a alma adormecida |
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Num êxtase de amor? |
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Ó tu, quem quer que sejas, anjo ou fada, |
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Mulher, sonho ou visão, |
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Inefável beleza, sê bem-vinda |
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Em minha solidão! |
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Vem, qual raio de luz dourando as trevas |
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De um cárcere sombrio, |
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Verter doce esperança neste peito |
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Em minha solidão! |
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Nosso amor é tão puro! - antes parece |
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A nota aérea e vaga |
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De ignota melodia, êxtase doce, |
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Perfume que embriaga!... |
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Amo-te como se ama o albor da aurora, |
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O claro azul do céu, |
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O perfume da flor, a luz da estrela, |
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Da noite o escuro véu. |
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Com desvelo alimento a minha chama |
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Do peito no sacrário, |
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Como sagrada lâmpada, que brilha |
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Dentro de um santuário. |
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Sim; a tua existencia é um mistério |
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A mim só revelado; |
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Um segredo de amor, que trarei sempre |
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Em meu seio guardado! |
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Ninguém te vê; - dos homens te separa |
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Um véu misterioso, |
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Em que modesta e tímida te escondes |
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Do mundo curioso. |
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Mas eu, no meu cismar, eu vejo sempre |
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A tua bela imagem; |
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Ouço-te a voz trazida entre perfumes |
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Por suspirosa aragem. |
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Sinto a fronte incendida bafejar-me |
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Teu hálito amoroso, |
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E do cândido seio que me abrasa |
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O arfar voluptuoso. |
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Vejo-te as formas do donoso corpo |
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Em vestes vaporosas, |
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E o belo riso, e a luz lânguida e meiga |
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Das pálpebras formosas! |
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Vejo-te sempre, mas ante mim passas |
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Qual sombra fugitiva, |
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Que me sorriu num sonho, e ante meus olhos |
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Desliza sempre esquiva! |
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Vejo-te sempre, ó tu, por quem minh'alma |
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De amores se consome; |
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Mas quem tu sejas, qual a pátria tua, |
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Não sei, não sei teu nome! |
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Ninguém te viu sobre a terra, |
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És filha dos sonhos meus: |
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Mas talvez, talvez que um dia |
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Te eu vá encontrar nos céus. |
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Tu não és filha dos homens, |
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Ó minha celeste fada, |
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D'argila, d'onde nascemos, |
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Não és decerto gerada. |
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Tu és da divina essência |
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Uma pura emanação, |
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Ou um eflúvio do elísio |
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Vertido em meu coração. |
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Tu és dos cantos do empíreo |
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Uma nota sonorosa, |
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Que nas fibras de minh'alma |
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Ecoa melodiosa; |
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Ou luz de benigna estrela |
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Que doura-me a triste vida, |
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Ou sombra de anjo celeste |
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Em minha alma refletida. |
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Enquanto vago na terra |
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Gomo mísero proscrito, |
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E o espírito não voa |
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Para as margens do infinito, |
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Tu apenas me apareces |
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Como um sonho vaporoso, |
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Ou qual perfume que inspira |
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Um cismar vago e saudoso; |
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Mas quando minh'alma solta |
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Desta prisão odiosa |
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Vaguear isenta e livre |
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Pela esfera luminosa, |
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Irei voando ansioso |
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Por esse espaço sem fim, |
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Até pousar em teus braços, |
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Meu formoso Querubim. |
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[[Categoria:Cantos da Solidão|C 04]] |
Revisão das 23h25min de 11 de abril de 2020
Ha uma estrella no céo
Que ninguém vê, sento eu.
(Garrett.)
Quem és? — d’onde vens tu?
Sonho do céo, visão mysteriosa,
Tu, que assim me rodêas de perfumes
De amor e d’harmonia?
Não és raio d’esp’rança
Enviado por Deos, dictamo puro
Por mãos occultas de benigno genio
No peito meu vertido?
Não és anjo celeste,
Que junto a mim, no adejo harmonioso
Passa, deixando-me a alma adormecida
N’um extase de amor?
O’ tu, quem quer que sejas, anjo ou fada,
Mulher, sonho ou visão,
Ineffavel belleza, sê bem vinda
Em minha solidão!
Vem, qual raio de luz dourando as trevas
De um carcere sombrio,
Verter doce esperança n’este peito
Já de illusões vazio.
Nosso amor é tão puro! — antes parece
A nota aerea e vaga
De ignota melodia, extase doce,
Perfume que embriaga!...
Amo-te como se ama o albor da aurora,
O claro azul do céo,
O perfume da flôr, a luz da estrella,
Da noite o escuro véo.
Com desvelo alimento a minha chamma
Do peito no sacrario,
Como sagrada lampada, que brilha
Dentro de um sanctuario.
Sim; a tua existencia é um mysterio
A mim só revelado;
Um segredo de amor, que trarei sempre
Em meu seio guardado!
Ninguem te vê; — dos homens te separa
Um véo mysterioso,
Em que modesta e timida te escondes
Do mundo curioso.
Mas eu, no meu scismar, eu vejo sempre
A tua bella imagem;
Ouço-te a voz trazida entre perfumes
Por suspirosa aragem.
Sinto a fronte incendida bafejar-me
Teu halito amoroso,
E do candido seio que me abrasa
O arfar voluptuoso.
Vejo-te as fôrmas do donoso corpo
Em vestes vaporosas,
E o bello riso, e a luz languida e meiga
Das palpebras formosas!
Vejo-te sempre, mas ante mim passas
Qual sombra fugitiva,
Que me sorrio n’um sonho, e ante meus olhos
Deslisa sempre esquiva!
Vejo-te sempre, ó tu, por quem minh’alma
De amores se consome;
Mas quem tu sejas, qual a patria tua,
Não sei, não sei teu nome!
Ninguem te vio sobre a terra,
És filha dos sonhos meus:
Mas talvez, talvez que um dia
Te eu vá encontrar nos céos.
Tu não és filha dos homens,
O’ minha celeste fada,
D’argila, d’onde nascemos,
Não és de certo gerada.
Tu és da divina essencia
Uma pura emanação,
Ou um effluvio do elysio
Vertido em meu coração.
Tu és dos cantos do empiro
Uma nota sonorosa,
Que nas fibras de minh’alma
Echôa melodiosa;
Ou luz de benigna estrella
Que doura-me a triste vida,
Ou sombra de anjo celeste
Em minha alma reflectida.
Emquanto vago na terra
Como misero proscripto,
E o espirito não vôa
Para as margens do infinito,
Tu apenas me appareces
Como um sonho vaporoso,
Ou qual perfume que inspira
Um scismar vago e saudoso;
Mas quando minh’alma solta
D’esta prisão odiosa
Vaguear isenta e livre
Pela esphera luminosa,
Irei voando ancioso
Por esse espaço sem fim,
Até pousar em teus braços,
Meu formoso Cherubim.